São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Retirada após uma derrota

Vamos conviver algum tempo, talvez alguns anos, com uma taxa de câmbio exageradamente valorizada

COMO O MERCADO financeiro previa, a linha de defesa montada pelo Banco Central para evitar um dólar abaixo de dois reais caiu como um castelo de cartas. Para os analistas com mais experiência nos mercados financeiros, vivemos UMA CRÔNICA DE UMA DERROTA ANUNCIADA. O título desta coluna foi tirado de Clausewitz, mas o conhecimento da história não é o ponto forte dos economistas mais jovens.
Quis a sorte que eu estivesse trabalhando em Londres em 1992 quando o mercado enfrentou o banco central inglês em sua luta para manter a libra no sistema monetário europeu. Durante vários dias, o Banco da Inglaterra combateu a especulação contra a libra com os instrumentos clássicos para essas ocasiões: elevação brutal das taxas de juros de curto prazo e venda de suas reservas em moedas estrangeiras. Uma manhã, quando cheguei ao banco em que trabalhava, meu colega inglês estava rindo de orelha a orelha: "ganhamos a parada" disse-me ele. Sua resposta à minha indagação do porquê de sua certeza foi muito simples: "Os juros de 30 dias em libras estavam em 30% ao ano... e isso é impossível de ser mantido por muito tempo em uma economia como a inglesa". No fim da tarde, o mercado já comemorava ganhos enormes.
Fatos como esses são inúmeros na história do mercado cambial. De tempos em tempos, diretores de bancos centrais resolvem repetir a teimosia inglesa, como aconteceu no Brasil entre 1996 e 1998. O incrível é que dez anos depois de Gustavo Franco e seu saco de maldades, uma nova geração de diretores de nossa autoridade monetária comete o mesmo erro: enfrentar o mercado e tentar impor um valor fixo para nossa moeda por meio de compras maciças de dólares. E, desta vez, sem utilizar a redução dos juros como instrumento auxiliar.
Em todas essas experiências existem pontos em comum: uma análise equivocada sobre a dinâmica da economia e o desprezo pela capacidade que têm os mercados de serem racionais. Em outras palavras, há uma pretensão de auto-suficiência intelectual e pouca atenção à opinião de profissionais de mercado.
Tenho mostrado neste espaço que vivemos há questão de dois anos mudanças incríveis no funcionamento do lado privado da economia. O primeiro fator foi o aumento significativo de nosso saldo comercial em razão do efeito da China sobre preços e quantidades de nossas exportações de produtos primários. Mais recentemente vivemos uma onda de investimentos financeiros para se aproveitar do desequilíbrio entre prêmios e riscos em nosso mercado de títulos de renda fixa e de ativos financeiros em geral. Os dois fatores somados fizeram com que, depois de muitas décadas, tivéssemos uma estrutura a termo de taxas de juros de economias avançadas. Isso reduziu de forma expressiva a capacidade do Banco Central de interferir nas taxas de juros de longo prazo, e os investidores internacionais estão fazendo com que o juro real convirja para números próximos aos de outras economias ditas emergentes.
Com as agências de risco seguindo o mercado e levando a classificação de risco do Brasil para perto do chamado grau de investimento, a missão que o Banco Central impôs a si mesmo sofreu um abalo terminal. Como sempre ocorre nesses processos de ajuste via mercado, vamos conviver durante algum tempo, talvez alguns anos, com uma taxa de câmbio exageradamente valorizada. Mas a prazo mais longo um ajuste será inevitável.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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