São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

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INTEGRAÇÃO REGIONAL

Para sair da crise atual, bloco depende mais de Bush do que de FHC e De la Rúa, dizem especialistas

Mercosul faz cúpula ameaçado pela Alca

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O Mercosul chega à sua 20ª reunião de cúpula, a partir do dia 21, em Assunção (Paraguai), mergulhado na sua mais séria crise e, paradoxalmente, dependendo para sair ou não dela mais de George Bush, o presidente norte-americano, do que dos dois principais líderes do bloco -Fernando Henrique Cardoso e Fernando de la Rúa.
É essa pelo menos a avaliação de cinco especialistas ouvidos pela Folha, de cinco instituições diferentes, instaladas em quatro países.
O paradoxo é assim exposto por Moisés Naím, ex-ministro venezuelano de Planejamento, hoje especialista em América Latina do Instituto Carnegie para a Paz Mundial (Washington) e editor-chefe da revista quadrimestral "Foreign Policy".
"Se Bush fizer aos líderes uma oferta irrecusável, cabe esperar que pelo menos a Argentina vá preferi-la à integração com o Brasil".
É uma alusão ao interesse norte-americano de cooptar cada um dos países americanos para aderir à Alca (Área de Livre Comércio das Américas), prioridade da política comercial dos Estados Unidos, em vez de negociar com um bloco como o Mercosul (integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

Argentina tem de crescer
A tese é reforçada por um dos maiores "latino-americanistas", o historiador britânico Kenneth Maxwell, do Council on Foreign Relations de Nova York, talvez o principal instituto de pesquisas sobre política internacional do planeta.
Maxwell lembra que a troca da dívida de curto prazo por papéis de prazo mais longo, feita pela Argentina recentemente, "deu ao ministro da Economia, Domingo Cavallo, um tempo para respirar, mas a um custo alto e um prazo curto. Agora, ele tem que produzir crescimento econômico rapidamente".
Completa Maxwell: "A questão então é como pode a economia argentina crescer mais rápida e eficazmente -se no contexto sub-regional como o do Mercosul ou por meio de um acordo acelerado de algum tipo com o Nafta para acesso ao mercado norte-americano e potencialmente aos mercados europeus".
O historiador aposta na segunda hipótese: "Com o crescimento brasileiro desacelerando, o governo Fernando Henrique Cardoso paralisado e um calendário eleitoral [para 2002" pressionando, parece improvável que o Brasil esteja em condições de perseguir uma política comercial clara antes da próxima eleição presidencial. Por isso, vejo a Argentina se mexendo, crescente e agressivamente, em direção a uma agenda mais unilateral. Se o Mercosul atrapalhar o sucesso dessa mexida, será descartado", fecha o teorema de Maxwell.

Projeto estratégico
Um pouco na mesma direção vai Juan Manuel Ramírez Cendrero, da Universidade Complutense de Madri, ao dizer que, "se Washington decidir aprofundar a Alca, esta se tornará o projeto estratégico, o que fará o Mercosul perder entusiastas, sobretudo na Argentina".
Mesmo um pesquisador que critica a eventual opção argentina pela Alca admite que ela "é uma atração para os parceiros do Brasil, porque parece oferecer acesso maior a um mercado muito atrativo (o dos Estados Unidos)", como diz Mahrukh Doctor, pesquisador de Economia Política Internacional do Centro para Estudos Brasileiros da Universidade britânica de Oxford.
Doctor, no entanto, adverte: "Os responsáveis pela política argentina devem ter consciência de que seus bens mais competitivos não são complementares, mas competem com os produtos norte-americanos, e que o mercado brasileiro oferece mais oportunidades de complementação".

Pode desmoronar
Fecha o círculo o brasileiro Gilberto Dupas, diretor-geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP (Universidade de São Paulo): "Se o processo da Alca avançar rapidamente, aí o Mercosul desmorona, porque a Argentina não terá condições de sustentar uma aliança (com o Brasil) que traz desconforto aos Estados Unidos".
Para Dupas, a dúvida remanescente é saber se a Alca avançará ou não rapidamente, o que depende muito mais de questões internas norte-americanas, cujo Congresso, refletindo a própria sociedade, está dividido a respeito das vantagens do livre comércio.
Ou, para voltar ao paradoxo exposto por Moisés Naím, a perspectiva de o Mercosul desmoronar ou não está de fato mais nas mãos de George Bush e de sua capacidade de "vender" a Alca ao público interno do que dos dois Fernandos que presidem Brasil e Argentina.
Se o presidente norte-americano conseguir acelerar a Alca será a materialização dos piores pesadelos do governo brasileiro, que teme ver o Mercosul abandonado por todos os seus parceiros, sepultando a prioridade um da diplomacia brasileira.
Esse pesadelo pode não estar na agenda formal da cúpula de Assunção, mas certamente assombrará o luxuoso Hotel Yatch y Golf Club, que hospedará o encontro do Mercosul.



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