São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Medo, pavor e estatização


Mercado congelou, à espera da estatização da AIG, maior seguradora dos EUA, enfim anunciada às 22h de ontem

O MUNDO parecia mais calmo ontem, depois de mergulhar no vale de segunda-feira? "Se sobe algum som deste declive... não é silvo de serpentes, esquecidas de morder, como abstratas ao luar", dizia Drummond na "Cantiga de Enganar". As serpentes do mercado estavam esquecidas de morder, congeladas de medo, à espera do que seria feito da moribunda AIG, maior seguradora dos EUA, falecida ontem.
Para contrabalançar essa poesia deslocada, cite-se um blog de Wall Street a respeito dos efeitos da quebra da AIG, que faria "a do Lehman parecer uma espinha no traseiro de um elefante" (cortesia de Todd Harrison, do "Minyanville").
O governo dos EUA resolveu pagar para não ver a explosão da empresa. Às 22h de ontem, o Fed, o banco central americano, anunciou que emprestaria até US$ 85 bilhões à AIG, a 11% ao ano. Quase 80% da empresa, que será desmembrada e vendida a fim de cobrir parte do rombo, agora pertence de fato ao governo. Durou pouco, menos de dois dias, a pose de "deixa quebrar". Não dava pé. Atrás das cortinas, o mercado ontem era puro medo e pavor.
Um termômetro do medo nos mercados é a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano. Quando o medo cresce, o dinheiro grosso compra tais papéis. Quanto maior a procura, menor a taxa de juros que tais títulos pagam. Ontem as taxas dos papéis de curto prazo (três e seis meses) chegaram aos níveis daquelas de quando o Bear Stearns quebrou, em março (então se dizia que o "pior havia passado", recorde-se).
Pela manhã, os bancos centrais de EUA, Europa, Inglaterra, Japão etc.
emprestaram mais dinheiro para os bancos, que se recusavam a negociar entre si, por medo de calote. O Fed ofereceu mais US$ 50 bilhões de liquidez, após os US$ 70 bilhões de segunda-feira. O BC Europeu ofertou o equivalente a mais US$ 98 bilhões (US$ 42 bilhões na segunda). Os maiores bancos do mundo discutiam ontem a criação de um fundo privado para socorrer confrades.
Os juros interbancários foram ao nível mais alto desde 2001. Para operações compromissadas (empréstimos curtos, com garantias, entre bancos), os bancos europeus só aceitavam títulos do Tesouro alemão. Sim, isso pode ceder de um dia para o outro. Mas, por ora, um dia tornou-se quase "longo prazo". Por falar nisso, no Brasil, longe da crise no que diz respeito à saúde bancária, o Banco Central enxugou ontem R$ 47 bilhões (US$ 26 bilhões) da praça, na contramão do planeta.
Entre os motivos maiores do medo no mundo rico estava o destino da AIG, que se sabia funesto. Afora os negócios convencionais de seguro, a companhia entrou no mercado de contratos de seguro contra calotes de dívidas ("credit default swaps", CDS), títulos que rendem uma prestação em troca da cobertura de eventuais calotes. Bancos compraram zilhões em CDS da AIG.
Isto é, grandes bancos, entre outros, estão com papéis que podiam não valer nada. De resto teriam de baixar o valor dos créditos que detêm, que ficariam sem proteção caso seu seguro fosse ao brejo. Em suma, registrariam mais perdas contábeis.
Para piorar, o medo de calotes em série eleva o custo de seguro da dívida e, assim, do crédito, que se torna ainda mais raro. O que piora a crise.

vinit@uol.com.br


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