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São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 2003

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CÚPULA DO MERCOSUL

Presidente argentino repudia "pressões" para que aumente o volume de pagamentos ao exterior

Kirchner pede ajuda de Lula contra credores

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

O presidente argentino Néstor Kirchner quebrou ontem a modorra habitual das cúpulas do Mercosul com um contundente discurso contra as pressões para que a Argentina aumente "os pagamentos ao exterior".
Kirchner engatou uma sombria previsão sobre as consequências do que chamou de "reestruturação não-sustentável" da dívida externa, acompanhada de um pedido velado de solidariedade.
"Quis informar-lhes destes fatos com franqueza, a fim de que todos possam contribuir para uma melhor avaliação de seus efeitos sobre a região e sobre o sistema financeiro em seu conjunto", disparou Kirchner para um auditório em que estavam cinco presidentes (os outros três do Mercosul, o do Chile e o da Bolívia), entre outras altas autoridades.
Que fatos? O presidente não foi específico. Mas repudiou "pressões abertas ou encobertas para que aumentemos os pagamentos ao exterior".
Emendou: "Isso somente poderia ser feito ao preço de reduzir o crescimento e debilitar nossa luta para diminuir os níveis de pobreza e para conseguir menores níveis de desemprego".

Superávit
Há duas possíveis explicações para o desabafo de Kirchner: uma seria uma suposta ou real pressão do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que a Argentina aumente a meta de superávit fiscal (receitas menos despesas para pagar juros) em 2005 e 2006.
O acordo assinado entre o Fundo e o governo argentino, há apenas três meses, prevê uma média de 3% de superávit no período de 2005/06, mas vazou para o jornal "Ámbito Financiero", edição de ontem, documento do próprio FMI que diz que, com esses níveis, não será possível à Argentina cobrir os pagamentos da dívida depois de 2004.
Foi a versão de pressão do FMI que chegou à delegação brasileira que participa da cúpula do Mercosul em Montevidéu.
A segunda hipótese seria pressão dos credores privados para mudar a oferta argentina para sair da moratória decretada há quase dois anos. O governo Kirchner pede uma redução de 75% no valor dos papéis para retomar os pagamentos aos credores.

Solidariedade
A delegação brasileira anotou cuidadosamente o discurso de Kirchner, como é natural, para repor na agenda a questão sempre explosiva da dívida.
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, sem se referir ao discurso, acabou de todo modo por antecipar a avaliação pedida por Kirchner dos efeitos para a região provocados por problemas com a dívida argentina.
"O Brasil sempre teve uma posição muito favorável a que a Argentina consiga superar suas dificuldades com as contas externas e com a dívida. Faz bem à América Latina", diz o ministro, ficando implícito que não superar as dificuldades faria mal não apenas à Argentina mas ao resto do subcontinente, Brasil incluído.
Na entrevista de encerramento da cúpula, um jornalista argentino cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um "apoio aberto" à Argentina, para lidar com as pressões apontadas por Kirchner.
Resposta de Lula: "Só posso opinar sobre a negociação da Argentina se houver pedido de sugestão ou de opinião minha. Não dou palpites sobre as coisas que outros países fazem".
O que as autoridades brasileiras estranharam foi o fato de que nem Kirchner nem seu ministro de Economia, Roberto Lavagna, se referiram às pressões ou a qualquer outro fato durante o café da manhã que as duas delegações compartilharam ontem.
O discurso foi feito poucas horas depois do café da manhã, que seria, em tese, o momento adequado para informar aos sócios brasileiros eventuais dificuldades enfrentadas pelos argentinos nas negociações com o FMI ou com os credores privados.
O Fundo informou ontem que não se pronunciaria sobre as críticas de Kirchner. Colaborou Carolina Vila-Nova, de Buenos Aires


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