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RUBENS RICUPERO
Dedo podre
É preciso adotar política eficaz para acabar com o desmatamento criminoso na Amazônia e no cerrado
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NO TEMPO de nossas avós, dizia-se que tinha dedo podre
a moça atraída por namorados que não prestavam. Ultimamente, a diplomacia ambiental brasileira
parece ter sofrido dessa fraqueza.
Em álcool, resolvemos namorar
os Estados Unidos, que nos abandonaram no altar sem abrir-nos o mercado. Ainda por cima nos comprometeram a inocência com sua má
reputação. Como a moeda falsa que
expulsa a boa, o milho contagiou a
cana, que tem agora de se defender o
tempo todo pela falta de alimentos
ou seu alto preço.
Em aquecimento global, sofremos
da falsa reputação de promiscuidade com a China e a Índia, países de
matriz energética suja, baseada no
carvão. Dependente de hidrelétricas, a matriz brasileira é relativamente limpa e nos daria posição
confortável. Jogamos fora a vantagem ao relutar em dizer claramente
que boa parte do agravamento do
problema provém agora dos emergentes sujos, inclusive das queimadas brasileiras.
O aumento da temperatura global
registrado até 1990 (0,76C) se devia, sobretudo, aos gases-estufa acumulados desde o início da Revolução Industrial pelos 30 e poucos países mais ricos. Por uma questão de
justiça e maiores recursos, era justo
que fossem eles os primeiros a assumirem metas obrigatórias de redução de gases.
Contudo, desde 1990, a maior parte do aumento das emissões (73%)
passou a vir dos países emergentes.
O alarmante é que, em vez de diminuir, a taxa de emissão vem aumentando mais de quatro vezes a partir
de 2000, em comparação com a década de 90 (saltou de 0,7% anual a
2,9%)!
As causas são várias, mas a principal é o crescimento predatório da
China, que inaugura uma usina de
carvão por semana. Diante disso, como se pode pretender que os campeões de velocidade do crescimento
econômico (e poluidor) no mundo
-China, Índia, asiáticos- continuem isentos de cobrança da mesma forma que o Haiti ou Burkina
Fasso?
O fenômeno é cumulativo: quanto
maior o volume de gases lançados à
atmosfera, maior será a alta de temperatura e pior a catástrofe. A essa
responsabilidade nova tem de corresponder contribuição maior para
combater a ameaça global.
A fim de atrair participação mais
efetiva dos emergentes, a diplomacia brasileira ajudou a lançar processo mais abrangente do que o anterior, restrito às metas (insuficientes) dos ricos. Na conferência de Bali, o Brasil foi também decisivo em avanços na questão das florestas e
na aceitação pelos países em desenvolvimento de metas voluntárias de
redução "quantificáveis, reportáveis
e fiscalizáveis".
Envergonhada e escondida, essa
evolução inegável tem a percepção
prejudicada por divisões internas e
discurso doutrinário que dão impressão oposta. Ainda não assumimos, na substância e também na forma, posição diferenciada como na
conferência do Rio de Janeiro, de
1992.
Naquela ocasião, o Brasil mostrou
que se diferenciava dos Estados
Unidos, de um lado, e dos emergentes sujos, do outro, recusando ser
membro de uma facção para desempenhar o papel de intermediário e
facilitador de consenso universal.
Para isso, é preciso: 1º) adotar política eficaz para acabar com o desmatamento criminoso na Amazônia
e no cerrado, nossa culpa principal
na matéria; 2º) agir não em função
da divisão Norte-Sul ou jogos diplomáticos de curto prazo, mas com
senso de responsabilidade à altura
de ameaça mortal à civilização no
Brasil e no mundo.
RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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