São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

As eleições e o novo quadro da economia mundial

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Há não mais de seis meses as projeções para o crescimento da economia brasileira baseavam-se, fundamentalmente, em hipóteses acerca do ritmo de recuperação da economia internacional. Isso significava que a economia brasileira supostamente cresceria mais, ou menos, na dependência do vigor e da sustentabilidade atribuídos à recuperação que se ensaiava nos EUA.
Hoje as previsões encontram-se polarizadas em torno da questão das políticas a serem adotadas pelo novo governo. E a inegável coincidência entre a ascensão do candidato do PT e a deterioração dos indicadores de confiança é amplamente aceita como prova suficiente de que estamos diante do chamado "efeito Lula".
Pretendo chamar a atenção no que segue para fenômenos bastante conhecidos, mas que merecem, a meu juízo, maior atenção, no constrangedor debate acerca da deterioração recente das expectativas.
Primeiramente convém destacar a forte impressão de que a mesma informação adicional, positiva ou negativa, tornou-se presentemente capaz de gerar reações muito mais rápidas e acentuadas do que no passado -ou não gerar reação nenhuma (tudo depende da direção para a qual está voltado o foco das atenções até aquele momento). E, claro, o objeto da turbulência pode ser tanto uma empresa quanto uma economia.
Concretamente, as economias entram em crise rapidamente, mergulham mais fundo e, não raro, dela saem com mais rapidez. O colapso e a retomada da Coréia do Sul, bem como a súbita melhoria recente da economia russa, ilustram esse tipo de fenômeno. Já no mercado de capitais o mero anúncio de que uma empresa não vai crescer tanto quanto o anteriormente esperado é por vezes suficiente para que o seu valor despenque, digamos, 20% ou 40%.
No caso do Brasil, o fato de que vivemos num mundo de reações (possivelmente) desproporcionais pode ser ilustrado pelo ocorrido durante o episódio da crise energética. De fato, foi tão intensa a reação ao anúncio da crise que a restrição de oferta praticamente não teve consequências: a demanda antecipou-se, retraindo-se a ponto de tornar em boa medida inócua a restrição de oferta imposta pelo programa governamental de contenção do consumo.
Nos últimos meses, novos e graves eventos vieram, no entanto, a se somar a esse quadro. O 11 de setembro e, logo a seguir, a descoberta de que uma das mais prestigiosas empresas norte-americanas -ao que parece com a cumplicidade da Arthur Andersen- adulterava balanços foram grandes choques aos quais o sistema reagiu, mas, presumivelmente, ainda está por assimilar. Some-se a isso a hecatombe argentina. Na conturbada história latino-americana, nunca se viu nada comparável.
No caso brasileiro as implicações (em pleno curso) dessas mudanças não poderiam deixar de ser perturbadoras.
O vigoroso ajuste fiscal pós-1998, o câmbio flexível e as metas de inflação, que bravamente resistiram ao início da derrocada argentina (levando a previsões otimistas sobre o desempenho da economia em 2002), parecem, a muitos, neste momento, condenados. Alto lá! O que há de certo, até este momento, é que o novo regime de políticas macroeconômicas e os efeitos das dívidas acumuladas no passado recente estão sendo submetidos a testes não previstos. E isso será tão mais sério quanto mais verídica a hipótese de estarmos ingressando num mundo em que a batida das asas de uma borboleta no Iang-Tsé pode provocar um tornado no Arizona.
Com tanta ou mais razão pode-se evidentemente argumentar que o projeto reformista do PT (e demais oposicionistas) tampouco foi concebido para aplicação num ambiente a tal ponto ameaçador e explosivo.
A modesta reflexão que acaba de ser feita tende, em suma, a absolver, até certo ponto, ambos os lados. Aliás, convém lembrar, já se sabia, anteriormente, que o PT podia vencer as eleições -e que suas propostas distam bastante do convencional. Mas -e isso é fundamental- venceria em meio a um quadro de retomada do crescimento da economia (e do emprego), corroborado no exterior pela expansão dos mercados e pela reafirmação da confiança que acompanhou a chegada (nos centros desenvolvidos) da chamada "nova economia". Hoje é outra a percepção de cada um desses fatos. E suas implicações estão muito longe de terem sido devidamente discutidas. Diante disso, a escalada de acusações a que estamos assistindo mais parece um surto de maniqueísmo.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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