São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2007

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Crise traz lições ao país, dizem economistas

Para Antônio Corrêa de Lacerda, dependência da exportação de commodities representa o maior risco durante a turbulência

Na opinião do americano Mark Weisbrot, BC deveria resistir a pressões para reduzir corte de juros em meio à crise

JANAÍNA LEITE
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil pode aproveitar o momento desfavorável da economia internacional para aprender uma importante lição -diversificar a lista de exportações e, assim, depender cada vez menos da venda de produtos primários, as chamadas "commodities". A avaliação é do doutor em economia pela Unicamp e professor da PUC-SP Antônio Corrêa de Lacerda. Ele lembrou que a oscilação nos mercados pode acentuar a queda no valor dessas mercadorias, o que teria grande impacto sobre a entrada e a saída de dinheiro do país.
Para Lacerda, entretanto, o cenário delineado até agora é favorável ao Brasil. Isso porque houve uma correção dos ativos muito afetados pelo excesso de dinheiro em circulação antes da crise -dólar e Bolsas.
"O mercado vai achar um novo ponto de equilíbrio e os capitais voltarão ao Brasil, até com mais qualidade, depois que a crise passar", afirmou.
A pergunta que fica no ar é se, para encontrar esse equilíbrio, o Copom (Comitê de Política Monetária) deve ceder ao comichão de reverter a tendência de baixar os juros básicos. A resposta é "não", de acordo economista Mark Weisbrot, diretor do CEPR (Center for Economic and Policy Research), entidade de pesquisas econômicas sediada em Washington.
Em entrevista à Folha, Weisbrot afirmou que adotar uma política monetária ainda mais conservadora "seria a pior decisão que o governo brasileiro poderia tomar".
"O Brasil já tem as taxas de juros reais mais altas do mundo, o que vem ferindo a economia brasileira por anos e realmente limita o crescimento e o desenvolvimento", justificou o economista. "O país precisa baixar a taxa Selic", completou.
Para Weisbrot, a alta do dólar, em decorrência dos problemas no mercado financeiro, pode ser "algo muito bom para a economia brasileira, uma vez que a sobrevalorização do real é um sério problema".
O argumento usado por ele é o mesmo sustentado pelo setor produtivo: com o real valendo muito diante do dólar, os preços dos produtos importados ficam artificialmente baratos.
Ao mesmo tempo, o valor obtido com as exportações cai, prejudicando a indústria nacional. Desde quinta-feira da semana passada, quando fundos de investimentos que aplicam no setor imobiliário dos Estados Unidos anunciaram problemas de caixa, os agentes financeiros vêm o capital escapulir de aplicações consideradas de maior risco.
O resultado é uma queda contínua nos índices das Bolsas de Valores -a Bovespa chegou a despencar 8,8% ontem- e o encarecimento do dólar no mercado interno. A moeda americana fechou com alta de 3,15%, vendida a R$ 2,09. O risco-país, por sua vez, disparou 14,5%, batendo 229 pontos.

Moeda e crédito
A economista Leda Paulani, professora da USP, concordou com Weisbrot.
"Não existe moeda forte em país periférico, o que ficou evidente nos últimos dias. O real não é o que o governo gosta de alardear", disse. "Prova disso é que o dólar caiu no mundo inteiro -menos no Brasil."
Assim, na opinião de Paulani, a alta do dólar evidencia que, ao optar por uma política de juros muito altos, o Brasil atrai capital de curto prazo. Quando há problemas lá fora, esse dinheiro sai rapidamente daqui. "É hora de botar as barbas de molho", disse ela.
A economista lembrou ainda que fuga de capitais não é algo a ser menosprezado, embora o Brasil conte hoje com uma quantia de reservas cambiais confortável em seus cofres. "Em novembro de 1998, o Brasil tinha US$ 70 bilhões em reservas. Alguns meses depois, em janeiro, esse montante tinha caído para R$ 30 bilhões", exemplificou.
A princípio, o impacto da crise sobre a economia brasileira seria sentido por meio de crédito mais exíguo para empresas brasileiras ou estrangeiras que atuam no Brasil e que se financiam no mercado internacional, segundo o economista Márcio Holland, da FGV (Fundação Getulio Vargas).
"Se você olhar o cenário americano atual, percebe que muitas empresas vão ter que requalificar seus créditos nos Estados Unidos. Isso implica reavaliação geral dos créditos, e isso tem impacto para empresas do Brasil também", afirma.
A segunda conseqüência imediata para a economia brasileira, aponta Holland, é a valorização do dólar em relação ao real, o que já vem ocorrendo.
"Os investidores estrangeiros estão saindo para cobrir prejuízos fora do país. Esse movimento de saída de dólares mexe diretamente com o câmbio, e o ambiente para a inflação fica mais incerto. Isso tem efeitos na hora de definir a taxa de juros no país", analisa. "O Banco Central pode ser mais conservador na reunião do Copom, e isso afeta crédito e conseqüentemente investimentos das empresas."
As hipóteses sobre como o mercado vai se comportar daqui para a frente são várias e, por conta disso, analistas de diferentes tendências e áreas de atuação estão unidos ao dizer que apostar em qualquer uma delas é prematuro.
"A semana ainda não acabou, temos a sexta [hoje] pra sentir o humor do mercado e o final de semana pra verificar o resultado nos livros", sintetizou o presidente da corretora Souza Barros, Carlos Souza Barros.
Algumas dessas possibilidades e suas implicações, contudo, parecem bem delineadas. Weisbrot, do CEPR, observou que a crise deverá levar a economia dos Estados Unidos a uma desaceleração -o que afetará todo o hemisfério.
Mas, na avaliação do economista, "o Brasil será menos afetado que os demais países da América Latina, uma vez que o comércio com os EUA não tem uma grande proporção".


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