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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Retirada após uma derrota
Vamos conviver algum tempo, talvez alguns anos, com uma taxa de câmbio exageradamente valorizada
COMO O MERCADO financeiro
previa, a linha de defesa montada pelo Banco Central para
evitar um dólar abaixo de dois reais
caiu como um castelo de cartas. Para
os analistas com mais experiência
nos mercados financeiros, vivemos
UMA CRÔNICA DE UMA DERROTA ANUNCIADA. O título desta coluna foi tirado de Clausewitz, mas o
conhecimento da história não é o
ponto forte dos economistas mais
jovens.
Quis a sorte que eu estivesse trabalhando em Londres em 1992
quando o mercado enfrentou o banco central inglês em sua luta para
manter a libra no sistema monetário
europeu. Durante vários dias, o Banco da Inglaterra combateu a especulação contra a libra com os instrumentos clássicos para essas ocasiões: elevação brutal das taxas de
juros de curto prazo e venda de suas
reservas em moedas estrangeiras.
Uma manhã, quando cheguei ao
banco em que trabalhava, meu colega inglês estava rindo de orelha a
orelha: "ganhamos a parada" disse-me ele. Sua resposta à minha indagação do porquê de sua certeza foi
muito simples: "Os juros de 30 dias
em libras estavam em 30% ao ano...
e isso é impossível de ser mantido
por muito tempo em uma economia
como a inglesa". No fim da tarde, o
mercado já comemorava ganhos
enormes.
Fatos como esses são inúmeros na
história do mercado cambial. De
tempos em tempos, diretores de
bancos centrais resolvem repetir a
teimosia inglesa, como aconteceu
no Brasil entre 1996 e 1998. O incrível é que dez anos depois de Gustavo
Franco e seu saco de maldades, uma
nova geração de diretores de nossa
autoridade monetária comete o
mesmo erro: enfrentar o mercado e
tentar impor um valor fixo para nossa moeda por meio de compras maciças de dólares. E, desta vez, sem
utilizar a redução dos juros como
instrumento auxiliar.
Em todas essas experiências existem pontos em comum: uma análise
equivocada sobre a dinâmica da economia e o desprezo pela capacidade
que têm os mercados de serem racionais. Em outras palavras, há uma
pretensão de auto-suficiência intelectual e pouca atenção à opinião de
profissionais de mercado.
Tenho mostrado neste espaço que
vivemos há questão de dois anos
mudanças incríveis no funcionamento do lado privado da economia.
O primeiro fator foi o aumento significativo de nosso saldo comercial
em razão do efeito da China sobre
preços e quantidades de nossas exportações de produtos primários.
Mais recentemente vivemos uma
onda de investimentos financeiros
para se aproveitar do desequilíbrio
entre prêmios e riscos em nosso
mercado de títulos de renda fixa e de
ativos financeiros em geral. Os dois
fatores somados fizeram com que,
depois de muitas décadas, tivéssemos uma estrutura a termo de taxas
de juros de economias avançadas.
Isso reduziu de forma expressiva a
capacidade do Banco Central de interferir nas taxas de juros de longo
prazo, e os investidores internacionais estão fazendo com que o juro
real convirja para números próximos aos de outras economias ditas
emergentes.
Com as agências de risco seguindo
o mercado e levando a classificação
de risco do Brasil para perto do chamado grau de investimento, a missão que o Banco Central impôs a si
mesmo sofreu um abalo terminal.
Como sempre ocorre nesses processos de ajuste via mercado, vamos
conviver durante algum tempo, talvez alguns anos, com uma taxa de
câmbio exageradamente valorizada.
Mas a prazo mais longo um ajuste
será inevitável.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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