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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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ARTIGO

Bush deixará herança de baixa credibilidade fiscal

PAUL KRUGMAN

Esta é mais uma frase do discurso sobre o Estado da União de George Bush que não era verdadeira: "Nós não negaremos, não ignoraremos, não transferiremos nossos problemas para outros Congressos, outros presidentes e outras gerações".
Os membros do governo Bush afirmam não ver nada de errado na explosão da dívida pública, embora projetem agora um inacreditável déficit orçamentário de US$ 455 bilhões para este ano e de US$ 475 bilhões para o próximo. Mas até os apologistas habituais (ou alguns deles) estão começando a reconhecer a irresponsabilidade do governo. Estava óbvio o tempo todo, para quem estivesse disposto a ver, que as alegações do governo se basearam totalmente em livros cozinhados.
Os números contam a história. Em seu primeiro Orçamento, divulgado em abril de 2001, o governo projetou um excedente de US$ 334 bilhões para este ano. Ainda mais revelador é que, em seu segundo Orçamento, divulgado em fevereiro de 2002 -isto é, depois que o governo sabia da recessão e do 11 de setembro-, projetou um déficit de apenas US$ 80 bilhões e um Orçamento quase equilibrado para o próximo ano. Apenas seis meses atrás estava projetando déficits de cerca de US$ 300 bilhões neste ano e no próximo.
Não há mistério sobre por que as projeções têm tão pouca semelhança com a realidade: números realistas teriam solapado a tese dos cortes nos impostos. Por isso os analistas orçamentários foram pressionados para exagerar as estimativas de rendimentos futuros e reduzir as estimativas de gastos. Qualquer semelhança com a maneira como a ameaça do Iraque foi exagerada não é coincidência.
Assim como algumas pessoas afirmam que a guerra foi justificada, apesar de ter sido vendida sob falsas alegações, algumas dizem que o maior déficit orçamentário da história é justificável, apesar de o governo nos ter enganado com números manipulados. Alguns dizem que Ronald Reagan administrou déficits ainda maiores em proporção ao PIB. Mas eles esperam que as pessoas não se lembrem de que diante desses déficits Reagan aumentou os impostos, invertendo parte de seu corte fiscal inicial.
Além disso, desta vez os déficits enormes surgiram apenas alguns anos antes de a geração "baby boom" começar a se aposentar, fazendo enormes exigências à seguridade social e à assistência à saúde (Medicare). O sistema de seguridade está com superávit hoje, preparando-se para as futuras demandas; o resto do governo federal está pagando um terço de seus gastos com dinheiro emprestado. Isso é um recorde.
Mas os membros do governo não disseram que cortarão o déficit pela metade até 2008? Sim, está bem. Lembre-se de que apenas 18 meses atrás eles disseram que mais ou menos equilibrariam o Orçamento até 2004. Projeções não politizadas mostram um déficit orçamentário de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até onde se pode enxergar.
A última defesa do déficit orçamentário é que ele ajuda a economia deprimida -para o que a resposta é "sim, mas...". Sim, os gastos estimulam a demanda, mas os cortes de impostos para os ricos, que dominaram o programa, geram muito pouco emprego por dólar de déficit. Dos 2,6 milhões de empregos que a economia perdeu no governo Bush, 2 milhões se perderam depois do corte fiscal de 2001.
Sim, déficits são adequados como medida temporária quando a economia está deprimida, mas estes déficits não são temporários. Alguns economistas temem, com bons motivos, seu efeito em longo prazo sobre o crescimento econômico. Mas eu me preocupo mais com a credibilidade fiscal.
Você sabe, um governo que tem a reputação de finanças sólidas e orçamentos honestos pode administrar déficits temporários; se não tiver essa reputação, não pode. No momento, o governo administra déficits maiores, em proporção ao PIB, do que os que mergulharam a Argentina na crise. O motivo pelo qual não enfrentamos uma crise comparável é que os mercados, extrapolando com base em nosso passado responsável, confiam que vamos colocar a casa em ordem.
Mas Bush não mostra inclinação para enfrentar o déficit. Pelo contrário, continua falsificando os números e pressionando por mais cortes fiscais. Um dia os mercados vão perceber. E a credibilidade maculada, juntamente com uma dívida muito maior, é um problema que Bush transmitirá para outros Congressos, outros presidentes e outras gerações.


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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