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OPINIÃO ECONÔMICA
O plano de metas
PAULO RABELLO DE CASTRO
Todo povo precisa de sonho.
Sonhar é como redecorar a
realidade com as cores do desejo.
Sonhar é projetar-se, abrir janelas
em paredes, aguardar o degelo da
primavera. O sonho é a piracema
da obra, da realização. País sem
projeto e povo sem sonho não
existem. Mas o novo governo está
testando uma nova abordagem
política: a administração sem objetivos, a liderança sem sonho, o
país sem crescimento.
O sonho do Brasil sempre foi
crescer. O país sonha acordado
com o crescimento: o povão sonha
com a oferta de empregos. O pequeno empresário, o autônomo,
com o aumento das vendas. O
grande industrial, o agricultor,
com a expansão dos mercados.
Apenas uma ínfima minoria sonha com a manutenção do juro
alto, que engorda suas aplicações
financeiras e arrasa com o sonho
de todos os outros milhões e milhões de compatriotas. Mas o governo confunde sombras com sonho. Para acalentar o sonho, nas
sombras se deve trabalhar para
alimentá-lo. Nas sombras se opera
a realidade para chegar ao país
imaginado.
JK imaginou seu Plano de Metas
como "50 anos em 5". Que genial
sacada do marketing arcaico e intuitivo! Para isso, o projeto de
construir Brasília. Mas não só isso: construir estradas para chegar
lá. Automóveis e caminhões para
trafegar nelas. Gente treinada para tocar as novas indústrias. Financiamentos. Projetos. Cálculos
estruturais.
Bem entendido: nas sombras do
sonho se trabalhou muito. Havia,
por exemplo, o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), tocado por um grande homem, Sydney Latini (quem se
lembra disso?), que quebrou todos
os tabus anti-Brasil e removeu todos os imensos obstáculos para
chegar perto do sonho do carro
brasileiro. Conseguiu. E assim
também Lucio Costa, Niemeyer e
outros tantos, todos oficiais ou
serventes da construção de um
grande sonho. Condição básica e
inicial: sonhar para valer.
Mas mudou a política em 64.
Tempos de ferro. Gente carrancuda. Homens de negro. Porém
-quem diria-, por trás da carranca, o mesmo sonho, que trazia
mais crescimento, com ainda
mais ímpeto, menos bagunça inflacionária e orçamentária, com
mais ordem. Daí surgiram algumas grandes reformas, que modernizaram a estrutura do Estado
e o seu funcionamento, como a lei
do mercado de capitais, a lei financeira (4.595), o Código Tributário, o BNH, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a correção monetária, a dívida pública, o
Banco Central e assim por diante.
Imensas ferramentas, operadoras de um sonho, embora castrense e castrador, no plano político
que se tentava opor a outro sonho,
de outros grandes brasileiros, que,
há exatos 40 anos, pediam, com
paixão e calor, as "reformas de
base" no célebre comício da Central do Brasil. Quem não se lembra daquele outro sonho, embora,
para muitos, tornado pesadelo?
Sonhar é preciso, mesmo contra
a maré, mesmo no sacrifício dos
interesses mesquinhos, de nossas
necessidades do dia-a-dia.
Mal ou bem, sonharam Juscelino e Lacerda, grandes líderes civis,
sonharam Jango e Brizola, sonharam Castelo, Golbery e Juarez, como sonharam Prestes e Apolônio,
acho até que Garrastazu sonhou.
Esses sonhadores empregaram
homens que operaram fábricas de
sonhos, nas sombras, como Campos, Bulhões e Beltrão, Lucas Lopes e Celso Furtado, Delfim e Simonsen, e muitos outros menos
evidenciados.
Onde está essa gente hoje? O que
vemos é o nosso presidente sendo
tangido a oferecer a uma platéia
dos supostos operadores do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, sua fábrica oficial
de sonhos, um pensamento de
austeridade sem rumo, dizendo
que o seu plano de metas são as
metas inflacionárias. Nunca a
confusão entre sombras e sonho
foi tão grande. Inflação não é,
nem nunca foi, meta política. País
nenhum trabalha em função de
meta inflacionária. Inflação baixa não é sonho, é ferramenta ou
instrumento, sendo que, às vezes
-como no caso JK-, abandonou-se parcialmente aquela ferramenta para financiar e atingir o
sonho.
Aqui não se trata disso. O equívoco é maior. Juscelino sacrificou
o combate à inflação para alcançar seu Plano de Metas. No Brasil
sem projeto, a inflação zero se tornou a meta. Enquanto isso, o Brasil sonhador que meta sua viola
no saco, porque o seu líder parece
confundir credibilidade com conformismo. Nenhuma credibilidade será alcançada ou aprimorada
só porque o Brasil repete as fórmulas monetárias da moda. Cada
país precisa pensar sua realidade,
sua moeda, seu padrão monetário-fiscal em função dos seus grandes objetivos: crescer, progredir,
avançar.
FHC não conseguiu avançar
muito na meta de crescimento.
Aliás, nunca houve meta de crescer no seu período. Portanto uma
revisão da ferramenta das tais
"metas inflacionárias" se impõe.
Mas, em benefício de uma suposta
credibilidade, o novo governo enveredou na mera repetição do
passado recente. O resultado da
cópia tem sido pior do que o original.
A equivocada aplicação de conceitos supostamente ortodoxos na
política monetária está gerando
resultados heterodoxos. A credibilidade do presidente está, sim, na
força de sua personalidade, na legitimidade dos votos que o puseram lá e na força do seu sonho
pessoal, capaz de empurrar o país
para crescer, crescer e crescer. Essa
deveria ser a preocupação e a obsessão dos seus colaboradores,
num esforço diário de usar todo
ferramental disponível para desobstruir a realidade que empaca
a produção e destrói o sonho.
Mas não. Ensinam ao presidente que sonhar é feio, que sonhar é
perigoso. Bom mesmo seria conseguir crescer com juro alto e com as
imensas transferências de renda
dos que não têm para os que já
têm bastante (veja quadro acima). Infelizmente, essa fórmula
de conciliação com a falsa ortodoxia não existe. Para crescer, e sustentadamente, só adianta fazer a
coisa certa. E isso exige criatividade, coragem e, sobretudo, ponto
de chegada, objetivo, sonho. Um
plano de metas, para pensar,
anunciar e fazer-se cumprir.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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