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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil e China em rota de colisão?

ANTONIO BARROS DE CASTRO

U ma questão verdadeiramente estratégica para as empresas de grande porte na atualidade é onde -em que países- colocar as suas fábricas.
Primeiramente porque um crescente número de países vem adotando fortes políticas de atração de empresas estrangeiras. Há não mais que 20 anos, no entanto, para exemplificar, a Argentina e o México eram marcadamente hostis à instalação de empresas forâneas no seu território. Isso para não falar da China e da Índia, economias assumidamente fechadas.
Favorece ainda a transferência de fábricas para outros países e continentes o fato de que os custos de transportes baixaram drasticamente nos últimos decênios. Já os custos das comunicações tornaram-se, digamos, insignificantes nos mais recentes anos.
Como terceiro e mais relevante fator a estimular a migração de atividades manufatureiras, assinale-se que, contrariamente ao ocorrido com capitais e mercadorias, as barreiras à migração humana continuam enormes. Se isso já era assim antes do 11 de Setembro, ficou certamente muito pior desde então. Que o diga o presidente Fox, com seus frustrados planos de melhoria das condições de migração dentro do Nafta.
Por último, vamos à questão da mão-de-obra e de seu custo. A hora de trabalho de baixa qualificação chinesa custa aproximadamente 5% do pago nos EUA -e aproximadamente um terço do custo no México. Consta que o preço da mão-de-obra vem se elevando na China, mas é importante assinalar que o sistema educacional do país também está progredindo rapidamente. Na realidade, parece haver consenso em torno do fato de que uma educação básica razoável e alguma motivação são o que importa para a obtenção de produtos "classe mundial", em fábricas modernas e bem gerenciadas.
Não é fácil imaginar as imensas implicações desse novo quadro. A Unctad vem chamando a atenção, por exemplo, para o acirramento da competição Sul X Sul, dele decorrente. Na mesma direção, o professor Harley Shaiken, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Berkeley, apresentou um trabalho extremamente instigante no seminário "Brasil em Desenvolvimento", promovido pelo Instituto de Economia da UFRJ. Nele me inspiro para formular algumas questões cuja importância deverá crescer nos próximos anos.
Dados os avanços em curso na China, faz cada vez menos sentido supor que as vantagens competitivas do país ficarão limitadas às manufaturas trabalho-intensivas. Elas tendem, pelo contrário, a se estender, pelo menos, ao conjunto das tecnologias e produtos ditos maduros.
Uma outra questão fundamental pode ser assim enunciada: como ficarão posicionados, nesse novo mundo, os países de custo de mão-de-obra, digamos, intermediário? Eles não dispõem da capacidade inovativa dos mais avançados nem do seu poder de impor barreiras protecionistas -e algumas das economias de baixos salários mostram-se aptas a colocar no mercado internacional produtos idênticos, a custos significativamente inferiores.
Mas não há apenas aspectos negativos nesse novo quadro.
Já está ficando evidente, por exemplo, que a contrapartida do sucesso chinês é a sua voracidade importadora.
Num outro plano, e focalizando agora a nossa economia, convém indagar por que os demais países latino-americanos perderam (com a abertura) as empresas de brinquedos, calçados e confecções -o Brasil, não. Que lições tirar dessa resistência e reafirmação das indústrias tradicionais brasileiras? Mais que isso: por que diversas empresas domésticas brasileiras mostram-se tão exitosas, inclusive no terreno das tecnologias médias?
Enfim, estamos ingressando num outro mundo. Até o presente sobrevivemos à abertura e começamos a assistir, nos últimos dois anos, à inclusão das exportações nas estratégias de empresas que até então não haviam revelado capacidade de competir no mercado mundial. Não é um mal início.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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