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São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2003

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ARTIGO

Como driblar os cortes de impostos

PAUL KRUGMAN

"O que temos aqui é uma espécie de saque." É o que diz George Akerlof, Prêmio Nobel de Economia, sobre as políticas orçamentárias do governo Bush -e ele está certo. Com velocidade assustadora, passamos voando pelas preocupações habituais sobre déficits orçamentários- suas consequências sobre as taxas de juros e o crescimento econômico- e entramos num espaço em que a própria solvência do governo federal está em jogo.
Quase todo especialista que não está na folha de pagamentos do governo hoje considera os déficits orçamentários equivalentes a cerca de um quarto dos gastos do governo na próxima década -e piorando depois.
Mas a administração insiste que não há problema, que o crescimento econômico vai solucionar tudo de modo indolor. E isso coloca numa situação difícil aqueles que querem conter o saque -o que deveria incluir qualquer pessoa que quer que este país evite uma crise fiscal no estilo latino-americano. Diante de um presidente que não se preocupa, o que você pode fazer para não parecer um desmancha-prazeres?
Uma resposta é explicar que os cortes de impostos do governo são, num sentido fundamental, fictícios, porque o governo está simplesmente pedindo emprestado para compensar a perda de arrecadação. Em 2004 a família típica pagará cerca de US$ 700 a menos em impostos do que pagaria sem os cortes de Bush -mas, enquanto isso, o governo assumirá uma dívida de cerca de US$ 1.500 em benefício dessa família.
George W. Bush é como o homem que diz que comprou para você uma bela televisão para o Natal, mas deixa de dizer que debitou no seu cartão de crédito e que aproveitou para usar o cartão e comprar algumas coisas para si mesmo. Um dia a fatura será cobrada -e aí será seu problema, e não dele.
Ainda assim, aqueles que querem restabelecer a saúde fiscal provavelmente precisam formular suas propostas de maneira a neutralizar em parte a demagogia do governo. Em particular, eles provavelmente não deveriam propor uma revogação de todos os cortes fiscais de Bush.
Eis o porquê: enquanto o objetivo central dos cortes fiscais de 2001 e 2003 foi reduzir os impostos dos ricos, as leis também incluíam dispositivos que ofereceram cortes significativos para algumas -mas apenas algumas- famílias de renda média. Os principais eram créditos fiscais para filhos e um "corte geral" que reduziu a alíquota fiscal sobre certas rendas de 15% para 10%.
Essas reduções de impostos para a classe média destinavam-se a criar uma "mancha aprazível" de famílias "típicas" que obtiveram grandes cortes fiscais, as quais o governo poderia indicar. Se uma família de renda média tivesse dois ou mais filhos de 17 anos ou menos e renda suficiente para se beneficiar totalmente dos dispositivos, receberia uma significativa redução de impostos. E essas famílias tiveram um papel importante na venda do pacote total.
Assim, se um candidato democrata propuser uma revogação total dos cortes fiscais de Bush, estará oferecendo um alvo fácil: os porta-vozes do governo poderão dar à imprensa exemplos cuidadosamente escolhidos de famílias de renda média que perderiam US$ 1.500 ou US$ 2.000 por ano com a revogação do corte fiscal. Deixando como estão os créditos fiscais para crianças e o corte geral, enquanto propõem revogar o resto, os adversários reaverão a maior parte da perda de arrecadação devido aos cortes, enquanto dificultarão muito o trabalho dos propagandistas do governo.
Os puristas vão levantar duas objeções. A primeira é que uma revogação incompleta dos cortes fiscais de Bush não será suficiente para restaurar a solvência a longo prazo. Na verdade, mesmo uma revogação total não seria suficiente. Segundo meus cálculos aproximados, manter os créditos para filhos e a redução de alíquota enquanto se revoga o resto cobriria apenas a metade do buraco fiscal. Mas seria muito melhor que a política atual.
A outra objeção é que os truques usados para vender os cortes fiscais tornaram ainda mais confuso um sistema fiscal já confuso, cheio de brechas especiais para determinados tipos de contribuintes. Não deveríamos defender uma reforma que limpe isso?
Em princípio a resposta é sim. Mas um plano de reforma ambicioso seria pintado pelos demagogos como um aumento de impostos para a classe média. Meu palpite é que deveríamos propor uma revogação seletiva como primeiro passo, com uma reforma mais ampla a seguir.
Alguém conseguirá encontrar a mancha aprazível política, a combinação de responsabilidade fiscal e habilidade eleitoral que ponha fim ao saque? O futuro da nação depende da resposta.


Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do "New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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