|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Ajudemos os credores a renegociar
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
E
M ABRIL , Henry Paulson, secretário do Tesouro norte-americano, declarou que todos os sinais
que estava recebendo indicavam que o mercado da habitação estava "no fundo do poço,
ou perto dele". No começo deste mês, ele continuava a insistir
em que os problemas causados
pelo colapso completo dos créditos imobiliários de risco, ou
"subprime", haviam sido "em
larga medida contidos".
Mas a hora da negação já passou.
De acordo com dados divulgados na quinta-feira, tanto as
solicitações de alvarás quanto o
início de construções residenciais caíram aos seus mais baixos níveis em uma década, o
que demonstra que o setor de
construção residencial continua em queda livre. E, caso os
indicadores históricos sirvam
como orientação, os preços das
residências continuam muito
acima do valor devido. A crise
do mercado da habitação provavelmente nos acompanhará
por anos, e não apenas meses.
Enquanto isso, está se tornando igualmente claro que o
problema do crédito hipotecário não foi de maneira nenhuma contido. Para começar, ele
não está confinado aos créditos
"subprime", ou seja, empréstimos a pessoas que não satisfazem os critérios financeiros regulares. Existem também problemas crescentes nas chamadas hipotecas Alt-A (não perguntem), que respondem por
outros 20% do mercado de crédito imobiliário. E também começam a aparecer problemas
nos créditos de primeira linha
-e tudo isso seria de esperar,
evidentemente, tendo em vista
a profundidade da depressão
no setor residencial.
Muita gente em Wall Street
está apelando por uma operação de resgate -que a Fannie
Mae (uma corporação pública
de financiamento habitacional), o Federal Reserve (Fed, o
banco central dos Estados Unidos) ou qualquer outra instituição interfira e adquira títulos
lastreados em créditos hipotecários dos fundos de hedge endividados. Mas isso seria como
pedir que os contribuintes resgatassem a Enron ou a WorldCom quando elas entraram em
colapso, seria como salvar os
protagonistas menos responsáveis do mercado das conseqüências de seus equívocos.
Pois está se tornando cada
vez mais claro que a bolha imobiliária dos últimos anos, como
a bolha nos mercados de ações
do final da década de 20, tanto
causou quanto foi causada por
incúria generalizada. Agências
de classificação de crédito como a Moody's, que cobram caro
para classificar os títulos lastreados por créditos hipotecários, parecem ter desempenhado papel semelhante ao dos auditores complacentes nos escândalos empresariais de alguns anos atrás. Nos anos 90, as
empresas de auditoria certificaram como aceitáveis balanços dúbios; nesta década, as
agências de classificação de
crédito declararam que títulos
dúbios lastreados por crédito
hipotecário eram papéis da
mais alta qualidade, merecedores da classificação AAA.
No entanto, nosso desejo de
evitar que os responsáveis pelos problemas escapem às conseqüências de suas ações não
deveria impedir que façamos a
coisa certa, moralmente e em
termos econômicos, pelos devedores que se tornaram vítimas da bolha.
A maioria das propostas que
vi para enfrentar o problema
dos devedores no mercado
"subprime" se enquadra na categoria "fechar a porta do estábulo depois que o cavalo fugiu".
Elas reprimiriam as práticas
abusivas de empréstimo -algo
que poderia ter vindo a calhar
três anos atrás-, mas não ajudariam muito, no momento. O
que precisamos, a esta altura, é
de uma política que nos ajude a
enfrentar as conseqüências do
estouro da bolha na habitação.
Considere um devedor que
não tenha conseguido pagar
sua hipoteca e esteja enfrentando a possibilidade de perder
sua casa. No passado, como
apontou recentemente a jornalista Gretchen Morgenson, da
seção de negócios do jornal
"New York Times", o banco
responsável pelo empréstimo
estaria disposto a oferecer um
compromisso, modificando os
termos do empréstimo de maneira a permitir pagamentos
menores, porque pagamentos
que o devedor fosse capaz de
manter valeriam mais para a
instituição do que os custos em
que incorreria para retomar a
casa e posteriormente revendê-la. Isso teria sido especialmente provável em caso de
uma depressão no mercado da
habitação.
Carrossel
Hoje, no entanto, o corretor
de hipotecas que fez o empréstimo representa, nas palavras
de Morgenson, "apenas o primeiro cavalo em um carrossel
financeiro". A hipoteca foi empacotada com outras transações semelhantes e vendida a
bancos de investimento, que,
por sua vez, a reembalaram a
fim de produzir ativos artificiais que a Moody's ou a Standard & Poor's estavam dispostas a classificar como AAA. E o
resultado é que não existe com
quem negociar.
Isso me parece um argumento claro em favor da intervenção governamental. Existe uma
série falha do mercado, e consertar o problema poderia ajudar imensamente a milhares,
talvez centenas de milhares, de
domicílios norte-americanos.
O governo federal não deveria
estar organizando resgates,
mas deveria ajudar a organizar
acordos.
Plano Brady
E isso já foi feito, no passado
-em benefício de países do
Terceiro Mundo, e não de cidadãos norte-americanos. A crise
da dívida latino-americana dos
anos 80 só foi resolvida por
meio dos chamados acordos
Brady, sob os quais os credores
foram pressionados a perdoar
parcialmente as dívidas dos
países em desenvolvimento,
para reduzi-las a níveis administráveis. Tanto os devedores,
que escaparam à inadimplência
e suas conseqüências, quanto
os credores, que recuperaram a
maior parte de seu dinheiro,
saíram beneficiados.
A mecânica de uma versão
doméstica precisaria ser trabalhada com mais cuidado, tanto
por advogados como por especialistas em finanças. Meu palpite é que isso envolveria a
aquisição de títulos hipotecários por agências federais
-mas não os títulos criados em
passe de mágica com base nas
hipotecas, e sim os créditos originais-, com desconto, e a seguir uma renegociação dos empréstimos. Mas me agradaria
ouvir idéias melhores.
O ponto, porém, é que a inação não representa a única alternativa a um resgate que
isentaria de culpa os responsáveis por essa confusão. Digam
não ao resgate, mas ajudemos
os credores a renegociar sua situação.
PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do
"New York Times" e professor na Universidade
Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Confiança do americano é menor em 1 ano Próximo Texto: Governo abrirá suas contas "em detalhes", diz Mantega Índice
|