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São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

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COMÉRCIO

No varejo já são 50 milhões; nas instituições financeiras, 41,5 milhões

Número de cartões ligados a lojas supera o de bancos

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

As redes de lojas descobriram mais uma forma de financiar a compra do cliente e lucrar com um negócio tradicionalmente reservado às instituições financeiras e às administradoras de cartões: a venda parcelada por meio de cartões de crédito próprios.
Essa forma de financiamento começou a se proliferar sobretudo a partir de 2000 -até então era utilizada por um pequeno número de lojas (Mappin e Mesbla, que não existem mais). Alguns especialistas dizem que os cartões de crédito de lojas estão se expandindo tão rapidamente que, em pouco tempo, eles poderão ser até uma ameaça aos bancos e às administradoras, que exploravam sozinhos esse negócio no país.
Em parceria com instituições financeiras ou ainda sozinhas, as lojas já têm hoje mais cartões de crédito com marca própria no mercado brasileiro do que as administradoras tradicionais que operam por meio de bancos.
Essa mudança pode ter a ver com a mudança sofrida pelo país nos últimos anos. Em 2002, o setor de comércio vendeu 0,68% a menos do que no anterior, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Inflação em alta, emprego em baixa, queda do poder aquisitivo e juros entre os mais altos do mundo desestimularam a compra de novos bens. Já os lucros das instituições financeiras subiram cerca de 30% em média, na comparação de 2002 sobre 2001. Uma prova viva de que emprestar a juros altos pode dar retorno maior do que produzir e tentar vender um bem ou serviço.

Interesse
A estimativa é que existam cerca de 50 milhões de cartões de crédito de lojas -chamados de private label (uso restrito nas lojas)- nas mãos dos consumidores no país. Os cartões de crédito tradicionais (bandeira Visa, Mastercard, Amex e Diners), ligados a bancos, somam 41,5 milhões, informa a Abecs, que reúne as administradoras cartões.
O interesse do varejo em lançar o seu próprio cartão de crédito cresce basicamente por três razões: torna o cliente mais fiel à loja, custa menos do que o cartão tradicional e cria mais uma modalidade na venda a prazo -um negócio lucrativo no país devido às altas taxas de juros. Para o consumidor, a grande vantagem é que, geralmente, é gratuito.
Assim, os cartões de fidelização -aqueles que permitem ao cliente obter descontos em alguns produtos e ganhar brindes- estão se transformando em cartões de crédito, que, por sua vez, passaram a substituir o sistema de crediário tradicional (os carnês).
Pelo menos 200 redes de lojas já emitem cartão de crédito próprio no país, estima a Partner Consultoria, especializada na prestação de serviços financeiros ao consumidor. São cartões com a marca da empresa que têm ou não parceria com uma instituição financeira e uma administradora.
"Há dez anos, os bancos deixaram de ser vendedores de cartões Visa e Mastercard para serem donos de cartões. Agora chegou a vez do varejo participar desse negócio e também ganhar dinheiro com cartão de crédito", afirma Boanerges Ramos Freire, sócio-diretor da Partner.
C&A, Lojas Riachuelo, Lojas Pernambucanas, Carrefour, Lojas Renner e grupo Pão de Açúcar são alguns exemplos de redes que já participam desse negócio -algumas com e outras sem parcerias com instituições financeiras e administradoras de cartão.
A C&A é uma das redes mais experientes na venda financiada por meio cartão de crédito próprio, tanto que já tem até um banco -o Ibi- para cuidar dos seus serviços financeiros. Além de cartão de crédito, oferece ao cliente títulos de capitalização, empréstimo pessoal e seguros.
Com 80 pontos-de-venda no país, a C&A, de origem holandesa, tem 12 milhões de cartões nas mãos de clientes, especialmente das classes de menor poder aquisitivo. Dárcio D" Agosto, diretor de crédito do banco Ibi, diz que a emissão de cartões não pára de crescer especialmente por causa do menor custo do financiamento oferecido ao cliente.
Enquanto os juros das administradoras tradicionais de cartões de crédito vão de 8,5% a 13,5% ao mês, os das lojas variam de 3,5% a 7% ao mês, informa Waldemar Petty, presidente da Cardco, empresa que processa cartões de crédito para o varejo. Algumas redes informam que parcelam o preço à vista em cinco vezes sem juros.
O interesse de redes de lojas em lançar cartão de crédito próprio levou especialistas em serviços financeiros para o consumidor a discutir se é legal ou não uma loja emitir o seu próprio cartão de crédito sem parceria com bancos, financeiras ou administradoras.
O Procon-SP informa que sim, desde que os juros cobrados dos consumidores no cartão de crédito de loja sejam limitados a 6% ao ano, como determina a Lei de Usura, de 1933.
Isto é, para cobrar juros acima disso, a loja tem de ser parceira de uma instituição financeira -que tem autorização do Banco Central (BC) para buscar recursos no mercado e financiar o consumidor- ou de uma administradora de cartão, que tem contrato de operação registrado em cartório.
O fato é que muitas redes de lojas informam que parcelam o preço à vista em várias vezes no cartão sem cobrar juros, só que os juros já estão embutidos no preço -ou seja, as taxas não são especificadas. Especialistas dizem que isso acontece muito, mas não há como provar essa prática num mercado de preços liberados.

Cobrança indevida
A Acrefi, associação que reúne as financeiras, admite que existem cerca de cem lojas espalhadas pelo país -com cerca de 1 milhão de cartões de crédito emitidos- que operam sem a parceria de financeiras. Elas estariam cobrando juros dos clientes mesmo sem ter vínculo com financeiras.
"Estamos trabalhando num projeto para legalizar a operação dessas lojas, com o apoio das financeiras, e elevar de 1 milhão para 2 milhões o número de carnês emitidos por essas lojas", afirma Walter Arantes de Moraes, diretor da Acrefi.
Segundo ele, o cartão de crédito de lojas se transformou num negócio tão interessante para o comércio que cerca de 1.700 associações comerciais espalhadas pelo país também estudam a possibilidade de ter parceria com os lojistas. Nesse caso, o cartão de crédito levaria o nome da loja e também da associação.


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