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INTEGRAÇÃO REGIONAL
Para sair da crise atual, bloco depende mais de Bush do que de FHC e De la Rúa, dizem especialistas
Mercosul faz cúpula ameaçado pela Alca
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O Mercosul chega à sua 20ª reunião de cúpula, a partir do dia 21,
em Assunção (Paraguai), mergulhado na sua mais séria crise e, paradoxalmente, dependendo para
sair ou não dela mais de George
Bush, o presidente norte-americano, do que dos dois principais
líderes do bloco -Fernando Henrique Cardoso e Fernando de la
Rúa.
É essa pelo menos a avaliação de
cinco especialistas ouvidos pela
Folha, de cinco instituições diferentes, instaladas em quatro países.
O paradoxo é assim exposto por
Moisés Naím, ex-ministro venezuelano de Planejamento, hoje especialista em América Latina do
Instituto Carnegie para a Paz
Mundial (Washington) e editor-chefe da revista quadrimestral
"Foreign Policy".
"Se Bush fizer aos líderes uma
oferta irrecusável, cabe esperar
que pelo menos a Argentina vá
preferi-la à integração com o Brasil".
É uma alusão ao interesse norte-americano de cooptar cada um
dos países americanos para aderir
à Alca (Área de Livre Comércio
das Américas), prioridade da política comercial dos Estados Unidos, em vez de negociar com um
bloco como o Mercosul (integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).
Argentina tem de crescer
A tese é reforçada por um dos
maiores "latino-americanistas", o
historiador britânico Kenneth
Maxwell, do Council on Foreign
Relations de Nova York, talvez o
principal instituto de pesquisas
sobre política internacional do
planeta.
Maxwell lembra que a troca da
dívida de curto prazo por papéis
de prazo mais longo, feita pela Argentina recentemente, "deu ao
ministro da Economia, Domingo
Cavallo, um tempo para respirar,
mas a um custo alto e um prazo
curto. Agora, ele tem que produzir crescimento econômico rapidamente".
Completa Maxwell: "A questão
então é como pode a economia
argentina crescer mais rápida e
eficazmente -se no contexto
sub-regional como o do Mercosul
ou por meio de um acordo acelerado de algum tipo com o Nafta
para acesso ao mercado norte-americano e potencialmente aos
mercados europeus".
O historiador aposta na segunda hipótese: "Com o crescimento
brasileiro desacelerando, o governo Fernando Henrique Cardoso
paralisado e um calendário eleitoral [para 2002" pressionando, parece improvável que o Brasil esteja em condições de perseguir uma
política comercial clara antes da
próxima eleição presidencial. Por
isso, vejo a Argentina se mexendo, crescente e agressivamente,
em direção a uma agenda mais
unilateral. Se o Mercosul atrapalhar o sucesso dessa mexida, será
descartado", fecha o teorema de
Maxwell.
Projeto estratégico
Um pouco na mesma direção
vai Juan Manuel Ramírez Cendrero, da Universidade Complutense
de Madri, ao dizer que, "se Washington decidir aprofundar a Alca, esta se tornará o projeto estratégico, o que fará o Mercosul perder entusiastas, sobretudo na Argentina".
Mesmo um pesquisador que
critica a eventual opção argentina
pela Alca admite que ela "é uma
atração para os parceiros do Brasil, porque parece oferecer acesso
maior a um mercado muito atrativo (o dos Estados Unidos)", como diz Mahrukh Doctor, pesquisador de Economia Política Internacional do Centro para Estudos
Brasileiros da Universidade britânica de Oxford.
Doctor, no entanto, adverte:
"Os responsáveis pela política argentina devem ter consciência de
que seus bens mais competitivos
não são complementares, mas
competem com os produtos norte-americanos, e que o mercado
brasileiro oferece mais oportunidades de complementação".
Pode desmoronar
Fecha o círculo o brasileiro Gilberto Dupas, diretor-geral do
Grupo de Análise da Conjuntura
Internacional da USP (Universidade de São Paulo): "Se o processo da Alca avançar rapidamente,
aí o Mercosul desmorona, porque
a Argentina não terá condições de
sustentar uma aliança (com o
Brasil) que traz desconforto aos
Estados Unidos".
Para Dupas, a dúvida remanescente é saber se a Alca avançará
ou não rapidamente, o que depende muito mais de questões internas norte-americanas, cujo
Congresso, refletindo a própria
sociedade, está dividido a respeito
das vantagens do livre comércio.
Ou, para voltar ao paradoxo exposto por Moisés Naím, a perspectiva de o Mercosul desmoronar ou não está de fato mais nas
mãos de George Bush e de sua capacidade de "vender" a Alca ao
público interno do que dos dois
Fernandos que presidem Brasil e
Argentina.
Se o presidente norte-americano conseguir acelerar a Alca será a
materialização dos piores pesadelos do governo brasileiro, que teme ver o Mercosul abandonado
por todos os seus parceiros, sepultando a prioridade um da diplomacia brasileira.
Esse pesadelo pode não estar na
agenda formal da cúpula de Assunção, mas certamente assombrará o luxuoso Hotel Yatch y
Golf Club, que hospedará o encontro do Mercosul.
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