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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Sofismas radiofônicos

Frequentemente tenho mostrado a maneira como se desenvolveu o raciocínio econômico hegemônico dos anos 90, especialmente a retórica de batalha de alguns economistas de mercado.
Esse tipo de análise econômica não é neutra, não é isenta. Não se trata de o analista ser filiado à escola A ou B. Trata-se da sonegação de informações que possam colidir com a tese defendida. Não sei o nome que se dá a esse tipo de recurso retórico, mas coisa boa não é.
Ontem estava ouvindo uma rádio de larga audiência e anunciou-se entrevista com um economista da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e sócio de uma dessas consultorias insistentemente ouvidas pela mídia.
O jornalista levanta a bola para o economista cortar: o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, criticou os bancos por cobrar juros altos; afinal, por que os juros são altos? O economista explica que os juros são altos por aqui porque o governo tem déficit público elevado, de mais de 5% do PIB (Produto Interno Bruto), e precisa buscar dinheiro no mercado. Não explicou, nem lhe foi questionado, que o déficit elevado é por conta do serviço da dívida.
A segunda razão, segundo o economista, é a falta de confiança dos investidores no governo. Mencionou o calote na correção monetária em 1973 (!), em 1982 (!), o calote da dívida externa em 1987, 1989, o Plano Collor, em 1990. Tudo isso teria deixado o país sob o manto indelével da desconfiança.
Aí o jornalista indaga por que a Rússia deu o calote alguns anos atrás e está pagando "spread" menor que o Brasil. O economista se embaralha um pouco, pensa daqui, dali e diz que é porque a Rússia gera superávit fiscal e o presidente Putin ganhou a confiança da comunidade financeira internacional.
O jornalista insiste em que Luiz Inácio Lula da Silva e Antonio Palocci Filho também gozam de confiança. Gozam, diz o notável pensador, mas os frutos demoram um pouco mais para serem colhidos. O governo precisa prosseguir nesse caminho atual, manter a política monetária e a fiscal porque, lá na frente, colherá os frutos.
O Brasil goza da irrestrita confiança da comunidade financeira internacional pelo menos desde Marcílio Marques Moreira no Ministério da Fazenda de Fernando Collor. De lá para cá, atenderam-se todos os pleitos do mercado, pagaram-se os juros exigidos, conseguiu-se um superávit primário recorde, à custa de corte nos investimentos públicos, na saúde, na educação. Mais: houve a transição para um governo de esquerda, que manteve todos os compromissos assumidos. E o Brasil continua pagando mais "spread" que a Rússia.
Qual o ponto que faz a diferença em favor da Rússia? O fato de que, com a crise, a Rússia interrompeu o pagamento da dívida, chamou os credores e mostrou que não poderia mais pagar o combinado. Os credores engoliram em seco, realizaram o prejuízo, o "default" viabilizou novamente a economia do país e, agora, os mesmos credores voltam a emprestar, aceitando menos pelos empréstimos realizados.
Não se trata de defender ou não o "default". Mas não é honesto esconder informações, como tem sido feito sistematicamente e impunemente por esse povo.

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