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OPINIÃO ECONÔMICA
Buenos Aires-Washington, escala em Brasília
GESNER OLIVEIRA
Embora buenos Aires e
Washington estejam separadas por 8.300 km no eixo Norte-Sul das Américas, o Consenso de
Buenos Aires, assinado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva
e Néstor Kirchner, é próximo ao
Consenso de Washington.
É verdade que o objeto dos dois
textos é diferente. Lembre-se de
que o Consenso de Washington
constitui prescrição de dez reformas organizada há mais de dez
anos pelo economista John Williamson e execrada pelos críticos
das políticas econômicas liberalizantes dos anos 90. O próprio Williamson reconhece que o decálogo proposto é muito limitado, requerendo a promoção de mudanças institucionais e de uma agenda social. Pois o Consenso de Buenos Aires é ainda mais tímido do
que essa mais recente versão ampliada do Consenso de Washington.
Mas, apesar do suspense gerado
nesta semana, o Consenso de
Buenos Aires não é nem poderia
ser uma plataforma de política
econômica. É um texto diplomático e, portanto, morno e autocontido, mais próximo de uma
tarde burocrática em Washington do que de uma noite portenha.
O Consenso de Buenos Aires teria abalado o mercado se houvesse sugestão de flerte com o calote
da dívida, mas o documento não
dá margem a nenhuma especulação desse tipo. Prevaleceu a posição brasileira, que, curiosamente,
não deixou que a contraparte argentina colocasse no texto aquilo
que o PT propunha antes das eleições em seu programa de ruptura.
O Consenso de Buenos Aires dá
vários recados a Washington de
uma perspectiva de Nova York,
isto é, cosmopolita e multilateral,
na linguagem das Nações Unidas.
O secretário-geral da ONU, Kofi
Annan, assinaria embaixo. Assim, o documento exalta a declaração do Rio sobre ambiente, a
importância do Protocolo de Kyoto e alerta para "...a necessidade
de combater as ameaças à paz e à
segurança internacionais e o terrorismo, de acordo com a Carta
das Nações Unidas". Em franco
contraste, é claro, com a política
externa da administração Bush.
As manifestações de Brasil e Argentina ganharão peso quando
suas ações práticas corresponderem à retórica. Não é o que se verifica na discussão acerca da vaga
que o Brasil pleiteia no Conselho
de Segurança da ONU. Tampouco se percebe perfeita sintonia entre a posição formal do Mercosul
na Alca (Área de Livre Comércio
das Américas) e as manifestações
dos delegados de cada país. Da
mesma forma, o compromisso
com a integração sul-americana
está a exigir uma demonstração
urgente de capacidade de ajuda
prática para a superação da crise
boliviana.
Mas o Consenso de Buenos Aires não está condenado ao esquecimento. Isso porque sua criação
reflete uma nova fase de convergência entre as políticas dos dois
países, assentada em dois fatores
fundamentais.
Em primeiro lugar, na percepção acertada da agenda do Grupo
de Cairns de que o que mais importa para Brasil e Argentina é o
combate ao protecionismo dos ricos, especialmente na área agrícola. Esse deveria ser o ponto de
convergência em relação a todas
as frentes de negociação, na Alca,
na União Européia e na OMC
(Organização Mundial do Comércio).
Em segundo lugar, com o câmbio flutuante nos dois países, renova-se a pauta de convergência
comercial. É sintomática nesse
sentido a declaração do ministro
Antonio Palocci Filho (Fazenda)
ao jornal argentino "El Cronista"
de que "não haverá cotas nem
salvaguardas no comércio bilateral". Na mesma direção, os acordos que estão sendo assinados
com a Argentina poderiam representar uma renovação dos protocolos dos anos 80 entre as administrações Alfonsín e Sarney.
Grande parte do problema do
Mercosul nos últimos anos decorreu de muita formalidade diplomática e pouca ação prática. Se
Brasil e Argentina inverterem esse vício histórico da região, terá
sido um grande avanço. Caso
contrário, é melhor restringir a
discussão a uma revanche do
Santos contra o Boca Juniors na
Copa Sul-Americana.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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