São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Macroeconomia torta

LUCIANO COUTINHO

Reitera-se a impressão de que a política macroeconômica não tem compromisso claro com o robustecimento da posição externa. Por sorte, o cenário mundial continua favorável (isto é, termos de troca vantajosos, demanda externa firme) e isso mascara os riscos da apreciação da taxa de câmbio. De fato, nestes primeiros meses de 2005, as exportações (inclusive de manufaturados) cresceram em ritmo acelerado (de 25% ao ano). Os preços extraordinariamente altos da maior parte das commodities explicam parte da história. Quanto aos manufaturados, o bom desempenho é reflexo de planos de exportação e de contratos decididos em 2003 e no primeiro semestre de 2004. Em muitos casos (notadamente no setor automobilístico), os programas de exportação envolvem entregas de bens não só em 2005 mas também em 2006. Por isso a inércia é favorável.
A significativa apreciação da taxa cambial nos últimos seis meses (desde que o BC resolveu puxar a taxa real de juros para mais de 11% ao ano, provocando irresistíveis operações de arbitragem) já impõe efeitos negativos sobre algumas cadeias. Os exemplos mais gritantes são sobre a de couro-calçados e a de têxteis-vestuário. A queda de rentabilidade da atividade exportadora é geral (com exceções devidas a preços altos decorrentes da reaceleração do crescimento chinês). Diante do risco de redução dos investimentos em nova capacidade exportadora, a pergunta relevante é esta: por mais quanto tempo o BC admitirá a apreciação do real?
Depois de ter praticado intervenções em escala considerável nos meses de janeiro e fevereiro (acúmulo de reservas e redução de dívida em dólares) o BC aparentemente cessou de atuar. Sem dúvida, não é sensato atiçar o mercado em momentos de turbulência, mas o BC veio assistindo passivamente ao derretimento da taxa de câmbio nas últimas semanas. A prudência recomenda superávit comercial alto e reforço continuado das reservas por duas razões: a) se vier um desarranjo global (crise do dólar, subida dos juros e inflação nos EUA, desaceleração do crescimento mundial) será imprescindível ter munição para moderar um inevitável repique de depreciação cambial; b) se esse provável desarranjo for postergado pela coordenação ou pela sorte, teremos acelerado as condições para a obtenção de "investiment grade". Sem considerar esses bônus, alguns acadêmicos obstarão que o custo fiscal da acumulação de reservas é alto. Curiosamente, absolvem o tremendo ônus fiscal que vem sendo imposto à sociedade por uma taxa Selic real superior a 12% ao ano e que resulta de uma calibragem tecnicamente discutível do sistema de metas de inflação.
A nossa política macroeconômica continua enviesada: a política monetária exagera na dose, onera pesadamente a política fiscal e compromete o pleno robustecimento da posição externa.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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