São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

O bingo e a política

O ponto central do caso Waldomiro Diniz não é seu envolvimento com o bingo em 2002. É o fato de que, até a eclosão do escândalo, havia a possibilidade fortíssima de ser aprovada a legalização do bingo -por projeto de lei patrocinado por um deputado federal do PT de Minas Gerais ou até por medida provisória, conforme chegou a circular.
Desde o ano passado o funcionamento dos bingos é ilegal, mas apenas um Estado -o Paraná- ousou mandar fechar as casas locais, enfrentando pesada resistência jurídica.
Ainda não caiu a ficha do país sobre o monstro que criou com a legalização do bingo. O que se fez foi legalizar toda a estrutura de banqueiros do bicho do país. Eles se transformaram em "empresários do lazer", atuando com federações esportivas sem representatividade.
Liberados, ganharam dinheiro e ampliaram decididamente a influência política por duas razões. Primeiro, porque, para os políticos, deixou de haver o constrangimento de tratar com banqueiros do bicho atuando na clandestinidade. Passaram a tratar com empresários do setor de entretenimento, com CNPJ e tudo. Segundo, porque, donos de firmas juridicamente legais, puderam participar de licitações estaduais, municipais e até do jogo político federal, ampliando seu poder de fogo e de financiamento eleitoral. Antes, financiavam campanhas políticas em troca de proteção. Depois, passaram a poder participar de licitações públicas. A força adquirida foi tão grande que conseguiram financiar campanhas comerciais em defesa do bingo em redes nacionais de televisão e até conquistar capas em revistas semanais defendendo seu "caráter social".
Restaram poucos nessa luta contra o bingo. Um grupo de procuradores enfrentando riscos objetivos, associações de apoio a viciados em bingo e um governador -Roberto Requião, do Paraná- que conseguiu, ao menos aí, uma grande causa para aplicar seu estilo tresloucado.
Agora pipocam por todos os lados sinais de envolvimento do PT contra o bingo. É no Rio, em Mato Grosso, no Rio Grande do Sul, na prefeitura de Campinas. Mas a estrutura de influência do bingo é mais ampla. Como se explica que em todos os demais Estados da federação os bingos continuem em operação, sabendo-os, agora, uma atividade não legalizada e com todo o histórico de corrupção e indícios de ligação com o crime organizado? Essa leniência com o jogo coloca em risco a estabilidade política do país, corrói a imagem internacional de Lula e passa a percepção, cada vez maior, de que a bancada do bicho virou uma força invencível no Congresso.
A lição a se tirar do episódio não consiste em sacrificar um soldado do partido, mas romper de vez com essa aliança espúria e partir decididamente para a luta da cidadania contra a indústria do bingo. É nessa luta que se saberá distinguir o político limpo daquele que se deixou seduzir pelo dinheiro do bingo e saber, até que ponto, as relações promíscuas da política com o jogo tornaram os governantes reféns de chantagens.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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