|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
As eleições e o novo quadro da economia mundial
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Há não mais de seis meses as projeções para o crescimento da economia brasileira baseavam-se, fundamentalmente, em hipóteses acerca do ritmo de recuperação da economia internacional. Isso significava que a economia brasileira supostamente cresceria mais, ou menos, na dependência do vigor e da sustentabilidade atribuídos à recuperação que se ensaiava nos EUA.
Hoje as previsões encontram-se
polarizadas em torno da questão
das políticas a serem adotadas
pelo novo governo. E a inegável
coincidência entre a ascensão do
candidato do PT e a deterioração
dos indicadores de confiança é
amplamente aceita como prova
suficiente de que estamos diante
do chamado "efeito Lula".
Pretendo chamar a atenção no
que segue para fenômenos bastante conhecidos, mas que merecem, a meu juízo, maior atenção,
no constrangedor debate acerca
da deterioração recente das expectativas.
Primeiramente convém destacar a forte impressão de que a
mesma informação adicional, positiva ou negativa, tornou-se presentemente capaz de gerar reações muito mais rápidas e acentuadas do que no passado -ou
não gerar reação nenhuma (tudo
depende da direção para a qual
está voltado o foco das atenções
até aquele momento). E, claro, o
objeto da turbulência pode ser
tanto uma empresa quanto uma
economia.
Concretamente, as economias
entram em crise rapidamente,
mergulham mais fundo e, não raro, dela saem com mais rapidez.
O colapso e a retomada da Coréia
do Sul, bem como a súbita melhoria recente da economia russa,
ilustram esse tipo de fenômeno. Já
no mercado de capitais o mero
anúncio de que uma empresa não
vai crescer tanto quanto o anteriormente esperado é por vezes
suficiente para que o seu valor
despenque, digamos, 20% ou
40%.
No caso do Brasil, o fato de que
vivemos num mundo de reações
(possivelmente) desproporcionais
pode ser ilustrado pelo ocorrido
durante o episódio da crise energética. De fato, foi tão intensa a
reação ao anúncio da crise que a
restrição de oferta praticamente
não teve consequências: a demanda antecipou-se, retraindo-se a ponto de tornar em boa medida inócua a restrição de oferta
imposta pelo programa governamental de contenção do consumo.
Nos últimos meses, novos e graves eventos vieram, no entanto, a
se somar a esse quadro. O 11 de setembro e, logo a seguir, a descoberta de que uma das mais prestigiosas empresas norte-americanas -ao que parece com a cumplicidade da Arthur Andersen- adulterava balanços foram grandes choques aos quais o sistema reagiu, mas, presumivelmente, ainda está por assimilar. Some-se a isso a hecatombe argentina. Na conturbada história latino-americana, nunca se viu nada comparável.
No caso brasileiro as implicações (em pleno curso) dessas mudanças não poderiam deixar de ser perturbadoras.
O vigoroso ajuste fiscal pós-1998, o câmbio flexível e as metas de inflação, que bravamente resistiram ao início da derrocada argentina (levando a previsões otimistas sobre o desempenho da economia em 2002), parecem, a muitos, neste momento, condenados. Alto lá! O que há de certo, até este momento, é que o novo regime de políticas macroeconômicas e os efeitos das dívidas acumuladas no passado recente estão sendo submetidos a testes não previstos. E isso será tão mais sério quanto mais verídica a hipótese de estarmos ingressando num mundo em que a batida das asas de uma borboleta no Iang-Tsé pode provocar um tornado no Arizona.
Com tanta ou mais razão pode-se evidentemente argumentar que o projeto reformista do PT (e demais oposicionistas) tampouco foi concebido para aplicação num ambiente a tal ponto ameaçador e explosivo.
A modesta reflexão que acaba de ser feita tende, em suma, a absolver, até certo ponto, ambos os lados. Aliás, convém lembrar, já se sabia, anteriormente, que o PT podia vencer as eleições -e que suas propostas distam bastante do convencional. Mas -e isso é fundamental- venceria em meio a um quadro de retomada do crescimento da economia (e do emprego), corroborado no exterior pela expansão dos mercados e pela reafirmação da confiança que acompanhou a chegada (nos centros desenvolvidos) da chamada "nova economia". Hoje é outra a percepção de cada um desses fatos. E suas implicações estão muito longe de terem sido devidamente discutidas. Diante disso, a escalada de acusações a que estamos assistindo mais parece um surto de maniqueísmo.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Intervenção do BC torrou na sexta US$ 10 mi Próximo Texto: Artigo: Venda de títulos da dívida pública do Brasil afeta AL Índice
|