São Paulo, terça-feira, 19 de março de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Guerra é guerra

BENJAMIN STEINBRUCH

Todos nós na semana passada criticamos o protecionismo de George W. Bush, por causa das barreiras comerciais para a importação de aço. As críticas procedem, porque a decisão de Bush prejudica diretamente o Brasil. Estima-se que o país vá perder cerca de US$ 1 bilhão em receitas de exportação nos próximos três anos por conta dessa medida.
As sobretaxas impostas pelo presidente americano, que de resto não surpreenderam ninguém, são uma medida claramente política. Foram tomadas para proteger um setor industrial que não se modernizou e que perdeu sua condição de competitividade internacional. Por isso é fácil criticar Bush. Seria útil ao Brasil, porém, se a atitude dos EUA servisse também para reflexões sobre o abandono a que o governo brasileiro tem relegado a empresa nacional na última década.
Bush agiu forçado por um lobby político, cujo principal objetivo é proteger os empregos na indústria siderúrgica americana. Certamente esses lobistas estão equivocados na forma de proteção que defendem, porque ela vem impedindo, durante anos, a modernização das usinas e o resultado final tem sido o próprio enfraquecimento do setor e o corte de empregos.
A lição teórica desse episódio, entretanto, é preciosa para nós, brasileiros: um grande país, por maior e mais rico que seja, deve sempre estar atento para defender empregos. No Brasil, dada a falta de ocupação para os mais de 80 milhões de brasileiros que compõem a força de trabalho, essa atenção deveria ser redobrada. Não é. Ao contrário, na última década, o Brasil entregou de mão beijada milhões de empregos por causa de uma abertura exagerada de fronteiras para a entrada de produtos importados.
Por conta de equivocadas posições ultraliberais, escancaramos nosso mercado e entregamos ao capital estrangeiro, sem exigir contrapartidas, alguns setores estratégicos, como os de energia e telecomunicações.
O protecionismo americano, aguçado com as recentes decisões sobre o aço, se, por um lado, merece nossas críticas, por outro encerra lição sobre amor próprio. Às vésperas de eleições presidenciais, um pouco de nacionalismo faria muito bem ao Brasil. Em nome da globalização, se adotou aqui por longo período uma política suicida, que deixou desamparados os poucos setores competitivos da empresa nacional, como siderurgia, mineração, têxteis, calçados e produtos agroindustriais.
Ingênuos em nosso mundinho, tentamos assimilar durante toda a década de 90 as lições de liberalismo comercial e de globalização vindas do Primeiro Mundo, sem perceber os traços de hipocrisia dessa pregação. Enquanto posávamos de liberais, os americanos subsidiavam sua produção agrícola com mais de US$ 30 bilhões por ano, a mesma atitude tomada pelos países da União Européia, e impunham sobretaxas e cotas de importação a seu bel-prazer.
Não adianta, agora, criticar George W. Bush. Ele defende a América e os americanos. Nossa função é defender o Brasil e os brasileiros com a mesma garra. Como disse a "Gazeta Mercantil" em editorial na semana passada, a era da inocência terminou. Temos de agir para combater o protecionismo nos fóruns internacionais e, ao mesmo tempo, proteger nossos mercados com todas as armas. Sobretaxas, cotas, tarifas antidumping, entre outras, compõem o arsenal de medidas protecionistas das quais devemos lançar mão sempre que necessário. Além disso, teremos de exigir, sem receios, contrapartidas na hora de fechar importações de produtos, serviços e de tecnologia.
O Brasil tem de atuar de acordo com a nova regra do jogo, que agora é proteger e barganhar. Se continuar fiel às regras da era da inocência, será facilmente atingido pela artilharia pesada dos concorrentes comerciais. Nunca é demais lembrar que comércio internacional é uma guerra na qual exportação é sinônimo de emprego, e importação, de desemprego.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Falta de térmicas e El Niño podem agravar situação
Próximo Texto: Imposto de renda: Evite antecipar restituição em banco
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.