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POLÊMICA
Produtores querem liberar cultivo, e governo tenta combater plantio ilegal
Debate do transgênico chega ao algodão
MARTA SALOMON
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na tarde da última quinta-feira,
o empresário Jorge Maeda aproveitou uma escala no Ministério
da Agricultura na visita a Brasília
para pressionar o governo a liberar o cultivo de algodão transgênico já a partir de novembro, via
medida provisória.
"Se veio de contrabando, no
bolso do produtor, não sei porque
não sou fiscal do governo, mas
não tenho dúvida de que em todo
lugar [do país] já tem um pouco",
resumiu horas depois, já de volta
a Ituverava, interior de São Paulo,
de onde comanda a Associação
Brasileira dos Produtores de Algodão, a Abrapa.
Maeda é um dos grandes produtores do país, fornecedor da
Coteminas, indústria têxtil de
propriedade da família do vice-presidente José Alencar e que fica
com 20% do consumo anual de
algodão brasileiro. "Não compramos, e, se há algodão transgênico,
é muito pouco", rebate Josué
Alencar, filho do vice e presidente
da Coteminas, ele mesmo defensor da liberação do algodão geneticamente modificado.
"Sou a favor da liberação porque o algodão transgênico reduz
custos com a pulverização de inseticidas e, conseqüentemente, o
dano ambiental", disse Alencar.
O argumento é semelhante ao
divulgado no site da multinacional Monsanto, que detém a tecnologia de produção do algodão geneticamente modificado com a
Syngenta, outra multinacional do
ramo de sementes.
O endereço eletrônico da Monsanto, principal beneficiária da liberação da soja transgênica desde
2003 mediante a cobrança de royalties, registra a avaliação de que
o algodão seguiria o mesmo caminho do grão: "o cultivo ilegal irá
difundir-se no país".
Não se tratava apenas de uma
ameaça, como puderam aferir fiscais do Ministério da Agricultura.
No início de agosto, o ministério
confirmou os primeiros resultados de amostras coletadas em lavouras de Mato Grosso. Alguns
testes deram positivo: havia algodão geneticamente modificado
plantado clandestinamente no
país. Começava ali uma cruzada
para impedir que o algodão repetisse o caso da soja e virasse um fato consumado.
No caso da soja, o governo só
reagiu depois de colhidas cinco
safras ilegais e as culturas transgênicas atingirem quase 80% da
área plantada do grão no Rio
Grande do Sul. Naquela altura, a
destruição das lavouras repercutiria até no saldo das exportações.
Até a última sexta-feira, a equipe do ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) contabilizava
dez testes positivos entre 60
amostras analisadas de um total
de 591 amostras de algodão colhidas em sete Estados. Depois de
Mato Grosso, a fiscalização avançou por Mato Grosso do Sul,
Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Paraná. Nas próximas semanas, deverá atingir 15 Estados
produtores de algodão.
Os produtores de algodão e sementes já autuados por plantio
ilegal -cinco ao todo- poderão
ter de pagar multa de até R$ 18 mil
e mais US$ 125 por saca apreendida. As lavouras ainda podem ser
destruídas. Os produtores estão
ameaçados de perder o acesso ao
crédito, além de serem processados criminalmente.
O algodão modificado tem em
seu DNA um gene da bactéria Bacillus thuringiensis, a Bt, que produz uma toxina letal a lagartas.
Com isso, é menor a necessidade
de borrifação de inseticida.
Nos bastidores dos debates sobre a liberação de transgênicos no
Brasil, o algodão é a bola da vez,
uma preocupação que une tanto
os ambientalistas, liderados no
governo pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente), como tradicionais defensores dos transgênicos, como Roberto Rodrigues.
O que uniu os dois times foi
uma peculiaridade das lavouras
de algodão: o alto risco de o pólen
de uma planta transgênica contaminar espécies nativas. Isso transforma o cultivo clandestino do algodão transgênico em algo bem
mais perigoso do que as várias safras de soja plantadas a partir de
sementes contrabandeadas.
A Folha apurou que não há
chance de a liberação do cultivo
do algodão geneticamente modificado ocorrer antes do início do
cultivo da próxima safra, via MP,
como defendem alguns produtores, numa carona com a oitava safra de soja transgênica.
O pedido de liberação será avaliado a partir da próxima semana
pela CTNBio (Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança). Dificilmente a resposta sairá antes de
novembro, quando começa o
próximo cultivo.
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