São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Década de 1970 perpetuou a desigualdade

DA SUCURSAL DO RIO

Se o país crescia mais do que a China em 1973, a década de 70 perpetuou a desigualdade e não avançou em educação, que poderia elevar a produtividade no longo prazo.
Um dos problemas apontados por especialistas é que o forte crescimento e a industrialização experimentados no "milagre econômico" ampliaram a oferta de trabalho qualificado sem encontrar a contrapartida em número suficiente de pessoas graduadas. Resultado: faltou gente apta, e os salários dispararam.
Na outra ponta, sobrava mão-de-obra sem qualificação e seus rendimentos subiam em proporção muito menor -surgia a equação da desigualdade.
O economista Delfim Netto refuta essa tese sob o argumento de que a distribuição de renda não melhorou nem piorou durante os anos de grande crescimento econômico. No entanto ele reconhece que os salários do topo da pirâmide social subiram. "Mas todos ganharam. A renda subiu até mesmo no primeiro decil [os mais pobres]."
"Se naquela época tivessem prestado atenção, por exemplo, no nível educacional e investido nisso, o resultado poderia ter sido bastante distinto", diz Jaques Kerstenetzky, professor de história econômica da UFRJ. Em 1973, o país rompia a barreira dos 100 milhões de habitantes com uma taxa de analfabetismo de 33% (apurada pelo Censo de 1970). Em 2006, o país ainda tinha o problema -com 10% de analfabetos entre 181 milhões de brasileiros.
A classe média, no entanto, fervilhava nos anos 70. O padrão de consumo crescia, introduzindo hábitos novos e equipamentos modernos, como a TV em cores, a máquina de lavar roupas e os grandes veículos -o "carrão" Opala era um sonho relativamente possível.
De um certo modo, esse maior acesso ao consumo, dizem especialistas, abafou a indignação com a repressão.
Perseguido pela censura a ponto de ficar dois anos proibido de fazer shows em Brasília, o cantor Ney Matogrosso, líder dos Secos & Molhados, diz que nunca ganhou tanto dinheiro como nos anos 70. "Naquela época, eu ganhava mais trabalhando o mesmo, fazendo a mesma quantidade de shows. Vendia 1 milhão de cópias. Hoje, não sei onde está essa economia maravilhosa que dizem. Não vejo o dinheiro circular. A classe média vivia melhor. Hoje, virou indigente."
Victória Grabois, cujos pai, irmão e marido morreram na guerrilha do Araguaia, em 1973, diz que, de fato, a sensação era a de situação econômica melhor, apesar de viver como "refugiada" dentro do próprio país.
"Vivia em São Paulo com documento falso. Só não morri porque voltei da guerrilha para ter meu filho. O instinto materno foi mais forte", disse.
Com sua "nova identidade", ela virou professora na rede estadual de São Paulo e, sozinha, sustentava a mãe e o filho com relativo conforto. "Foi um período horrível, mas via as pessoas comprarem eletrodomésticos, coisas para a casa. Certamente, com o salário de hoje de professor, não sustentaria uma família", diz. (PS)


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