São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Vai, Robinho!

A livre mobilidade do trabalho traria ganhos, representaria política de combate à pobreza eficiente

IMAGINE a Copa do Mundo sem circulação de mão-de-obra. O Japão sem Zico, Portugal sem Scolari, a Alemanha sem Klose e a Itália sem Camoranesi, entre outros exemplos. É impossível pensar o futebol atual sem mobilidade de trabalho. No entanto, é assim que funciona a economia mundial em prejuízo do desenvolvimento.
A globalização não é tão global assim. Há muita mobilidade de capital, alguma circulação de mercadorias e toda sorte de restrições à liberdade de ir e vir dos trabalhadores.
Segundo relatório das Nações Unidas, haveria 191 milhões de imigrantes no mundo. O número verdadeiro incluindo os ilegais é um múltiplo disso. Supondo que seja o dobro, o total de imigrantes ainda representaria parcela reduzida de uma população global de cerca de 6,4 bilhões de pessoas (6%).
A livre mobilidade do trabalho traria inúmeros ganhos. Representaria política de combate à pobreza eficiente. Beneficiaria mais que proporcionalmente os pobres e ao mesmo tempo faria o produto mundial crescer. Premiaria aqueles que gostam de trabalhar e empreender, e não apenas receber uma mesada do pai-Estado.
Uma estratégia de direcionar o movimento dos trabalhadores para o desenvolvimento ajudaria em vários aspectos. Em primeiro lugar, cria-se fluxo estável de remessas para os países de origem. Isso melhora o desempenho externo sem a volatilidade de outros itens, como o capital de curto prazo.
Em segundo lugar, essa poupança pode ser transformada em investimentos no país de origem. Algumas pesquisas sugerem que a poupança do trabalhador imigrante é freqüentemente utilizada em empreendimentos a serem desenvolvidos por ocasião de seu retorno. Seria racional direcioná-la para projetos de empreendedorismo, sobretudo em regiões mais pobres.
Em terceiro lugar, os movimentos migratórios geram impactos óbvios sobre determinados setores. O turismo e as telecomunicações tendem a ser beneficiados. A maioria dos nova-iorquinos ainda ignora essa tal Copa do Mundo. Mas o motorista de táxi que emigrou de Gana é capaz de passar horas ao telefone com seu cunhado, discutindo os detalhes do jogo se seu país contra a Itália. Isso tudo a um preço que equivale a uma ligação local de há apenas 20 anos atrás.
No passado, a relação do imigrante com seu país de origem era esporádica. Na atualidade, graças à tecnologia, os laços não precisam ser rompidos. Pelo contrário, devem ser estreitados!
Em quarto lugar, desde a Antigüidade a movimentação do homem pelo planeta é instrumento poderoso de transferência de tecnologia. Continua a ser assim. Esta coluna aderiu ao movimento "Fica, Robinho!" no passado. Mas é inegável que Robinho amadureceu em um mercado mais organizado e profissionalizado como o do futebol europeu. Essa noção simples de que a emigração de trabalhadores qualificados não é necessariamente negativa está desenvolvida em livro recente de Devesh Kapur e John McHale.
Não adianta impedir os grandes talentos de se deslocar pelo mundo.
Em vez disso, é preciso saber tirar proveito desse fato mediante cooperação e parcerias estratégicas. Há muito menos colaboração com centros de pesquisa e inovação empresarial de países avançados do que seria necessário e possível fazer. Tampouco há estratégias de atração de quadros qualificados de países desenvolvidos. Ou mesmo de pessoal de gerência média tão escasso em países em desenvolvimento.
Em quinto lugar, o mundo desenvolvido não pode ficar sem imigração. Estima-se que, daqui a dez anos, para cada 100 trabalhadores que se aposentam nos países desenvolvidos, apenas 87 entrarão na força de trabalho. Se nada for feito, o planeta será habitado por dependentes de pensões de sistemas quebrados de previdência nos países ricos e de esmolas nos países pobres.
Em setembro, as Nações Unidas terão encontro de alto nível sobre o tema da imigração. Trata-se de assunto da maior importância para a integração econômica das Américas até hoje inexplicavelmente relegado como uma questão que interessa apenas ao México e à América Central. É hora de abandonar o besteirol Chávez-Morales e pensar seriamente em propostas sobre o assunto para a América Latina.


GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br gesner fgvsp.br


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