São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

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ARTIGO

Ajudemos os credores a renegociar

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

E M ABRIL , Henry Paulson, secretário do Tesouro norte-americano, declarou que todos os sinais que estava recebendo indicavam que o mercado da habitação estava "no fundo do poço, ou perto dele". No começo deste mês, ele continuava a insistir em que os problemas causados pelo colapso completo dos créditos imobiliários de risco, ou "subprime", haviam sido "em larga medida contidos".
Mas a hora da negação já passou.
De acordo com dados divulgados na quinta-feira, tanto as solicitações de alvarás quanto o início de construções residenciais caíram aos seus mais baixos níveis em uma década, o que demonstra que o setor de construção residencial continua em queda livre. E, caso os indicadores históricos sirvam como orientação, os preços das residências continuam muito acima do valor devido. A crise do mercado da habitação provavelmente nos acompanhará por anos, e não apenas meses.
Enquanto isso, está se tornando igualmente claro que o problema do crédito hipotecário não foi de maneira nenhuma contido. Para começar, ele não está confinado aos créditos "subprime", ou seja, empréstimos a pessoas que não satisfazem os critérios financeiros regulares. Existem também problemas crescentes nas chamadas hipotecas Alt-A (não perguntem), que respondem por outros 20% do mercado de crédito imobiliário. E também começam a aparecer problemas nos créditos de primeira linha -e tudo isso seria de esperar, evidentemente, tendo em vista a profundidade da depressão no setor residencial.
Muita gente em Wall Street está apelando por uma operação de resgate -que a Fannie Mae (uma corporação pública de financiamento habitacional), o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) ou qualquer outra instituição interfira e adquira títulos lastreados em créditos hipotecários dos fundos de hedge endividados. Mas isso seria como pedir que os contribuintes resgatassem a Enron ou a WorldCom quando elas entraram em colapso, seria como salvar os protagonistas menos responsáveis do mercado das conseqüências de seus equívocos.
Pois está se tornando cada vez mais claro que a bolha imobiliária dos últimos anos, como a bolha nos mercados de ações do final da década de 20, tanto causou quanto foi causada por incúria generalizada. Agências de classificação de crédito como a Moody's, que cobram caro para classificar os títulos lastreados por créditos hipotecários, parecem ter desempenhado papel semelhante ao dos auditores complacentes nos escândalos empresariais de alguns anos atrás. Nos anos 90, as empresas de auditoria certificaram como aceitáveis balanços dúbios; nesta década, as agências de classificação de crédito declararam que títulos dúbios lastreados por crédito hipotecário eram papéis da mais alta qualidade, merecedores da classificação AAA.
No entanto, nosso desejo de evitar que os responsáveis pelos problemas escapem às conseqüências de suas ações não deveria impedir que façamos a coisa certa, moralmente e em termos econômicos, pelos devedores que se tornaram vítimas da bolha.
A maioria das propostas que vi para enfrentar o problema dos devedores no mercado "subprime" se enquadra na categoria "fechar a porta do estábulo depois que o cavalo fugiu". Elas reprimiriam as práticas abusivas de empréstimo -algo que poderia ter vindo a calhar três anos atrás-, mas não ajudariam muito, no momento. O que precisamos, a esta altura, é de uma política que nos ajude a enfrentar as conseqüências do estouro da bolha na habitação.
Considere um devedor que não tenha conseguido pagar sua hipoteca e esteja enfrentando a possibilidade de perder sua casa. No passado, como apontou recentemente a jornalista Gretchen Morgenson, da seção de negócios do jornal "New York Times", o banco responsável pelo empréstimo estaria disposto a oferecer um compromisso, modificando os termos do empréstimo de maneira a permitir pagamentos menores, porque pagamentos que o devedor fosse capaz de manter valeriam mais para a instituição do que os custos em que incorreria para retomar a casa e posteriormente revendê-la. Isso teria sido especialmente provável em caso de uma depressão no mercado da habitação.

Carrossel
Hoje, no entanto, o corretor de hipotecas que fez o empréstimo representa, nas palavras de Morgenson, "apenas o primeiro cavalo em um carrossel financeiro". A hipoteca foi empacotada com outras transações semelhantes e vendida a bancos de investimento, que, por sua vez, a reembalaram a fim de produzir ativos artificiais que a Moody's ou a Standard & Poor's estavam dispostas a classificar como AAA. E o resultado é que não existe com quem negociar.
Isso me parece um argumento claro em favor da intervenção governamental. Existe uma série falha do mercado, e consertar o problema poderia ajudar imensamente a milhares, talvez centenas de milhares, de domicílios norte-americanos. O governo federal não deveria estar organizando resgates, mas deveria ajudar a organizar acordos.

Plano Brady
E isso já foi feito, no passado -em benefício de países do Terceiro Mundo, e não de cidadãos norte-americanos. A crise da dívida latino-americana dos anos 80 só foi resolvida por meio dos chamados acordos Brady, sob os quais os credores foram pressionados a perdoar parcialmente as dívidas dos países em desenvolvimento, para reduzi-las a níveis administráveis. Tanto os devedores, que escaparam à inadimplência e suas conseqüências, quanto os credores, que recuperaram a maior parte de seu dinheiro, saíram beneficiados.
A mecânica de uma versão doméstica precisaria ser trabalhada com mais cuidado, tanto por advogados como por especialistas em finanças. Meu palpite é que isso envolveria a aquisição de títulos hipotecários por agências federais -mas não os títulos criados em passe de mágica com base nas hipotecas, e sim os créditos originais-, com desconto, e a seguir uma renegociação dos empréstimos. Mas me agradaria ouvir idéias melhores.
O ponto, porém, é que a inação não representa a única alternativa a um resgate que isentaria de culpa os responsáveis por essa confusão. Digam não ao resgate, mas ajudemos os credores a renegociar sua situação.
PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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