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LUÍS NASSIF
O último guerreiro de Vargas
Uma das características
menos explicadas do Plano Real foi a obsessão com o
chamado legado de Getúlio
Vargas. Não se tratava apenas
de mudar um modelo que se esgotou com o tempo. Havia uma
crítica visceral e ahistórica, de
julgar os atos de Vargas fora do
seu contexto histórico. Nenhuma crítica foi e tem sido mais
exacerbada que a de Gustavo
Franco, o grande ideólogo do
Real.
Hoje em dia, parte do legado
de Vargas está depositada nas
mãos e na memória de um senhor de 89 anos, de nome Guilherme Arinos. Todo dia 24 de
agosto, o velho senhor manda
celebrar uma missa em homenagem a Getúlio Vargas. No
momento, está criando uma associação de defesa da memória
de Vargas, que tem, entre seus
integrantes, a ex-deputada Ivete
Vargas e o ex-governador do
Rio de Janeiro Marcello Alencar.
Guilherme Arinos tornou-se
assessor pessoal de Vargas no
longínquo ano de 1942, com
apenas 26 anos. Desde os 20
anos já trabalhava com Vargas.
É dono de uma biografia extraordinária.
Nasceu no interior do Amazonas em 1916, em um subúrbio do
município de Itacoatiara, nas
margens do rio Solimões. O nome Arinos é em homenagem a
um dos rios da região. Fez o ginásio na própria cidade. Em
1933, houve concurso nacional
do Banco do Brasil. A família
juntou toda sua poupança para
conseguir comprar uma passagem de terceira classe para Guilherme, que levou oito dias para
chegar a Belém.
Saiu-se tão bem nas provas de
matemática e de português que
o inspetor-chefe Ovídio Xavier
de Abreu mandou-o escolher a
praça que quisesse para trabalhar. Como queria aprender sobre câmbio, optou pela agência
de Belém.
Quando estourou a Segunda
Guerra, o país não sabia como
administrar a questão cambial.
Foram convocados 11 funcionários do BB para pensar em uma
estratégia de defesa das reservas
cambiais, entre eles o jovem
Guilherme. Dos estudos saíram
os regulamentos de criação da
Coordenação de Mobilização
Econômica, e, depois, da Carteira de Exportação e Importação
(Cexim). Guilherme convocado
para assessorar o segundo presidente, Gastão Vidigal -o primeiro, Leonardo Truda, morreu
uma semana após assumir.
Dois meses depois, recebeu recado de Alzira Vargas, secretária e filha de Vargas, convidando-o a trabalhar com o presidente, que precisava de alguém
que conhecesse câmbio. Tornou-se oficial de gabinete e, logo
após, secretário particular de
Vargas.
Em 29 de outubro de 1945,
quando o general Cordeiro de
Farias comunicou a Vargas sua
deposição, Guilherme passou 29
dias detido em um quartel.
Quando saiu, apresentou-se ao
novo presidente do BB, o velho
conhecido Ovídio, que lhe perguntou onde gostaria de trabalhar. E ele: com o dr. Getúlio.
Seguiu para o Rio Grande e foi
morar com Vargas na pequena
fazenda Santo Reis, em São Borja, para onde o presidente se
mudou depois de se desentender
com o irmão Protásio. Eram três
morando durante dois anos em
uma casa sem luz elétrica: dr.
Getúlio, Guilherme e Gregório
Fortunato.
Lá, ele teve o privilégio de
compartilhar da intimidade do
homem mais poderoso e fechado do Brasil. Um dia, Getúlio
lhe perguntou por que os juros
eram tão altos. E o "índio" (como passou a ser chamado por
Vargas, depois que deixou de ser
"menino") disse-lhe que porque
o dinheiro era escasso. "Você
não é bancário?", indagou Vargas. "Por que não inventa um
banco que arranje o dinheiro?"
Guilherme pegou um pedaço
de papel em branco e rascunhou
o esboço de um banco de desenvolvimento. Quando Getúlio foi
eleito em 1950, seu trabalho serviu de base para a criação do
BNDES.
Acompanhou dr. Getúlio a vida toda, mesmo depois daquele
tiro que o matou em 24 de agosto de 1954. Em sua sala, tem espaço apenas para Getúlio, retratos, pinturas, livros na estante e
em cima da mesa do escritório.
Há uma exceção apenas, um retrato dos quatro netos e do filho
do qual ele tem enorme orgulho:
Gustavo Franco, que há 15 anos
luta obsessivamente para liquidar com o legado do dr. Getúlio.
Mas, enquanto Guilherme Arinos Limaverde Barroso Franco
viver, dr. Getúlio também viverá.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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