|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil e China em rota de colisão?
ANTONIO BARROS DE CASTRO
U ma questão verdadeiramente estratégica para as
empresas de grande porte na
atualidade é onde -em que países- colocar as suas fábricas.
Primeiramente porque um
crescente número de países vem
adotando fortes políticas de atração de empresas estrangeiras. Há
não mais que 20 anos, no entanto, para exemplificar, a Argentina e o México eram marcadamente hostis à instalação de empresas forâneas no seu território.
Isso para não falar da China e da
Índia, economias assumidamente fechadas.
Favorece ainda a transferência
de fábricas para outros países e
continentes o fato de que os custos de transportes baixaram
drasticamente nos últimos decênios. Já os custos das comunicações tornaram-se, digamos, insignificantes nos mais recentes anos.
Como terceiro e mais relevante
fator a estimular a migração de
atividades manufatureiras, assinale-se que, contrariamente ao
ocorrido com capitais e mercadorias, as barreiras à migração humana continuam enormes. Se isso já era assim antes do 11 de Setembro, ficou certamente muito
pior desde então. Que o diga o
presidente Fox, com seus frustrados planos de melhoria das condições de migração dentro do
Nafta.
Por último, vamos à questão da
mão-de-obra e de seu custo. A hora de trabalho de baixa qualificação chinesa custa aproximadamente 5% do pago nos EUA -e
aproximadamente um terço do
custo no México. Consta que o
preço da mão-de-obra vem se elevando na China, mas é importante assinalar que o sistema
educacional do país também está
progredindo rapidamente. Na
realidade, parece haver consenso
em torno do fato de que uma
educação básica razoável e alguma motivação são o que importa
para a obtenção de produtos
"classe mundial", em fábricas
modernas e bem gerenciadas.
Não é fácil imaginar as imensas
implicações desse novo quadro. A
Unctad vem chamando a atenção, por exemplo, para o acirramento da competição Sul X Sul,
dele decorrente. Na mesma direção, o professor Harley Shaiken,
do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de
Berkeley, apresentou um trabalho extremamente instigante no
seminário "Brasil em Desenvolvimento", promovido pelo Instituto
de Economia da UFRJ. Nele me
inspiro para formular algumas
questões cuja importância deverá crescer nos próximos anos.
Dados os avanços em curso na
China, faz cada vez menos sentido supor que as vantagens competitivas do país ficarão limitadas às manufaturas trabalho-intensivas. Elas tendem, pelo contrário, a se estender, pelo menos,
ao conjunto das tecnologias e
produtos ditos maduros.
Uma outra questão fundamental pode ser assim enunciada: como ficarão posicionados, nesse
novo mundo, os países de custo
de mão-de-obra, digamos, intermediário? Eles não dispõem da
capacidade inovativa dos mais
avançados nem do seu poder de
impor barreiras protecionistas
-e algumas das economias de
baixos salários mostram-se aptas
a colocar no mercado internacional produtos idênticos, a custos
significativamente inferiores.
Mas não há apenas aspectos
negativos nesse novo quadro.
Já está ficando evidente, por
exemplo, que a contrapartida do
sucesso chinês é a sua voracidade
importadora.
Num outro plano, e focalizando
agora a nossa economia, convém
indagar por que os demais países
latino-americanos perderam
(com a abertura) as empresas de
brinquedos, calçados e confecções
-o Brasil, não. Que lições tirar
dessa resistência e reafirmação
das indústrias tradicionais brasileiras? Mais que isso: por que diversas empresas domésticas brasileiras mostram-se tão exitosas,
inclusive no terreno das tecnologias médias?
Enfim, estamos ingressando
num outro mundo. Até o presente sobrevivemos à abertura e começamos a assistir, nos últimos
dois anos, à inclusão das exportações nas estratégias de empresas
que até então não haviam revelado capacidade de competir no
mercado mundial. Não é um mal
início.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Receita ortodoxa: Com inflação sob controle, Copom decide juro Próximo Texto: Setor elétrico: Dilma nega ter criticado o BNDES Índice
|