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LUÍS NASSIF
A arte do
"esquentamento"
Entrevista na porta do Ministério das Comunicações. O
ministro Sérgio Motta fala sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento. Diz
que a estabilidade é fundamental, mas não se pode descuidar de um projeto de desenvolvimento. Afirma que
Gustavo Franco está errado,
em não pensar esse ângulo da
questão. Junta argumento em
favor da tese de utilizar os
recursos da privatização para
projetos sociais e de desenvolvimento e não apenas para
reduzir dívida pública.
Não se fala em política cambial.
Mas um setorista de uma
agência de notícias acha que
encontrou sua manchete: Sérgio Motta critica Gustavo
Franco. É um grande prato,
que poderia ser prejudicado se
se deixasse claro que as críticas se referiam apenas à destinação dos recursos da privatização. Para não se perder o
mote, divulga-se que a crítica
foi contra a política cambial.
Graças a essa fina flor do
moderno jornalismo -"esquentamento" de notícias, como se diz-, a "notícia" foi
para terminais, em um dia de
nervos à flor da pele, em função das especulações cambiais
no mercado asiático.
Balançou o mercado inteiro
e acabou se tornando irreversível (pelo menos no primeiro
dia). Setoristas que nada tinham ouvido sobre o assunto
foram pressionados pelas respectivas redações a "recuperarem" a notícia -que, a rigor, não existia.
No dia seguinte, jornais retificaram a questão; quem mais
exagerou, não quis dar o braço a torcer. Não houve um só
punido pela "barriga".
Conclusão: Bolsas caindo
vertiginosamente em um dia;
Bolsas subindo vertiginosamente no outro, milhares de
pessoas perdendo dinheiro,
centenas de pessoas ganhando.
Houve dois prejuízos inestimáveis nessa história -e não
foi na imagem do ministro
Motta.
Um, dos investidores que
perderam dinheiro por terem
sido enganados por notícias
falsas. Outro, da própria imprensa como um todo, que sai
mais uma vez arranhada do
episódio, por culpa de dois ou
três.
Jornalismo 2
Agora que se comprova que
ocorreu uma explosão intencional com o avião da TAM,
como é que ficam todos os
palpites e avaliações sobre a
qualidade da manutenção da
empresa? Como ficam as acusações contra o passageiro vitimado?
Mais uma vez, a dificuldade
de análise, o emburrecimento
do raciocínio em bloco, esse
jogo marqueteiro de não perder uma oportunidade para
demonstrar "como eu sou indignado", permitiram a parte
da mídia afetar reputações de
maneira indelével.
Escola Base, bar Bodega, caso Cláudia Liz, Bamerindus
ou Fokker da TAM, não importa. Grandes ou pequenos,
ninguém está a salvo desse jogo que, volta e meia, arrasa
reputações de maneira indelével.
Está na hora de começar a
discutir a sério a criação de
um conselho de auto-regulação. Enquanto a própria mídia não definir formas de punir (pela obrigação de retificar com destaque) notícias
inverídicas, não vai conseguir
avançar na direção de um
jornalismo mais técnico e
mais ético.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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