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OPINIÃO ECONÔMICA
Decepção de sogra
BENJAMIN STEINBRUCH
Julia, minha sogra, teve um ataque de nacionalismo na semana passada e decidiu comprar um carro a álcool. Ela havia lido na revista "The Economist" um
artigo com o título "Driven to Alcohol", sobre um acordo assinado
entre Brasil e Alemanha, em Johannesburgo, para financiar a
produção de carros a álcool. Depois, leu uma entrevista de
Eduardo de Carvalho, presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), à
"Gazeta Mercantil", mostrando
que o álcool voltou a ser uma opção contra a ameaça atual de explosão dos preços do petróleo. Por
fim, leu que os motores a álcool já
são quase tão econômicos quantos os a gasolina.
Além de nacionalista, Julia é
um pouco mão-fechada. Com o
álcool a R$ 0,80 por litro e a gasolina a quase R$ 2, vislumbrou
uma boa oportunidade para a
economia de gastos com combustível. Ligou para uma concessionária da montadora A e foi informada de que a empresa produz
um único modelo de carro a álcool, com motor 1.8, para venda
ao público em geral. Assim mesmo, fabrica esse carro sob encomenda, o que demora pelo menos
45 dias. Só motoristas de táxi podem comprar um segundo modelo, e isso é tudo.
Minha sogra não desistiu. Imaginou que pudesse encontrar o
carro nas três outras grandes fábricas instaladas no Brasil. Ligou
então para uma concessionária
da montadora B e teve decepção
ainda maior. "Quero ser bem
franco, a fábrica não está produzindo carros a álcool por uma
questão de adaptação de sua nova linha de motores a esse combustível. Talvez saia alguma coisa
até o fim do ano. Por que a senhora não tenta falar com uma concessionária da montadora C?"
Com essa sugestão, o vendedor
encerrou a conversa.
Julia seguiu o conselho do vendedor e decepcionou-se outra vez.
Foi informado de que a fábrica da
montadora C também não fornece atualmente carros a álcool. O
funcionário da revendedora acha
que a fábrica espera alguma ação
do governo que possa ao mesmo
tempo garantir o abastecimento
estável de álcool e incentivar a
volta da produção de veículos.
Só faltava a montadora D. Julia
ligou para uma concessionária
dessa fábrica e teve uma boa surpresa. Sim, ela tinha um modelo a
álcool em linha de produção, para pronta entrega, mas tratava-se
de um carro pequeno, com motor
1.0. O modelo, um pouco melhor,
com motor 1.8, só estava disponível para taxistas.
Minha sogra deixou o nacionalismo e o conservadorismo de lado e comprou um carro a gasolina. Rendeu-se ao mercado. Ela só
encontrou dois automóveis a álcool para comprar. Um, com motor 1.8, para entrega em 45 dias.
Outro, para entrega imediata,
com motor 1.0. Nenhum dos dois
atendia às necessidades dela.
Não sei de quem é a culpa pela
decepção de Julia. Ela não comprou o carro a álcool por não haver oferta suficiente. Mas as montadoras também deixaram de fabricar diferentes modelos porque
não há procura que justifique a
formação de estoques variados
para pronta entrega.
A permanecer esse impasse, dificilmente encontraremos o caminho para tornar novamente viável esse combustível renovável
que poderia representar uma vacina contra o risco de explosão
dos preços do petróleo, por causa
da instabilidade do Oriente Médio e de um possível ataque dos
Estados Unidos ao Iraque.
Na prática, existem hoje apenas
duas medidas para estimular a
produção de carros a álcool: uma
pequena redução no IPI e uma
determinação do governo federal
de renovar a sua frota com esses
veículos. É pouco. Enquanto isso,
a frota brasileira de carros a álcool envelhece e já foi reduzida de
4,5 milhões para 3,1 milhões. Nesse ritmo, desaparecerá em poucos
anos e serão desativadas as mais
de 25 mil bombas que ainda vendem esse combustível em todo o
país. Nem minha sogra nem o
Brasil merecem isso.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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