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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O sociólogo segundo o presidente
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Entrevistado por Roberto
Pompeu de Toledo no livro
"O Presidente Segundo o
Sociólogo", Fernando Henrique Cardoso afirma, entre outras coisas, que "o
pessoal de Campinas vive
reclamando que o governo
não tem uma política industrial, mas tem... O Belluzzo, o Luciano Coutinho
e o João Manuel reclamam
porque estão com a outra
política industrial.... A da
época do desenvolvimentismo, em que a visão era
de uma economia fechada,
para formar o grande capitalismo nacional. O
mundo não é mais assim.
O Estado tem que ser regulamentador, mas não só.
Tem que ser indutor também."
Todos devemos ficar
mais tranquilos ao tomar
conhecimento que o nosso
presidente - sociólogo sabe exatamente quais são
os caminhos do mundo.
Um Príncipe assim favorecido pela Virtú e pela Fortuna tem todo o direito de
tratar com desdém as opiniões infundadas. Incapazes de antecipar o futuro,
alguns mortais vêm sustentando, sem qualquer
base, que as políticas do
governo promovem a desindustrialização e, de
quebra, a transferência
das empresas nacionais
para o controle estrangeiro. Há que contemplar esses fenômenos para além
das aparências, com otimismo e sobranceria,
apostando na destruição
criativa. Breve, daquilo
que parece escombros ao
olhar do homem comum
surgirá uma indústria
competitiva e pujante, coisa do Primeiro Mundo.
Reconheço que, diante
dessa grandiosa Visão do
Paraíso, é injusto ocupar a
sabedoria e a clarividência
do presidente com as nossas idéias, tão mofinas
quanto decadentes. Ainda
assim, ouso recorrer humildemente à sua paciência e boa vontade para
reapresentar as notas que
escrevemos, já há algum
tempo, sobre o tema, Luciano Coutinho e eu.
Quanto ao professor João
Manuel, dedica-se, neste
momento, ao estudo da
obra de Gilberto Freyre,
sabidamente o segundo
maior sociólogo brasileiro.
A controvérsia infindável sobre as relações entre
Estado e mercado nas economias contemporâneas
tem produzido mais fumaça do que fogo. Há quem
tome decididamente o partido do Estado mínimo,
posição cara aos liberais.
Nessa versão radical do liberalismo, o Estado deve
se restringir, no campo
econômico, à garantia das
condições de estabilidade,
a desobstruir os entraves à
livre concorrência e a remover pontos de estrangulamento na infra-estrutura, danoso à competitividade.
No âmbito das políticas
ativas, reza o credo do moderno liberalismo, o Estado deve se circunscrever à
oferta dos bens públicos,
como Justiça e Segurança,
além de prover apoio seletivo a grupos sociais fragilizados, evitando universalizar benefícios, particularmente nas áreas de Saúde e Previdência.
O falso dilema Estado
versus mercado omite, de
partida, o fato óbvio de
que a existência e o bom
funcionamento dos mercados requerem a criação de
normas e instituições que
disciplinem as relações
econômicas, como ilustram à saciedade as tentativas desastrosas de transição das economias de comando para o sistema de
mercado. Em segundo lugar, a política econômica,
ao estabelecer regimes monetários, fiscais e cambiais
e ao regular o mercado de
trabalho, cria o ambiente e
um sistema de sinais destinados a orientar as decisões privadas.
O debate relevante busca
definir a melhor forma de
articular Estado e mercado, reconhecendo a existência de falhas tanto do
mercado quanto da ação
governamental. Não se
trata apenas de minimizar
falhas, mas de reconhecer
que certos processos econômicos ganham maior eficiência na presença de
coordenação e cooperação
entre atores.
É bastante reconhecida a
necessidade da intervenção do Estado em processos que envolvam externalidades positivas e negativas, informação assimétrica, incerteza, risco elevado
e concentração do poder
econômico. Entre as externalidades negativas o
exemplo mais conspícuo é
o dos danos causados ao
meio ambiente. Entre as
externalidades positivas
estão a construção de infra-estruturas e outros
bens públicos, como a geração de conhecimento
científico e tecnológico.
A existência de assimetria de informação afeta
particularmente os mercados de crédito, de capitais
e o mercado de câmbio,
podendo dar origem não
só à alocação ineficiente
de crédito e à marginalização de pequenas empresas,
bem como ensejar episódios especulativos. A incerteza, por sua vez, além de
provocar volatilidade recorrente nos mercados financeiros e de capitais,
tem, por isso mesmo, efeitos adversos sobre o investimento produtivo, sobretudo aquele que envolve
inovação. O risco elevado
inibe operações de longo
prazo de maturação. Em
princípio, tais "falhas de
mercado" até agora mencionadas recomendariam
apenas a adoção de políticas "horizontais" e minimalistas.
As condições de concorrência nas áreas mais dinâmicas da moderna economia industrial vem impondo, no entanto, intervenções estratégicas e concebidas de forma a abranger cadeias industriais inteiras. A omissão fundamental da abordagem que
sublinha apenas a existência de "falhas de mercado"
diz respeito ao processo de
criação de vantagens competitivas, construídas pelas
empresas em suas relações
com fornecedores e clientes. O novo paradigma industrial vem acentuando
sobremaneira a importância dessas vantagens. Entre elas devemos destacar:
a) processos cumulativos
de aprendizado no desenvolvimento de produtos; b)
economias de escala dinâmicas (ganhos de volume
associados ao tempo e ao
aprendizado); c) estruturação de redes eletrônicas
de intercâmbio de dados
que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de
agregação de valor (economia de capital de giro
-sobretudo redução de
estoques, de custos de
transporte e de armazenagem); d) novas economias
de aglomeração (centros
de compras e de assistência técnica, formação de
pólos de conhecimentos
técnicos e gerenciais); e)
economias derivadas da
cooperação tecnológica e
do co-desenvolvimento de
produtos e processos.
A literatura relevante na
área de estratégias empresariais (Porter, Drucker)
ou no âmbito da economia
industrial (Dosi, Freemann, Arcangeli,
Zysmann, Tyson, Malerba) reconhece o caráter decisivo desses processos e,
sem exceção, observa que
chegam a configurar um
padrão de concorrência
radicalmente distinto do
paradigma anterior. Esse
último era baseado em
produção padronizada,
tecnologia codificada, escalas rígidas, aversão à
cooperação. Os autores,
em sua maioria, assinalam
que a coordenação do Estado foi muito importante
para acelerar a mudança
de paradigmas, particularmente nas economias que
atravessam um processo de
industrialização rápida.
A nova concepção de políticas industriais ou de
competitividade coloca,
portanto, no centro das
preocupações a indução
daquelas sinergias baseadas no conhecimento e na
capacidade de resposta à
informação. O novo papel
do Estado deve estar concentrado na indução da
cooperação, na coordenação dos atores e na redução da incerteza. Sua tarefa não é a de "escolher vencedores", mas a de criar
condições para que os vencedores apareçam.
Reconhecendo que a
configuração dos setores
(cadeias ou complexos) é
heterogênea, os Estados
nacionais, nos países desenvolvidos, têm buscado
combinar os instrumentos
clássicos de fomento de
acordo com as peculiaridades setoriais. A idéia é
aplicar de maneira seletiva e "enfocada" os instrumentos tributários, creditícios, de proteção tarifária e de incentivo à P&D, à
exportação e à formação
de recursos humanos. Essas, aliás, foram as conclusões de alentado relatório
da conservadora OCDE a
respeito das políticas e
subsídios industriais nos
países desenvolvidos.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 55, é professor titular de Economia da Unicamp
(Universidade de Campinas). Foi chefe
da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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