|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
Sofismas radiofônicos
Frequentemente tenho
mostrado a maneira como
se desenvolveu o raciocínio econômico hegemônico dos anos
90, especialmente a retórica de
batalha de alguns economistas
de mercado.
Esse tipo de análise econômica não é neutra, não é isenta.
Não se trata de o analista ser filiado à escola A ou B. Trata-se
da sonegação de informações
que possam colidir com a tese
defendida. Não sei o nome que
se dá a esse tipo de recurso retórico, mas coisa boa não é.
Ontem estava ouvindo uma
rádio de larga audiência e
anunciou-se entrevista com um
economista da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro) e sócio de uma
dessas consultorias insistentemente ouvidas pela mídia.
O jornalista levanta a bola
para o economista cortar: o ministro-chefe da Casa Civil, José
Dirceu, criticou os bancos por
cobrar juros altos; afinal, por
que os juros são altos? O economista explica que os juros são
altos por aqui porque o governo
tem déficit público elevado, de
mais de 5% do PIB (Produto Interno Bruto), e precisa buscar
dinheiro no mercado. Não explicou, nem lhe foi questionado,
que o déficit elevado é por conta
do serviço da dívida.
A segunda razão, segundo o
economista, é a falta de confiança dos investidores no governo. Mencionou o calote na
correção monetária em 1973 (!),
em 1982 (!), o calote da dívida
externa em 1987, 1989, o Plano
Collor, em 1990. Tudo isso teria
deixado o país sob o manto indelével da desconfiança.
Aí o jornalista indaga por que
a Rússia deu o calote alguns
anos atrás e está pagando
"spread" menor que o Brasil. O
economista se embaralha um
pouco, pensa daqui, dali e diz
que é porque a Rússia gera superávit fiscal e o presidente Putin ganhou a confiança da comunidade financeira internacional.
O jornalista insiste em que
Luiz Inácio Lula da Silva e Antonio Palocci Filho também gozam de confiança. Gozam, diz o
notável pensador, mas os frutos
demoram um pouco mais para
serem colhidos. O governo precisa prosseguir nesse caminho
atual, manter a política monetária e a fiscal porque, lá na
frente, colherá os frutos.
O Brasil goza da irrestrita
confiança da comunidade financeira internacional pelo
menos desde Marcílio Marques
Moreira no Ministério da Fazenda de Fernando Collor. De
lá para cá, atenderam-se todos
os pleitos do mercado, pagaram-se os juros exigidos, conseguiu-se um superávit primário
recorde, à custa de corte nos investimentos públicos, na saúde,
na educação. Mais: houve a
transição para um governo de
esquerda, que manteve todos os
compromissos assumidos. E o
Brasil continua pagando mais
"spread" que a Rússia.
Qual o ponto que faz a diferença em favor da Rússia? O fato de que, com a crise, a Rússia
interrompeu o pagamento da
dívida, chamou os credores e
mostrou que não poderia mais
pagar o combinado. Os credores
engoliram em seco, realizaram
o prejuízo, o "default" viabilizou novamente a economia do
país e, agora, os mesmos credores voltam a emprestar, aceitando menos pelos empréstimos
realizados.
Não se trata de defender ou
não o "default". Mas não é honesto esconder informações, como tem sido feito sistematicamente e impunemente por esse
povo.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Cai a confiança do consumidor Próximo Texto: Justiça: TJ manda banco pagar juros de cheque especial a cliente Índice
|