São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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IMPACTO FINANCEIRO

Trabalhadores reclamam das condições de trabalho na BM&F; sobra estresse e faltam banheiros

Batalha do pregão derruba operadores

MARCELO PINHO
DA REDAÇÃO

Perda parcial da audição, deslocamento de vértebras, calos nas cordas vocais, estresse e síndrome do pânico. Algumas dessas seqüelas poderiam estar associadas às conseqüências de uma batalha no Iraque, mas são os reflexos de anos de trabalho nos pregões da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros), em São Paulo.
Durante a semana, a Bolsa informou que abriria uma investigação para apurar as causas de uma série de desmaios entre os operadores durante os pregões (leia texto ao lado).
A Folha conversou com vários operadores e ouviu reclamações sobre as más condições de trabalho, que levaram muitos a desenvolver problemas físicos e mentais. Com receio de represálias das corretoras, apenas um deles aceitou se identificar. Eles temem ainda que as queixas levem à automação do pregão, a exemplo do que ocorreu na Bovespa, onde já trabalharam mais de 1.000 operadores e hoje há pouco mais de 70.
Marcelo Pizzo, 37, que opera desde 1982, conta que, pelo trabalho, teve problemas na coluna, no intestino e nas cordas vocais.
"Por causa do estresse, perdi 70 centímetros do intestino e precisei ficar seis meses afastado em recuperação. Tenho dois calos nas cordas vocais de tanto gritar e perdi 30% da capacidade auditiva do tímpano esquerdo pelo barulho do pregão. Temos de ficar o dia todo de pé. Tenho também dor na coluna por causa dos "pits" [canos que cercam as rodas de negócios] em que sentamos."
As queixas de dores na coluna são unânimes. Mas não únicas. Um outro operador deslocou duas vértebras por conta do uso excessivo dos telefones sem fio.
O problema surgiu em decorrência do modo como os operadores costumam segurar o telefone: entre o ombro e o ouvido. Segundo o operador, o telefone tem de ficar o tempo todo junto ao ouvido, sob o risco de perder uma ordem da corretora e, conseqüentemente, um negócio.
Mas as mazelas do trabalho não são só físicas. Os operadores relatam casos de estresse, depressão, síndrome do pânico e até desmaios. Outro operador contou que, em razão do estresse, teve depressão. Não conseguia mais falar, tampouco olhar para as pessoas. Nem para suas filhas. Ele chegou a ficar três dias internado em uma clínica especializada.
Os sintomas também foram sentidos por um operador, que há dez anos trabalha na BM&F. Mas, nesse caso, a depressão originou sintomas típicos da síndrome do pânico. Passou a não querer sair de casa, a ter medo de morrer e só se recuperou com auxílio de médicos e de antidepressivos.

Poucos banheiros
Os operadores reclamam também da ausência de itens simples, como banheiros no pregão. Segundo eles, os sanitários ficam no andar térreo, e o pregão, no subsolo, o que faz com que precisem deixar o pregão para ir ao banheiro. Só que, para isso, precisam da autorização dos gerentes, que nem sempre é concedida.
A falta de bebedouros também é motivo de reclamação. Eles dizem que, para beber água, precisam subir dois lances de escadas. Alguns andam com garrafas de água presas à cintura, mas a maioria fica com sede mesmo.
Segundo o psiquiatra Hermano Tavares, 37, as condições de trabalho dos operadores são propícias para o surgimento de problemas de saúde, como crises de estafa. Segundo ele, "o estresse constante leva a um quadro de ansiedade crônica, que, a longo prazo, pode causar depressão e síndrome do pânico".

Solução
Os operadores sabem que acabar com o estresse é impossível. Afinal, manuseiam diariamente mais de R$ 30 bilhões de terceiros. No entanto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Mercado de Capitais (Simc), Natalício da Silva, diz que há formas de minimizá-lo. "Nós queremos que um engenheiro do trabalho visite as instalações da Bolsa, veja o que está certo, o que está errado e dê sugestões de mudanças."
Silva, que, por conta dos 24 anos que operou na Bolsa, teve problemas de gastrite e úlcera, sugere também a divisão das férias em duas parcelas a cada seis meses.
Outra sugestão do sindicato seria uma sala de descompressão, com massagistas, música ambiente e lugar para sentar e deitar.


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