São Paulo, terça, 17 de março de 1998

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ARTIGO
Entreguismo neoliberal

JOSÉ CONRADO DE SOUZA
O atual Congresso, formado em sua maioria por neoliberais, aprovou a flexibilização do monopólio do petróleo da União, porque, segundo eles, os preços cairiam e seriam gerados novos empregos. Para evitar reações da sociedade, difundiram seus chavões: "o mundo mudou", "caiu o muro de Berlim", "o monopólio não é da Petrobrás, é da União", "a Petrobrás não tem recursos para investir no petróleo brasileiro".
Deixando de lado esses sofismas neoliberais, vejamos os fatos.
O monopólio do petróleo sempre foi da União. É do Estado brasileiro. Ele é seu. É do cidadão. É de 160 milhões de brasileiros. É nosso, de nossos filhos, de nossos netos. Temos a obrigação de deixar para eles um país rico e não uma terra saqueada.
Agora, quem é a Petrobrás? A Petrobrás é a empresa que foi criada para executar o monopólio do petróleo da União.
E os objetivos desse monopólio foram alcançados?
Com toda a certeza, podemos dizer que sim. A Petrobrás recolhe aos cofres do governo US$ 6 bilhões/ano em impostos e outro tanto na forma de dividendos -que não voltam, uma vez que os US$ 80 bilhões investidos por ela no desenvolvimento do petróleo brasileiro foram oriundos da parcela que recebe dos preços dos combustíveis.
Assim, a Petrobrás construiu 11 refinarias, dez grandes terminais marítimos, vários terminais terrestres, centenas de quilômetros de oleodutos, a segunda maior frota de petroleiros do mundo. Descobriu 15 bilhões de barris de reservas petrolíferas e, nos seus 43 anos, sempre vendeu combustíveis a preços inferiores aos praticados por refinadores estrangeiros, propiciando uma economia de divisas de US$ 200 bilhões.
A revista "Petroleum Intelligence Weekly", editada nos EUA, avaliando vários parâmetros (número de empregados, faturamento, aumento das reservas, capacidade de refino etc.), desde 1987 vem considerando a Petrobrás como a empresa de petróleo que mais cresce no mundo.
Não há dúvida: a Petrobrás dispõe de técnicos dotados de notória competência e é respeitadíssima no contexto internacional.
Nesse ponto, eu indagaria: você escolheria um pedreiro para presidir um hospital? Ou um mecânico para reitor de uma universidade? É claro que não! O hospital e a universidade fracassariam.
No entanto, FHC nomeou o genro e outros apadrinhados do poder para gerir a Agência Nacional de Petróleo -todos desconhecendo o que vem a ser uma refinaria, um poço de petróleo...
O objetivo dos neoliberais é destruir a Petrobrás. O ministro Sérgio Motta acusou a empresa de importar US$ 9 bilhões em petróleo. Por isso, a empresa deve ser desossada -osso a osso. Ou seja, "privatizada". Vejamos os fatos.
Os EUA consomem 16 milhões de barris de petróleo/dia. Nos últimos cinco anos, o preço médio, no mercado internacional, foi de US$ 22/barril. Os EUA importam 9,6 milhões de barris/dia (60% da demanda) -US$ 77 bilhões/ano.
Porém, se considerarmos o custo despendido para manter no Golfo Pérsico o formidável aparato bélico, o preço do petróleo importado pelos EUA subiria para US$ 90/barril e o custo anual seria de US$ 315 bilhões.
No entanto, o governo norte-americano parece convencido de que essa é a mais correta decisão, porque preserva as reservas de petróleo dos EUA para as gerações futuras de norte-americanos.
No Brasil, os neoliberais pensam o oposto. O genro de FHC, em seu discurso de posse, entre outras sandices, afirmou: "Nos últimos 40 anos, a Petrobrás esteve incumbida de explorar as 29 bacias sedimentares conhecidas no país. Nenhuma outra empresa do mundo jamais teve sob sua responsabilidade uma área tão grande a explorar".
Na verdade, o governo criou o monopólio do petróleo da União em 1954. Por outro lado, a descoberta de petróleo no mundo ocorreu em 1859.
Portanto, as 29 bacias mencionadas pelo genro de FHC estiveram à disposição de qualquer empresa durante 95 anos (1859 a 1954). A única conclusão a que chegaram foi a de que no Brasil não havia petróleo, gerando o espetacular movimento "O petróleo é nosso", que transformou a Petrobrás em uma das maiores empresas do setor no mundo.
Agora, descoberta a riqueza, o genro de FHC, sob a alegação de atrair o capital multinacional, afirmou: "O petróleo não é mais nosso. É vosso".
Porém algumas perguntas precisam de respostas urgentes. De quem será o petróleo descoberto pelo capital multinacional? Das empresas multinacionais? O que poderão fazer com o petróleo brasileiro? Vender para a Petrobrás ou exportar?
A que preço? Ao preço pelo qual a Petrobrás é remunerada (US$ 10/barril)? Ou será ao preço do mercado internacional (US$ 22/barril, preço médio dos últimos cinco anos)? Quem embolsará a diferença (US$ 22 - US$ 10)? As multinacionais? A ANP? Quem? Isso é livre mercado ou negociata?


José Conrado de Souza, 51, é engenheiro do Departamento de Abastecimento da Petrobrás e diretor de comunicações da Associação dos Engenheiros da Petrobrás.



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