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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma reforma do regime de metas de inflação
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O banco Central tem sido
muito criticado por intransigência e erros de avaliação da
conjuntura. A decisão de ontem,
de reduzir os juros básicos apenas
simbolicamente, não será suficiente para amainar as críticas.
A que atribuir a inflexibilidade
do BC? Uma razão, relativamente
pouco comentada, é o receio de
que, em 2004 ou 2005, as metas de
inflação venham a ser novamente
descumpridas.
No Brasil, o regime de metas de
inflação é aplicado, desde 1999,
com um intervalo de tolerância
de 2 ou 2,5 pontos percentuais
acima ou abaixo do objetivo central. Nos últimos três anos, a taxa
de variação do IPCA ficou sempre
acima do teto do intervalo. Se as
metas de 2004 ou 2005 não forem
atingidas, o que sobraria da credibilidade do regime?
É possível que se consiga manter a inflação abaixo do teto de
8% em 2004. Mas a que preço? A
controvérsia cada vez mais acirrada a respeito dos efeitos negativos da política monetária sobre a
atividade econômica sugere que
talvez tenha chegado a hora de
repensar o regime de metas.
Os problemas principais do esquema em funcionamento parecem ser os seguintes. Primeiro:
desde o governo passado, a tendência tem sido fixar metas muito reduzidas, procurando rápida
convergência com as taxas de inflação dos países desenvolvidos.
Segundo: o intervalo de tolerância é pequeno. Metas centrais ambiciosas com intervalos estreitos
agravam os dois conhecidos vieses desse regime: o viés recessivo e
o viés pró-apreciação cambial.
Terceiro: os objetivos são fixados para um horizonte curto (em
meados de cada ano para o ano
calendário seguinte e o ano calendário subseqüente). Isso também
reduz a margem de manobra do
BC para lidar com incertezas relacionadas aos mecanismos de
transmissão da política monetária e com o impacto de choques
econômicos internos ou externos
e outros eventos inesperados.
Quarto: o BC vem aplicando o
IPCA "cheio", sem nenhum tipo
de adaptação. Muitos analistas
sugerem o uso de algum cálculo
do "núcleo" do índice de preços,
com exclusão de itens particularmente voláteis ou outros ajustes.
A dificuldade é fazer mudanças
críveis no índice de referência em
um país traumatizado por uma
tradição de experiências manipulativas de "expurgo" dos índices
pelo governo.
Esses e outros problemas na
aplicação do regime de metas de
inflação resultam, em parte, da
maneira como o governo fixa as
metas. No caso, o "governo" é o
CMN (Conselho Monetário Nacional), composto pelo ministro
da Fazenda (que o preside), pelo
ministro do Planejamento e pelo
presidente do BC. Os serviços de
secretaria do CMN são exercidos
pelo BC.
Fixado objetivo pelo governo, o
BC busca então atingi-lo, desfrutando para tal de autonomia operacional (ainda que o BC não seja
formalmente autônomo ou independente).
Na prática, porém, o BC domina o processo de definição da meta. Quando há sintonia entre a
Fazenda e o BC, eventuais discordâncias do Planejamento não
têm grande importância. Como o
BC detém o controle das informações e instrumentos relevantes, o
Planejamento e a própria Fazenda acabam sendo levados de roldão. O que acontece, essencialmente, é que o BC fixa as metas
para si mesmo.
Em 2003, isso ficou ainda mais
claro. No início do ano passado,
passando por cima do CMN, o BC
definiu uma "meta ajustada" para corrigir o excesso de ambição
da meta estabelecida no final do
governo FHC (nem assim foi possível atingir o alvo em 2003). Essa
anomalia deixou transparecer
quem realmente decide.
O que fazer? A análise anterior
já sugere, de certa forma, a resposta.
Admitindo-se que se queira
manter o regime de metas de inflação por pelo menos alguns
anos, caberia aplicá-lo de forma
mais flexível. Isso significaria introduzir as seguintes mudanças:
a) Definir metas centrais menos
ambiciosas e intervalos um pouco
mais amplos de tolerância. Por
exemplo: um alvo razoável para
2004 seria algo como 7%, com
margem de mais ou menos três
pontos percentuais. Bastaria buscar uma diminuição gradual da
inflação ao longo dos próximos
anos. Isso evitaria sobrecarregar
a política de juros e diminuiria os
seus efeitos adversos em termos de
produção, emprego e sobrevalorização cambial. Por outro lado, reduziria o risco de abalos à credibilidade do regime resultantes de
sucessivos descumprimentos de
metas ambiciosas.
b) Fixar um horizonte maior
para as metas, definindo um prazo mais longo e mais condizente
com as incertezas que cercam a
política monetária em qualquer
país e, em especial, em um país
em desenvolvimento com as características e fragilidades que o
Brasil apresenta. Por exemplo: estabelecer que os objetivos devem
ser alcançados ao longo de dois
ou três anos (e não no ano calendário subseqüente).
c) Reformar o CMN para tornar
a definição das metas mais independente das inclinações e preconceitos do próprio BC. Uma
possibilidade seria incluir outros
ministros de Estado, mais ligados
ao setor real da economia (Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Agricultura, Trabalho, por
exemplo), e pessoas representativas do sociedade civil. Por exemplo: dos trabalhadores, do meio
acadêmico e do setor empresarial
(indústria, agricultura, comércio,
sistema financeiro -se bem que
este último já está bem representado pelo próprio BC...). A eventual redefinição ou ajustamento
do índice de preços utilizado poderia ficar a cargo de um conselho de especialistas de que participassem, além da Fazenda e do
BC, técnicos oriundos das entidades públicas e privadas que têm
experiência no cálculo de índices
de preços de ampla utilização no
país (IBGE, FGV-RJ, Fipe-USP,
Dieese, por exemplo).
Digito essas recomendações e
paro. Sinto que cometi uma imprudência. Volta e meia, o leitor
pede sugestões práticas. E, no entanto, quando o articulista se arrisca a fazê-las, o interesse nem
sempre é dos maiores. A verdade é
que o leitor está sempre em busca
de "ovos de Colombo" e não tem
paciência para argumentos e sutilezas.
Veremos. Se eu sentir que houve
curiosidade real desta vez, volto
ao assunto em outra ocasião.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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