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ENTREVISTA FABIO GIAMBIAGI
Previdência e demografia criam "bomba relógio" no país
Em novo livro, economista defende reforma para que envelhecimento da população não torne insustentáveis as contas públicas no futuro
Rafael Andrade - 1º out.09/Folha Imagem
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Fabio Giambiagi, chefe do Departamento de Risco de Mercado do
BNDES e ex-integrante do Ipea
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista Fabio Giambiagi é um incansável defensor
de mudanças nas regras da Previdência Social no Brasil.
Seu mais novo livro, "Demografia - A Ameaça Invisível", escrito em parceria com Paulo
Tafner, pesquisador do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), joga luz sobre o
envelhecimento da população
no Brasil e os desafios que isso
impõe à sustentabilidade das
contas públicas.
A obra defende, entre outras
coisas, que benefícios assistenciais sejam diferenciados dos
previdenciários e que o salário
mínimo deixe de indexar os pagamentos da Previdência
-mudanças impopulares e que
requerem alterações constitucionais. Giambiagi, ex-professor da UFRJ e da PUC-Rio, ex-membro do Ipea e hoje chefe do
Departamento de Risco de
Mercado do BNDES, é autor de
mais de dez livros sobre economia. Leia entrevista à Folha.
FOLHA - "Demografia - A Ameaça
Invisível" pressupõe a existência de
uma bomba demográfica que vai
estourar, deixando a conta para as
futuras gerações. Qual o risco?
FÁBIO GIAMBIAGI
- A essência do
problema é essa progressiva
mudança demográfica. No ano
2000, o número de pessoas
com 60 anos ou mais era de 14
milhões de pessoas, enquanto o
número de jovens, entre zero e
14 anos, era de 51 milhões.
O perfil apontado pelo IBGE
para 2050 é que a população jovem irá diminuir em termos
absolutos de 51 para 28 milhões
de pessoas. Já a população idosa de 60 anos ou mais vai aumentar de 14 para 64 milhões.
Em 2050 teremos mais de
três vezes o número de idosos,
em termos absolutos, por população economicamente ativa
do que hoje. Esse é o desafio. E
é uma característica universal.
O envelhecimento demográfico é algo que se repete em todos
os países. No caso brasileiro ele
é, de certa forma, mais acentuado, pois os outros países já estão no meio desse processo, ao
passo que, no Brasil, ele está
apenas se iniciando.
FOLHA - Mesmo assim, parece não
haver um reconhecimento do problema, que exigiria reforma no sistema previdenciário. Qual a razão
dessa inação?
GIAMBIAGI
- Há um paralelo natural que se pode estabelecer
entre a questão demográfica e a
questão ambiental. Em ambos
os casos, lidamos com um fenômeno de longo prazo, em que o
país e o mundo são praticamente os mesmos de um dia
para o outro. Mas são dramaticamente diferentes quando se
coloca a questão em uma perspectiva de 50 anos.
O segundo paralelo é que os
custos de se dar uma guinada
no leme, de mudar o rumo do
país, são de curto prazo e muito
evidentes. Ao passo que os benefícios são de longo prazo e,
em geral, pouco palpáveis.
Mas o custo da inação hoje
vai aparecer lá na frente. Há
uma frase do Al Gore (ex-vice-presidente dos EUA) no documentário "Uma Verdade Inconveniente (sobre o aquecimento global)": "Um dia nossos
filhos olharão para nós e dirão:
"Mas onde é que vocês estavam
quando isso estava acontecendo? Será que ninguém percebeu o que estava ocorrendo
bem na frente de todos?" Isso
vale para a questão ambiental e
para a demográfica.
FOLHA - Os grandes números de
um país, e isso também vale para a
Previdência, são calculados como
proporção de seu PIB (Produto Interno Bruto). Se o Brasil crescer mais rapidamente daqui em diante, esses
problemas não estarão atenuados?
GIAMBIAGI
- O crescimento atenua tudo, obviamente. Se o país
crescer 2,5% como crescemos
durante duas décadas no passado, vai ser muito difícil equacionar o problema demográfico. Por outro lado, se o crescimento for de 5% ao ano, será,
evidentemente, mais fácil. Mas
não há garantias de que o país
estará em condições de crescer
5% ao ano nos próximos 30
anos. A resposta a isso vamos
saber daqui a 30 anos.
A questão é que, com uma reforma na Previdência, haveria
maiores condições de termos
mais espaço no gasto público
para um aumento do investimento estatal, que é um ingrediente fundamental para alavancar o crescimento futuro.
Mas, se a população idosa
crescer 4% ao ano, que é a estimativa para os próximos 15, 20
anos, e a economia crescer também 4% ao ano, ficam elas por
elas. E o tamanho da conta vai
ser similar ao atual.
Se a economia crescer menos, como o número de idosos
vai crescer em torno de 4%, a
conta vai aumentar. Hoje, na
verdade, há toda uma tendência de que a economia cresça
mais de 4%. Mas estamos longe
de ter segurança de que esse cenário será mantido por 20 ou
30 anos, especialmente em um
contexto em que vamos mudar
a composição da população
economicamente ativa.
FOLHA - O sr. já escreveu outras
obras sobre esse tema e publica textos em vários jornais. Mas parece
que ninguém lhe dá ouvidos...
GIAMBIAGI
- Já tenho 18 anos,
com alguma intermitência, de
participação nos debates ligados ao tema. Nos debates por aí,
as pessoas entendem a natureza da questão. Podem não gostar do assunto, mas, em geral,
concluem que há uma questão
a ser enfrentada.
O maior elogio que eu já recebi foi, curiosamente, de um sindicalista da CUT. Depois de
apresentar essas ideias, no Fórum da Previdência em 2007,
um representante da CUT comentou, a respeito do que deveria ser feito para equacionar
o problema: "Estou impressionado com a crueldade do professor Giambiagi. Mas o que me
deixou mais preocupado é que
ele foi convincente". Pensei:
"Consegui o que queria".
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