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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Macroeconomia torta
LUCIANO COUTINHO
Reitera-se a impressão de
que a política macroeconômica não tem compromisso claro
com o robustecimento da posição
externa. Por sorte, o cenário mundial continua favorável (isto é, termos de troca vantajosos, demanda externa firme) e isso mascara
os riscos da apreciação da taxa de
câmbio. De fato, nestes primeiros
meses de 2005, as exportações (inclusive de manufaturados) cresceram em ritmo acelerado (de 25%
ao ano). Os preços extraordinariamente altos da maior parte das
commodities explicam parte da
história. Quanto aos manufaturados, o bom desempenho é reflexo
de planos de exportação e de contratos decididos em 2003 e no primeiro semestre de 2004. Em muitos casos (notadamente no setor
automobilístico), os programas de
exportação envolvem entregas de
bens não só em 2005 mas também
em 2006. Por isso a inércia é favorável.
A significativa apreciação da taxa cambial nos últimos seis meses
(desde que o BC resolveu puxar a
taxa real de juros para mais de
11% ao ano, provocando irresistíveis operações de arbitragem) já
impõe efeitos negativos sobre algumas cadeias. Os exemplos mais
gritantes são sobre a de couro-calçados e a de têxteis-vestuário. A
queda de rentabilidade da atividade exportadora é geral (com exceções devidas a preços altos decorrentes da reaceleração do crescimento chinês). Diante do risco
de redução dos investimentos em
nova capacidade exportadora, a
pergunta relevante é esta: por
mais quanto tempo o BC admitirá
a apreciação do real?
Depois de ter praticado intervenções em escala considerável
nos meses de janeiro e fevereiro
(acúmulo de reservas e redução de
dívida em dólares) o BC aparentemente cessou de atuar. Sem dúvida, não é sensato atiçar o mercado
em momentos de turbulência,
mas o BC veio assistindo passivamente ao derretimento da taxa de
câmbio nas últimas semanas. A
prudência recomenda superávit
comercial alto e reforço continuado das reservas por duas razões: a)
se vier um desarranjo global (crise
do dólar, subida dos juros e inflação nos EUA, desaceleração do
crescimento mundial) será imprescindível ter munição para
moderar um inevitável repique de
depreciação cambial; b) se esse
provável desarranjo for postergado pela coordenação ou pela sorte,
teremos acelerado as condições
para a obtenção de "investiment
grade". Sem considerar esses bônus, alguns acadêmicos obstarão
que o custo fiscal da acumulação
de reservas é alto. Curiosamente,
absolvem o tremendo ônus fiscal
que vem sendo imposto à sociedade por uma taxa Selic real superior a 12% ao ano e que resulta de
uma calibragem tecnicamente
discutível do sistema de metas de
inflação.
A nossa política macroeconômica continua enviesada: a política
monetária exagera na dose, onera
pesadamente a política fiscal e
compromete o pleno robustecimento da posição externa.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1985-88).
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