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São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

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CENÁRIOS

Secretário de Política Econômica acredita que vulnerabilidade a choques externos está menor, graças ao ajuste fiscal

Brasil está menos dependente, crê Lisboa

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O mundo vive uma nova crise, com a ameaça de um ataque coordenado pelos Estados Unidos contra o Iraque. Desta vez porém, ao contrário de crises passadas, o Brasil ainda não foi atingido. Enquanto as Bolsas de vários países do mundo, principalmente da Europa, despencaram nos últimos dias, no Brasil, a Bolsa subiu, o dólar caiu abaixo dos R$ 3,50 e o risco-país voltou para a casa dos 1.000 pontos.
Para o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, 38, considerado o principal formulador de política econômica do governo, o que aconteceu foi "um sinal de solidez dos caminhos escolhidos para a nossa economia".
Lisboa atribui principalmente ao ajuste fiscal, promovido no início do novo governo, o fato do Brasil estar descolado da crise internacional. "A economia está no caminho do círculo virtuoso", diz.

Folha - O Brasil está imune à crise externa?
Marcos Lisboa -
A grande notícia é que a economia internacional passou por uma grave crise na semana passada, com queda acentuada das Bolsas européias. Apesar disso, a economia brasileira não piorou. Ao contrário, até melhorou. Isso é um sinal da solidez dos caminhos escolhidos para a nossa economia. Os indicadores econômicos melhoraram nas últimas semanas, o que é importante para a retomada do crescimento em bases sustentáveis. O risco Brasil está progressivamente caindo, mais um sinal de aumento de confiança na economia.

Folha - Quanto o sr. imagina que o país poderá crescer neste ano?
Lisboa -
Quando falo em crescimento sustentável, estou me referindo ao crescimento de longo prazo. E é prematuro arriscar uma taxa de crescimento. As previsões dos economistas para este ano, por exemplo, se situam entre 1,8% a 2,9%. Os dados da economia vêm melhorando sistematicamente, apesar do cenário externo. Tudo mostra que não estamos mais a reboque da economia internacional -e esse é o resultado da redução da nossa vulnerabilidade externa.

Folha - A que o sr. atribui o fato de o Brasil estar aparentemente descolado dessa crise externa?
Lisboa -
Logo de saída o governo fez esforços importantes para promover um ajuste fiscal sem contar com o aumento de receitas extraordinárias. Ao contrário, fizemos um ajuste pela via do corte de despesas, que é, na verdade, a melhor maneira de fazê-lo. O que interessa não é o equilíbrio fiscal em um determinado ano, mas a sustentabilidade das contas públicas. O que fizemos neste ano foi um corte importante das despesas, que sinalizou o compromisso do governo com uma trajetória sustentável da dívida pública. Isso põe a economia no caminho de um círculo virtuoso. Garantir a sustentabilidade das contas públicas estabelece as bases de um crescimento sustentável, provocando a queda do risco Brasil, melhorando as expectativas sobre o futuro da economia brasileira e induzindo o aumento dos investimentos. É preciso muita paciência e perseverança, e é natural que ocorram oscilações de curto prazo, mas a gente não está olhando para essas oscilações de curto prazo, e sim para a tendência de longo prazo. Ao longo deste governo, nosso objetivo é que o país cresça a taxas bem maiores do que as observadas recentemente.

Folha - No caso de o país não voltar a crescer, o governo tem um Plano B?
Lisboa -
Não tem Plano B. Isso faz parte de especulações naturais que sempre ocorrem.

Folha - O fato de o Brasil estar longe da área de conflito com a ameaça da guerra entre os Estados Unidos e o Iraque também não contribuiu para a melhora do país?
Lisboa -
Certamente ajuda, mas fomos afetados pela crise da Rússia e por todas as crises que ocorreram nos últimos anos, independentemente de ocorrerem em países próximos ou não do Brasil. Dessa vez, há uma grave crise, que afetou diversas economias desenvolvidas, mas não nos atingiu.

Folha - O Brasil conseguiu superar a fase da alta da inflação?
Lisboa -
Não há dúvidas de que a inflação está em queda, mas ainda persiste o efeito estatístico do último trimestre do ano passado. O momento pior da inflação aconteceu nos últimos três meses do ano passado, quando as taxas atingiram patamares muito elevados. A inflação dos últimos 12 meses, portanto, ainda vai refletir o efeito dessa alta da inflação de outubro a dezembro do ano passado. Esse efeito só sumirá quando chegarmos em outubro deste ano. A queda da inflação foi um pouco mais lenta do que o Banco Central tinha previsto inicialmente, porém nas últimas semanas essa queda foi acelerada.

Folha - Como sr. viu a aprovação pela bancada do PT da aprovação da proposta de mudanças no artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro? (A proposta prevê que o sistema financeiro poderá ser regulamentado por várias leis complementares, e não por uma única legislação)
Lisboa -
Isso faz parte da história do PT. Acho que é um traço positivo do partido. No PT, existe uma sólida democracia interna, na qual as pessoas expressam suas opiniões com muita clareza e, no final, quando se define uma posição, o partido segue essa posição. É um exemplo de democracia extremamente salutar. A mudança do artigo 192 é muito importante. Há várias reformas relevantes a serem realizadas no sistema financeiro e que, se fossem tratadas de uma só vez, como está no artigo 192, obrigariam a uma discussão simultânea de vários temas muito complexos. Tratar das questões em separado ajuda na definição de um marco institucional mais favorável para o mercado de crédito, permitindo a queda dos "spreads" bancários.

Folha - E para o projeto de autonomia do Banco Central?
Lisboa -
A discussão atual sobre isso é a de separar a definição da política monetária de sua gestão. Quem fixa a política monetária é o governo, cabendo ao Banco Central a sua gestão. A grande vantagem desse projeto é o de estabelecer os papéis com clareza.

Folha - Como o governo irá avaliar a gestão da política monetária do Banco Central?
Lisboa -
Existem vários projetos de autonomia operacional. Em geral, o que se procura fazer é que o governo defina as diretrizes, assim como as consequências no caso de seu descumprimento. Essas regras podem envolver, por exemplo, a demissão dos diretores do Banco Central. É bem diferente do caso de independência da instituição, onde o Banco Central faz a política monetária. No projeto de autonomia, quem define a política monetária é o governo, e o Banco Central executa.

Folha - O projeto de autonomia ficou para segundo plano?
Lisboa -
A agenda mudou um pouco. O presidente Lula antecipou bastante, e de forma bem sucedida, a discussão de reforma tributária, que é mais complexa.


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