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BEIRA-MAR
Gestores independentes de recursos, muitos vindos da área econômica do governo FHC, se concentram no bairro carioca
"República do Leblon" cresce e aparece
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Eles são poucos, menos de cem,
têm entre 25 e 40 anos, se vestem
casualmente e cultivam o "low
profile". Suas empresas se concentram num espaço menor do
que o de um estádio de futebol, a
maioria no mesmo quarteirão do
Leblon, zona sul carioca. De suas
mesas, sem sair do lugar, movimentam o equivalente ao PIB da
Islândia, da Bolívia e do Panamá.
São os gestores independentes
de recursos, nome complicado
para uma categoria que surgiu recentemente e vive o verdadeiro
espetáculo de crescimento. É uma
tribo que passa despercebida pelo
radar das revistas de celebridades,
pelas TVs e pela população.
Cuidam de investir o dinheiro
de quem não quer ser apenas
mais um cliente nos grandes bancos ou procura fugir da previsibilidade (mas também da segurança) e do baixo retorno dos fundos
de renda fixa -gente com de R$
100 mil a R$ 500 mil, o mínimo
exigido para começar a conversa.
Para tanto, algumas empresas
misturam no comando ex-altos
funcionários do governo FHC
-que carregaram de Brasília o
precioso conhecimento dos
meandros do sistema financeiro,
num vaivém nem sempre visto
com bons olhos-
com jovens economistas, supostamente brilhantes,
retirados de instituições como
PUC-RJ e IBMEC,
de preferência com
MBA no exterior.
A uni-los, passagens em algum
momento da carreira por bancos de
investimento como Opportunity
e Pactual -cariocas, precursores
do movimento atual.
E a paixão pelo Leblon.
Meninões, usam camisas de
jeans, praticam esporte, vão ao
trabalho a pé, não bebem, não fumam, não discutem política, são
casados. Seu ídolo é o megainvestidor norte-americano Warren
Buffett, e seu membro mais famoso, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que abriu em agosto
sua Gávea Investimentos.
(Seguindo o destino de vários
colegas que chegaram ao poder
com FHC, os banqueiros da praia
saíram do setor público para uma
carreira lucrativa no setor privado. Alguns deles, como Armínio
Fraga, haviam atuado no mercado antes -viveu trajetória de ascensão meteórica como gestor
dos fundos de investimentos de
George Soros. Mas Soros se tornou um crítico teórico da direita
americana e do liberalismo. Já Armínio seguiu carreira na prática
de ganhar dinheiro.)
Fazem parte de uma indústria
-a dos fundos- que bateu recorde em 2003 no Brasil, atingindo patrimônio líquido de meio
trilhão de reais. Destes, de R$ 14
bilhões a R$ 16 bilhões foram movimentados por eles, os independentes. São cinqüenta empresas
-eram dez há dois anos.
"O boom tem duas causas", disse à Folha José Alberto Tovar, 43,
da ARX Capital Management,
uma das que não contam com ex-membros do governo. "A queda
da taxa de juros e o movimento de
compra de pequenos e médios
bancos por grandes instituições,
que levou muita gente a sair e
abrir o próprio negócio."
A estrutura da ARX, que movimenta R$ 1,3 bilhão, se repete nos
outros gestores visitados pela Folha: enxuta, com sala principal dividida em duas mesas, uma de
atendimento ao cliente, outra de
gestão e análise de risco, mais um
terminal da Bloomberg perenemente ligado, com as cotações.
No comando, garotos contando
os dias para seu primeiro milhão
(de reais), muitos já sócios do negócio aos 25 anos, como Bruno
Levacov. "Este foi meu primeiro
emprego, comecei como estagiário ainda cursando Economia na
PUC-RJ, com 20 anos", disse ele,
que trabalha na Investidor Profissional, na avenida Ataulfo de Paiva, gestora com R$ 600 milhões.
Dos dez maiores, pelo menos
metade fica entre esta e a rua Dias
Ferreira. A segunda lembra a paulistana Amauri, pela gastronomia
-mais democrática, com vitrines
de bom gosto como o Carlota e
sujinhos como o Embalo Bar.
Tal concentração poderia valer
à tribo o apelido "República do
Leblon", reforçado com a chegada de sua cereja no bolo, Armínio
Fraga, cuja nova empresa fica na
cobertura do prédio que é a Meca
da turma, o Leblon Corporate.
Na esquina da Dias Ferreira
com a Aristides Espíndola, uma
construção de blocos brancos e
vidros negros que parecem ter recebido uma aplicação de insulfilme, é o prédio comercial mais caro da cidade, com o metro quadrado a R$ 12 mil (a cobertura de
Armínio tem 300 m2).
Quem chega ao seu escritório,
que divide o piso com a nova sede
do Ibope e fica três andares acima
da ARX, é recebido pelo logo da
empresa (azul, a cor do lucro),
uma secretária, placas mal-coladas de carpete e um sofá de couro
preto -tudo sem ostentação, como manda o vade-mécum dos
gestores independentes.
Sobre uma mesinha, o livro
"Gavea Golf & Country Club",
comemorativo do clube exclusivo, onde Armínio pratica seu esporte predileto e do qual emprestou o nome para batizar sua empresa -a orelha da obra, aliás, é
assinada por ele e começa com a
frase "A Gávea é uma maravilha".
O nome deve ter ajudado. Em
três meses de operação, recebeu
aplicações que somam US$ 550
milhões, tornando-se a segunda
maior do país. Para tocar o negócio, reuniu uma mini-equipekonômica da era FHC: dois sócios
são Ilan Goldfajn, ex-diretor de
Política Econômica, e Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de
Política Monetária do BC.
Armínio é presença constante nas
ruas do bairro, onde fica também
sua casa, famosa pela piscina cuja
iluminação muda de cor, no exclusivo Jardim Pernambuco, com
imóveis entre R$ 4,5 milhões e R$
7,5 milhões. Frequentemente é
visto de bermuda (tem a tez branco-gringo) e chapéu Burberry's (é
calvo) comprando comidinhas
no Garcia & Rodrigues.
Ou degustando sashimis no
Sushi Leblon, que trazia segunda
passada o cineasta João Moreira
Salles, um dos herdeiros do Unibanco, almoçando sozinho no
balcão lendo "Wittgenstein's Poker" ("o atiçador de fogo de Wittgenstein"), livro sobre a polêmica
briga entre o filósofo austríaco e
seu colega Karl Popper.
Ou no restaurante Carlota, onde
há alguns dias Armínio reuniu
seus sócios e funcionários em torno do amigo Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC. Eram
oito homens e uma mulher. Ninguém bebeu álcool, talvez porque
se tratasse de almoço de trabalho,
apesar de ser um sábado de sol.
Mas por quê o Leblon?
"Com o avanço da tecnologia,
não há mais porque ficarmos presos ao centro da cidade", disse Elsen Carvalho, 31, da Investidor. "E
o Leblon é um bairro de classe
média e alta, então é natural que a
maioria dos gestores more por
aqui ou queira trabalhar aqui."
Exceção é a Rio Bravo, de outra
estrela dos Anos FHC, Gustavo
Franco, que continua na Presidente Wilson, no centro. Mas a
empresa não é considerada gestor
independente "puro", pois atua também em outras
áreas.
Mesmo assim,
não são bairristas.
Não há, por exemplo, rixa Rio-SP, o
que é confirmado
por empresas paulistanas como a
Claritas. "Eu vou
mais a São Paulo do
que ao centro do Rio", disse Pedro Damasceno, 35, da Dynamo,
na Ataulfo, que gere R$ 1 bilhão.
De resto, é na Dias Ferreira que
eles malham na Pró-Forma, mandam buscar revistas na livraria
Letras & Expressões, aberta 24
horas, jantam no italiano Quadrucci, fumam charuto no Esch
Café ou escarafuncham as prateleiras da Argumento em busca do
último livro de Warren Buffett.
(Uma das obras do bilionário,
conhecido por sua estratégia de
investimento de longo prazo, foi o
brinde de Natal da Investidor; outra enfeita as prateleiras da biblioteca da Dynamo; mais de um entrevistado citou sua frase "O que
você paga é o preço, o que você leva é o valor" como exemplo.)
Só um local ainda não recebeu
um gestor em seu balcão -carcomido e lascado, aliás. É o Embalo
Bar. "Gestor? Não senhor, nunca
vi", atesta Samer Daoud, 28, funcionário do boteco. E Armínio
Fraga? "Um careca? Rico, é? Se
for, pode esquecer, não vem
aqui." Apoiados no balcão, dois
habitués concordam, sorrindo.
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