São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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BEIRA-MAR

Gestores independentes de recursos, muitos vindos da área econômica do governo FHC, se concentram no bairro carioca

"República do Leblon" cresce e aparece

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Eles são poucos, menos de cem, têm entre 25 e 40 anos, se vestem casualmente e cultivam o "low profile". Suas empresas se concentram num espaço menor do que o de um estádio de futebol, a maioria no mesmo quarteirão do Leblon, zona sul carioca. De suas mesas, sem sair do lugar, movimentam o equivalente ao PIB da Islândia, da Bolívia e do Panamá.
São os gestores independentes de recursos, nome complicado para uma categoria que surgiu recentemente e vive o verdadeiro espetáculo de crescimento. É uma tribo que passa despercebida pelo radar das revistas de celebridades, pelas TVs e pela população.
Cuidam de investir o dinheiro de quem não quer ser apenas mais um cliente nos grandes bancos ou procura fugir da previsibilidade (mas também da segurança) e do baixo retorno dos fundos de renda fixa -gente com de R$ 100 mil a R$ 500 mil, o mínimo exigido para começar a conversa.
Para tanto, algumas empresas misturam no comando ex-altos funcionários do governo FHC -que carregaram de Brasília o precioso conhecimento dos meandros do sistema financeiro, num vaivém nem sempre visto com bons olhos- com jovens economistas, supostamente brilhantes, retirados de instituições como PUC-RJ e IBMEC, de preferência com MBA no exterior.
A uni-los, passagens em algum momento da carreira por bancos de investimento como Opportunity e Pactual -cariocas, precursores do movimento atual.
E a paixão pelo Leblon.
Meninões, usam camisas de jeans, praticam esporte, vão ao trabalho a pé, não bebem, não fumam, não discutem política, são casados. Seu ídolo é o megainvestidor norte-americano Warren Buffett, e seu membro mais famoso, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que abriu em agosto sua Gávea Investimentos.
(Seguindo o destino de vários colegas que chegaram ao poder com FHC, os banqueiros da praia saíram do setor público para uma carreira lucrativa no setor privado. Alguns deles, como Armínio Fraga, haviam atuado no mercado antes -viveu trajetória de ascensão meteórica como gestor dos fundos de investimentos de George Soros. Mas Soros se tornou um crítico teórico da direita americana e do liberalismo. Já Armínio seguiu carreira na prática de ganhar dinheiro.)
Fazem parte de uma indústria -a dos fundos- que bateu recorde em 2003 no Brasil, atingindo patrimônio líquido de meio trilhão de reais. Destes, de R$ 14 bilhões a R$ 16 bilhões foram movimentados por eles, os independentes. São cinqüenta empresas -eram dez há dois anos.
"O boom tem duas causas", disse à Folha José Alberto Tovar, 43, da ARX Capital Management, uma das que não contam com ex-membros do governo. "A queda da taxa de juros e o movimento de compra de pequenos e médios bancos por grandes instituições, que levou muita gente a sair e abrir o próprio negócio."
 
A estrutura da ARX, que movimenta R$ 1,3 bilhão, se repete nos outros gestores visitados pela Folha: enxuta, com sala principal dividida em duas mesas, uma de atendimento ao cliente, outra de gestão e análise de risco, mais um terminal da Bloomberg perenemente ligado, com as cotações. No comando, garotos contando os dias para seu primeiro milhão (de reais), muitos já sócios do negócio aos 25 anos, como Bruno Levacov. "Este foi meu primeiro emprego, comecei como estagiário ainda cursando Economia na PUC-RJ, com 20 anos", disse ele, que trabalha na Investidor Profissional, na avenida Ataulfo de Paiva, gestora com R$ 600 milhões.
Dos dez maiores, pelo menos metade fica entre esta e a rua Dias Ferreira. A segunda lembra a paulistana Amauri, pela gastronomia -mais democrática, com vitrines de bom gosto como o Carlota e sujinhos como o Embalo Bar.
Tal concentração poderia valer à tribo o apelido "República do Leblon", reforçado com a chegada de sua cereja no bolo, Armínio Fraga, cuja nova empresa fica na cobertura do prédio que é a Meca da turma, o Leblon Corporate.
Na esquina da Dias Ferreira com a Aristides Espíndola, uma construção de blocos brancos e vidros negros que parecem ter recebido uma aplicação de insulfilme, é o prédio comercial mais caro da cidade, com o metro quadrado a R$ 12 mil (a cobertura de Armínio tem 300 m2).
Quem chega ao seu escritório, que divide o piso com a nova sede do Ibope e fica três andares acima da ARX, é recebido pelo logo da empresa (azul, a cor do lucro), uma secretária, placas mal-coladas de carpete e um sofá de couro preto -tudo sem ostentação, como manda o vade-mécum dos gestores independentes.
Sobre uma mesinha, o livro "Gavea Golf & Country Club", comemorativo do clube exclusivo, onde Armínio pratica seu esporte predileto e do qual emprestou o nome para batizar sua empresa -a orelha da obra, aliás, é assinada por ele e começa com a frase "A Gávea é uma maravilha".
O nome deve ter ajudado. Em três meses de operação, recebeu aplicações que somam US$ 550 milhões, tornando-se a segunda maior do país. Para tocar o negócio, reuniu uma mini-equipekonômica da era FHC: dois sócios são Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica, e Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC.
 
Armínio é presença constante nas ruas do bairro, onde fica também sua casa, famosa pela piscina cuja iluminação muda de cor, no exclusivo Jardim Pernambuco, com imóveis entre R$ 4,5 milhões e R$ 7,5 milhões. Frequentemente é visto de bermuda (tem a tez branco-gringo) e chapéu Burberry's (é calvo) comprando comidinhas no Garcia & Rodrigues.
Ou degustando sashimis no Sushi Leblon, que trazia segunda passada o cineasta João Moreira Salles, um dos herdeiros do Unibanco, almoçando sozinho no balcão lendo "Wittgenstein's Poker" ("o atiçador de fogo de Wittgenstein"), livro sobre a polêmica briga entre o filósofo austríaco e seu colega Karl Popper.
Ou no restaurante Carlota, onde há alguns dias Armínio reuniu seus sócios e funcionários em torno do amigo Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC. Eram oito homens e uma mulher. Ninguém bebeu álcool, talvez porque se tratasse de almoço de trabalho, apesar de ser um sábado de sol.
Mas por quê o Leblon?
"Com o avanço da tecnologia, não há mais porque ficarmos presos ao centro da cidade", disse Elsen Carvalho, 31, da Investidor. "E o Leblon é um bairro de classe média e alta, então é natural que a maioria dos gestores more por aqui ou queira trabalhar aqui."
Exceção é a Rio Bravo, de outra estrela dos Anos FHC, Gustavo Franco, que continua na Presidente Wilson, no centro. Mas a empresa não é considerada gestor independente "puro", pois atua também em outras áreas.
Mesmo assim, não são bairristas. Não há, por exemplo, rixa Rio-SP, o que é confirmado por empresas paulistanas como a Claritas. "Eu vou mais a São Paulo do que ao centro do Rio", disse Pedro Damasceno, 35, da Dynamo, na Ataulfo, que gere R$ 1 bilhão.
De resto, é na Dias Ferreira que eles malham na Pró-Forma, mandam buscar revistas na livraria Letras & Expressões, aberta 24 horas, jantam no italiano Quadrucci, fumam charuto no Esch Café ou escarafuncham as prateleiras da Argumento em busca do último livro de Warren Buffett.
(Uma das obras do bilionário, conhecido por sua estratégia de investimento de longo prazo, foi o brinde de Natal da Investidor; outra enfeita as prateleiras da biblioteca da Dynamo; mais de um entrevistado citou sua frase "O que você paga é o preço, o que você leva é o valor" como exemplo.)
Só um local ainda não recebeu um gestor em seu balcão -carcomido e lascado, aliás. É o Embalo Bar. "Gestor? Não senhor, nunca vi", atesta Samer Daoud, 28, funcionário do boteco. E Armínio Fraga? "Um careca? Rico, é? Se for, pode esquecer, não vem aqui." Apoiados no balcão, dois habitués concordam, sorrindo.


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