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ARTIGO
Bush deixará herança de baixa credibilidade fiscal
PAUL KRUGMAN
Esta é mais uma frase do discurso sobre o Estado da
União de George Bush que não
era verdadeira: "Nós não negaremos, não ignoraremos, não transferiremos nossos problemas para
outros Congressos, outros presidentes e outras gerações".
Os membros do governo Bush
afirmam não ver nada de errado
na explosão da dívida pública,
embora projetem agora um inacreditável déficit orçamentário de
US$ 455 bilhões para este ano e de
US$ 475 bilhões para o próximo.
Mas até os apologistas habituais
(ou alguns deles) estão começando a reconhecer a irresponsabilidade do governo. Estava óbvio o
tempo todo, para quem estivesse
disposto a ver, que as alegações do
governo se basearam totalmente
em livros cozinhados.
Os números contam a história.
Em seu primeiro Orçamento, divulgado em abril de 2001, o governo projetou um excedente de US$
334 bilhões para este ano. Ainda
mais revelador é que, em seu segundo Orçamento, divulgado em
fevereiro de 2002 -isto é, depois
que o governo sabia da recessão e
do 11 de setembro-, projetou um
déficit de apenas US$ 80 bilhões e
um Orçamento quase equilibrado
para o próximo ano. Apenas seis
meses atrás estava projetando déficits de cerca de US$ 300 bilhões
neste ano e no próximo.
Não há mistério sobre por que
as projeções têm tão pouca semelhança com a realidade: números
realistas teriam solapado a tese
dos cortes nos impostos. Por isso
os analistas orçamentários foram
pressionados para exagerar as estimativas de rendimentos futuros
e reduzir as estimativas de gastos.
Qualquer semelhança com a maneira como a ameaça do Iraque
foi exagerada não é coincidência.
Assim como algumas pessoas
afirmam que a guerra foi justificada, apesar de ter sido vendida sob
falsas alegações, algumas dizem
que o maior déficit orçamentário
da história é justificável, apesar de
o governo nos ter enganado com
números manipulados. Alguns
dizem que Ronald Reagan administrou déficits ainda maiores em
proporção ao PIB. Mas eles esperam que as pessoas não se lembrem de que diante desses déficits
Reagan aumentou os impostos,
invertendo parte de seu corte fiscal inicial.
Além disso, desta vez os déficits
enormes surgiram apenas alguns
anos antes de a geração "baby
boom" começar a se aposentar,
fazendo enormes exigências à seguridade social e à assistência à
saúde (Medicare). O sistema de
seguridade está com superávit
hoje, preparando-se para as futuras demandas; o resto do governo
federal está pagando um terço de
seus gastos com dinheiro emprestado. Isso é um recorde.
Mas os membros do governo
não disseram que cortarão o déficit pela metade até 2008? Sim, está
bem. Lembre-se de que apenas 18
meses atrás eles disseram que
mais ou menos equilibrariam o
Orçamento até 2004. Projeções
não politizadas mostram um déficit orçamentário de pelo menos
US$ 300 bilhões por ano até onde
se pode enxergar.
A última defesa do déficit orçamentário é que ele ajuda a economia deprimida -para o que a
resposta é "sim, mas...". Sim, os
gastos estimulam a demanda,
mas os cortes de impostos para os
ricos, que dominaram o programa, geram muito pouco emprego
por dólar de déficit. Dos 2,6 milhões de empregos que a economia perdeu no governo Bush, 2
milhões se perderam depois do
corte fiscal de 2001.
Sim, déficits são adequados como medida temporária quando a
economia está deprimida, mas estes déficits não são temporários.
Alguns economistas temem, com
bons motivos, seu efeito em longo
prazo sobre o crescimento econômico. Mas eu me preocupo mais
com a credibilidade fiscal.
Você sabe, um governo que tem
a reputação de finanças sólidas e
orçamentos honestos pode administrar déficits temporários; se
não tiver essa reputação, não pode. No momento, o governo administra déficits maiores, em proporção ao PIB, do que os que mergulharam a Argentina na crise. O
motivo pelo qual não enfrentamos uma crise comparável é que
os mercados, extrapolando com
base em nosso passado responsável, confiam que vamos colocar a
casa em ordem.
Mas Bush não mostra inclinação para enfrentar o déficit. Pelo
contrário, continua falsificando
os números e pressionando por
mais cortes fiscais. Um dia os
mercados vão perceber. E a credibilidade maculada, juntamente
com uma dívida muito maior, é
um problema que Bush transmitirá para outros Congressos, outros presidentes e outras gerações.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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