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CENÁRIOS
Secretário de Política Econômica acredita que vulnerabilidade a choques externos está menor, graças ao ajuste fiscal
Brasil está menos dependente, crê Lisboa
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O mundo vive uma nova crise,
com a ameaça de um ataque coordenado pelos Estados Unidos
contra o Iraque. Desta vez porém,
ao contrário de crises passadas, o
Brasil ainda não foi atingido. Enquanto as Bolsas de vários países
do mundo, principalmente da
Europa, despencaram nos últimos dias, no Brasil, a Bolsa subiu,
o dólar caiu abaixo dos R$ 3,50 e o
risco-país voltou para a casa dos
1.000 pontos.
Para o secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, 38, considerado o principal formulador de
política econômica do governo, o
que aconteceu foi "um sinal de solidez dos caminhos escolhidos para a nossa economia".
Lisboa atribui principalmente
ao ajuste fiscal, promovido no início do novo governo, o fato do
Brasil estar descolado da crise internacional. "A economia está no
caminho do círculo virtuoso", diz.
Folha - O Brasil está imune à crise
externa?
Marcos Lisboa - A grande notícia
é que a economia internacional
passou por uma grave crise na semana passada, com queda acentuada das Bolsas européias. Apesar disso, a economia brasileira
não piorou. Ao contrário, até melhorou. Isso é um sinal da solidez
dos caminhos escolhidos para a
nossa economia. Os indicadores
econômicos melhoraram nas últimas semanas, o que é importante
para a retomada do crescimento
em bases sustentáveis. O risco
Brasil está progressivamente
caindo, mais um sinal de aumento de confiança na economia.
Folha - Quanto o sr. imagina que
o país poderá crescer neste ano?
Lisboa - Quando falo em crescimento sustentável, estou me referindo ao crescimento de longo
prazo. E é prematuro arriscar
uma taxa de crescimento. As previsões dos economistas para este
ano, por exemplo, se situam entre
1,8% a 2,9%. Os dados da economia vêm melhorando sistematicamente, apesar do cenário externo. Tudo mostra que não estamos
mais a reboque da economia internacional -e esse é o resultado
da redução da nossa vulnerabilidade externa.
Folha - A que o sr. atribui o fato
de o Brasil estar aparentemente
descolado dessa crise externa?
Lisboa - Logo de saída o governo
fez esforços importantes para
promover um ajuste fiscal sem
contar com o aumento de receitas
extraordinárias. Ao contrário, fizemos um ajuste pela via do corte
de despesas, que é, na verdade, a
melhor maneira de fazê-lo. O que
interessa não é o equilíbrio fiscal
em um determinado ano, mas a
sustentabilidade das contas públicas. O que fizemos neste ano foi
um corte importante das despesas, que sinalizou o compromisso
do governo com uma trajetória
sustentável da dívida pública. Isso
põe a economia no caminho de
um círculo virtuoso. Garantir a
sustentabilidade das contas públicas estabelece as bases de um
crescimento sustentável, provocando a queda do risco Brasil, melhorando as expectativas sobre o
futuro da economia brasileira e
induzindo o aumento dos investimentos. É preciso muita paciência e perseverança, e é natural que
ocorram oscilações de curto prazo, mas a gente não está olhando
para essas oscilações de curto prazo, e sim para a tendência de longo prazo. Ao longo deste governo,
nosso objetivo é que o país cresça
a taxas bem maiores do que as observadas recentemente.
Folha - No caso de o país não voltar a crescer, o governo tem um
Plano B?
Lisboa - Não tem Plano B. Isso
faz parte de especulações naturais
que sempre ocorrem.
Folha - O fato de o Brasil estar
longe da área de conflito com a
ameaça da guerra entre os Estados
Unidos e o Iraque também não contribuiu para a melhora do país?
Lisboa - Certamente ajuda, mas
fomos afetados pela crise da Rússia e por todas as crises que ocorreram nos últimos anos, independentemente de ocorrerem em
países próximos ou não do Brasil.
Dessa vez, há uma grave crise, que
afetou diversas economias desenvolvidas, mas não nos atingiu.
Folha - O Brasil conseguiu superar a fase da alta da inflação?
Lisboa - Não há dúvidas de que a
inflação está em queda, mas ainda
persiste o efeito estatístico do último trimestre do ano passado. O
momento pior da inflação aconteceu nos últimos três meses do
ano passado, quando as taxas
atingiram patamares muito elevados. A inflação dos últimos 12 meses, portanto, ainda vai refletir o
efeito dessa alta da inflação de outubro a dezembro do ano passado. Esse efeito só sumirá quando
chegarmos em outubro deste ano.
A queda da inflação foi um pouco
mais lenta do que o Banco Central
tinha previsto inicialmente, porém nas últimas semanas essa
queda foi acelerada.
Folha - Como sr. viu a aprovação
pela bancada do PT da aprovação
da proposta de mudanças no artigo
192 da Constituição, que trata do
sistema financeiro? (A proposta
prevê que o sistema financeiro poderá ser regulamentado por várias
leis complementares, e não por
uma única legislação)
Lisboa - Isso faz parte da história
do PT. Acho que é um traço positivo do partido. No PT, existe uma
sólida democracia interna, na
qual as pessoas expressam suas
opiniões com muita clareza e, no
final, quando se define uma posição, o partido segue essa posição.
É um exemplo de democracia extremamente salutar. A mudança
do artigo 192 é muito importante.
Há várias reformas relevantes a
serem realizadas no sistema financeiro e que, se fossem tratadas
de uma só vez, como está no artigo 192, obrigariam a uma discussão simultânea de vários temas
muito complexos. Tratar das
questões em separado ajuda na
definição de um marco institucional mais favorável para o mercado de crédito, permitindo a queda
dos "spreads" bancários.
Folha - E para o projeto de autonomia do Banco Central?
Lisboa - A discussão atual sobre
isso é a de separar a definição da
política monetária de sua gestão.
Quem fixa a política monetária é o
governo, cabendo ao Banco Central a sua gestão. A grande vantagem desse projeto é o de estabelecer os papéis com clareza.
Folha - Como o governo irá avaliar a gestão da política monetária
do Banco Central?
Lisboa - Existem vários projetos
de autonomia operacional. Em
geral, o que se procura fazer é que
o governo defina as diretrizes, assim como as consequências no
caso de seu descumprimento. Essas regras podem envolver, por
exemplo, a demissão dos diretores do Banco Central. É bem diferente do caso de independência
da instituição, onde o Banco Central faz a política monetária. No
projeto de autonomia, quem define a política monetária é o governo, e o Banco Central executa.
Folha - O projeto de autonomia ficou para segundo plano?
Lisboa - A agenda mudou um
pouco. O presidente Lula antecipou bastante, e de forma bem sucedida, a discussão de reforma tributária, que é mais complexa.
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