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CÚPULA DO MERCOSUL
Presidente argentino repudia "pressões" para que aumente o volume de pagamentos ao exterior
Kirchner pede ajuda de Lula contra credores
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU
O presidente argentino Néstor
Kirchner quebrou ontem a modorra habitual das cúpulas do
Mercosul com um contundente
discurso contra as pressões para
que a Argentina aumente "os pagamentos ao exterior".
Kirchner engatou uma sombria
previsão sobre as consequências
do que chamou de "reestruturação não-sustentável" da dívida
externa, acompanhada de um pedido velado de solidariedade.
"Quis informar-lhes destes fatos
com franqueza, a fim de que todos possam contribuir para uma
melhor avaliação de seus efeitos
sobre a região e sobre o sistema financeiro em seu conjunto", disparou Kirchner para um auditório em que estavam cinco presidentes (os outros três do Mercosul, o do Chile e o da Bolívia), entre outras altas autoridades.
Que fatos? O presidente não foi
específico. Mas repudiou "pressões abertas ou encobertas para
que aumentemos os pagamentos
ao exterior".
Emendou: "Isso somente poderia ser feito ao preço de reduzir o
crescimento e debilitar nossa luta
para diminuir os níveis de pobreza e para conseguir menores níveis de desemprego".
Superávit
Há duas possíveis explicações
para o desabafo de Kirchner: uma
seria uma suposta ou real pressão
do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que a Argentina
aumente a meta de superávit fiscal (receitas menos despesas para
pagar juros) em 2005 e 2006.
O acordo assinado entre o Fundo e o governo argentino, há apenas três meses, prevê uma média
de 3% de superávit no período de
2005/06, mas vazou para o jornal
"Ámbito Financiero", edição de
ontem, documento do próprio
FMI que diz que, com esses níveis,
não será possível à Argentina cobrir os pagamentos da dívida depois de 2004.
Foi a versão de pressão do FMI
que chegou à delegação brasileira
que participa da cúpula do Mercosul em Montevidéu.
A segunda hipótese seria pressão dos credores privados para
mudar a oferta argentina para sair
da moratória decretada há quase
dois anos. O governo Kirchner
pede uma redução de 75% no valor dos papéis para retomar os pagamentos aos credores.
Solidariedade
A delegação brasileira anotou
cuidadosamente o discurso de
Kirchner, como é natural, para repor na agenda a questão sempre
explosiva da dívida.
O ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho, sem se referir ao
discurso, acabou de todo modo
por antecipar a avaliação pedida
por Kirchner dos efeitos para a região provocados por problemas
com a dívida argentina.
"O Brasil sempre teve uma posição muito favorável a que a Argentina consiga superar suas dificuldades com as contas externas e
com a dívida. Faz bem à América
Latina", diz o ministro, ficando
implícito que não superar as dificuldades faria mal não apenas à
Argentina mas ao resto do subcontinente, Brasil incluído.
Na entrevista de encerramento
da cúpula, um jornalista argentino cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um "apoio aberto" à Argentina, para lidar com as
pressões apontadas por Kirchner.
Resposta de Lula: "Só posso
opinar sobre a negociação da Argentina se houver pedido de sugestão ou de opinião minha. Não
dou palpites sobre as coisas que
outros países fazem".
O que as autoridades brasileiras
estranharam foi o fato de que nem
Kirchner nem seu ministro de
Economia, Roberto Lavagna, se
referiram às pressões ou a qualquer outro fato durante o café da
manhã que as duas delegações
compartilharam ontem.
O discurso foi feito poucas horas depois do café da manhã, que
seria, em tese, o momento adequado para informar aos sócios
brasileiros eventuais dificuldades
enfrentadas pelos argentinos nas
negociações com o FMI ou com
os credores privados.
O Fundo informou ontem que
não se pronunciaria sobre as críticas de Kirchner.
Colaborou Carolina Vila-Nova, de Buenos Aires
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