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São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

Uma revolução diplomática

O lance diplomático de Lula, no episódio da Venezuela, se assemelha ao jogo de xadrez em que ocorre o chamado lance inovador. Só depois de algumas jogadas se saberá se havia consistência na jogada, ou se foi apenas uma temeridade inconsequente.
Pela primeira vez, o país adotou uma posição pró-ativa em uma crise do continente. E, pela primeira vez, Lula deixa pruridos de lado e fala publicamente do Brasil assumir sua liderança natural na América Latina, em nome da bandeira social do combate à fome.
Havia duas leituras para o episódio. A primeira, a de que o episódio foi um ato de voluntarismo de Lula que, na última hora, conseguiu se consertar com a criação do grupo Amigos para a Venezuela, e a inclusão dos Estados Unidos. O segundo, o de que representou o primeiro passo, planejado, de uma nova postura do Brasil no campo externo.
Depois de alguns dias filtrando as informações, a sensação que se tem é que o episódio da Venezuela poderá se constituir em um divisor de águas para a diplomacia brasileira e continental. Não se trata de uma estratégia isenta de riscos. Seguindo sua tradição, o Brasil ficou do lado da solução institucional. Só que a solução institucional significa apoiar uma canastra lotada de paralelepípedos, de nome Hugo Chaves.
Apesar dos primeiros tropeços, com a ida do assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, à Venezuela despertando a ira da oposição venezuelana, o que ocorreu foi uma ação orquestrada com o Itamaraty. O chanceler Celso Amorim sustenta que em nenhum momento houve intenção de confrontar os Estados Unidos, "o que seria tolo de nossa parte". Alguém teria que tomar a iniciativa, porque há uma grave ameaça à ordem institucional na Venezuela, diz ele.
Por unanimidade, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou resoluções para o secretário-geral César Gavíria atuar na crise venezuelana. Só que o processo não estava dando resultado. Surgiu então a idéia do Grupo de Amigos, para dar ao secretário mais instrumentos e novas visões da crise, e até ajudar nas conversas com todas as partes envolvidas -sempre mantendo os princípios de respeito aos parâmetros da ordem constitucional.
Em dez dias houve intensas consultas. Uma das primeiras pessoas consultadas por Amorim foi o secretário norte-americano Colin Powell. Inicialmente, é possível que alguns grupos norte-americanos tenham se mostrado céticos em relação à iniciativa, diz Amorim. Depois, reavaliaram e mudaram de idéia. Assim que se soube do interesse americano, o país foi convidado a integrar o grupo.
Não houve rompimentos com os princípios básicos da diplomacia brasileira, de respeito aos princípios constitucionais. Mas há dois movimentos em marcha, que poderão mudar a face da diplomacia brasileira, a partir da constatação de que houve todo um trabalho de planejamento para embasar a intuição política de Lula.
O primeiro, a posição pró-ativa da diplomacia brasileira, saindo da retórica do não envolvimento, e suscitando inclusive um editorial elogioso do "The New York Times". O segundo é que há grande possibilidade de que a imagem internacional projetada por Lula do líder contra a fome no mundo, nesses tempos de pós-liberalismo, trabalhada estrategicamente por Amorim e Garcia, resulte em um novo líder global.
Só não dará certo se a crise venezuelana se precipitar, Chaves cair, e se constatar que o Brasil fez uma aposta errada.

Desrespeito
Com os constrangimentos macroeconômicos, a única maneira do país conseguir se desenvolver será investir firmemente em tecnologia e inovação. A manutenção do ministro Roberto Amaral no Ministério de Ciência e Tecnologia ameaça destruir todo um trabalho desenvolvido nos últimos anos. É bom que caia a ficha do governo Lula de que rifou uma área estratégica para os planos de crescer sem comprometer os fundamentos da economia.
A ida do físico Sérgio Rezende para a Finep ameniza, mas não resolve a questão. Depois do desmonte, levará tempos para se reconstruir a área.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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