São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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XADREZ COMERCIAL

Desigualdades entre economias do bloco são hoje o principal empecilho para a integração regional

Analistas vêem crise estrutural no Mercosul

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As diferenças econômicas entre Brasil e Argentina cresceram desde o início do Mercosul. Essas crescentes assimetrias (tamanho da economia e capacidade produtiva) são hoje o principal empecilho para a integração regional, na opinião de diversos especialistas consultados pela Folha.
A guerra das geladeiras -a última medida argentina para tentar restringir as exportações brasileiras de linha branca para o seu mercado- é apenas um exemplo desse problema que ameaça a integridade do bloco.
"Há um problema estrutural que dificulta a evolução. O fato é que a indústria argentina não é competitiva", diz o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia (1995-2001), cético quanto à chance de uma integração mais profunda com o sócio.
O diretor da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) no Brasil, Renato Baumann, diz que a única solução para o Mercosul é tratar de nivelar as diferenças econômicas entre os países. "É preciso aprender a conviver com os sócios menores", afirma Baumann.
O PIB (total de mercadorias e serviços produzidos no país) brasileiro é, atualmente, 3,3 vezes o da Argentina. No início dos anos 90, o PIB do país não era nem sequer duas vezes o do vizinho.
No começo do século passado, a relação era inversa. A economia argentina era maior que a brasileira. Foi apenas em 1958 que a produção industrial do Brasil superou a da Argentina. "De lá para cá a diferença só aumentou", diz Baumann. Hoje, o Brasil representa mais de 77% da economia do Mercosul e mais de 50% da economia da América do Sul.
O processo de integração do Mercosul não é responsável pela crescente diferença entre as economias dos seus principais sócios. A falta de capacidade produtiva na Argentina é resultado de três décadas de políticas econômicas equivocadas.
Mas o desenho institucional do bloco, sobretudo após 1994, não minimizou as assimetrias. No início do Mercosul, em 1986, o acordo contemplava salvaguardas especiais em caso de desequilíbrios no fluxo de comércio, algo que a Argentina quer voltar a usar.
Para o professor de relações internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Amado Cervo, as disputas comerciais entre os dois sócios são resultado de objetivos internos comuns. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu colega argentino Néstor Kirchner adotaram discurso de apoio à indústria nacional, que havia sido abandonado nos anos 90. Para a Argentina, apoiar a indústria local significa protegê-la da concorrência brasileira em setores como tecidos, calçados, linha branca, carne suína e carros.

Generosidade
"A solução para o Mercosul não é o Brasil invadir a Argentina com produtos, mas, sim, com empresas", diz Cervo. O presidente Lula e o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), em muitos discursos, afirmam que o Brasil precisa ser generoso com seus vizinhos menores para liderar o processo de integração regional. Mas a capacidade de o Brasil exercer essa liderança é limitada.
No processo de formação da União Européia, além das assimetrias entre as economias serem menores, havia países como França, Alemanha e Reino Unido, dispostos a bancar os custos da integração e com recursos financeiros para cumprir a tarefa.
Apesar de ser a maior economia, o Brasil não é o país com os melhores índices sociais da região. O produto interno per capita (serve como indicador de qualidade de vida das populações) do Brasil é o quinto na América do Sul -o país está atrás da Argentina e do Uruguai nesse quesito.
A disputa de interesses distintos -investir no desenvolvimento interno do Brasil ou apostar na integração, por exemplo- impede uma atitude mais generosa com os vizinhos. "Uma hora o Brasil terá de discutir se o BNDES vai investir no Nordeste ou num país vizinho", diz Baumann.
Para Cervo, o BNDES é um dos principais instrumentos brasileiros para fomentar a união na região. O banco poderia assumir o papel de financiador de indústrias e projetos de infra-estrutura.
O problema é que a participação nesse processo é difícil e demorada. No ano passado, Lula prometeu dinheiro do BNDES: US$ 1 bilhão para a Venezuela, outro U$ 1 bilhão para a Argentina e US$ 600 milhões para a Bolívia.
Mais de um ano depois, os recursos ainda não foram liberados, apesar de as negociações continuarem. "Isso afetou muito o prestígio do Brasil", diz Cervo.


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