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Pacote não tira EUA da recessão, diz Roubini
Para ex-conselheiro de Bill Clinton, entusiasmo no Brasil deve ser menor
Economista diz que preços das commodities deverão cair 20% até 2009 e que as economias emergentes não ficarão mais imunes à crise
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os EUA enfrentam um aperto sem precedentes no crédito,
que funcionava como um complemento de renda do americano. A crise se traduz no dia-a-dia das pessoas com menos dinheiro no bolso, redução do
consumo e medo de perder o
emprego. Se alguém ainda tem
alguma dúvida do que isso significa, o economista Nouriel
Roubini, ex-conselheiro do governo Bill Clinton, afirma que o
país já vive uma recessão, exatamente como aconteceu em
2001. Considerado um dos
mais pessimistas entre os economistas da atualidade, Roubini diz que o pacote de redução
de impostos do presidente
Bush pouca diferença fará no
combate à crise. Diz ainda que o
Brasil e demais emergentes se
mantiveram relativamente
imunes às turbulências até agora "em parte por sorte", além de
alguma "melhora na política
econômica", e que o ano será
mais difícil para todo o mundo.
Leia trechos da entrevista.
FOLHA - O senhor foi um dos primeiros a falar em "pouso forçado"
nos EUA por conta da crise das hipotecas. Já pode afirmar que suas previsões viraram realidade?
NOURIEL ROUBINI - Acredito que
já estamos em recessão neste
momento. Ela começou no
quarto trimestre, talvez em dezembro, quando provavelmente tivemos um PIB negativo. A
recessão no setor imobiliário é
um desastre, que diminuiu o
patrimônio das famílias. A crise
de liquidez e o aperto no crédito chegaram. O mercado financeiro teve perdas maciças. E as
perdas serão muito maiores do
que as reportadas até agora. Temos o desemprego subindo e a
criação de vagas parada. Há um
abalo na confiança do consumidor. Estamos em recessão. Defino recessão como "hard landing" [pouso forçado ou freada
brusca na economia]. Minha
previsão se materializou.
FOLHA - O presidente Bush anunciou corte nos impostos. Será suficiente para conter a crise?
ROUBINI - Não acho que vai fazer muita diferença. Em 2001,
tivemos recessão apesar de um
pacote agressivo de corte de
impostos. Claro que esses pacotes combinados com estímulo na política monetária [corte
de juros] fazem essas recessões
durarem um pouco menos.
FOLHA - A eleição ajuda a recuperar a economia? Como democratas e
republicanos lidam com a recessão?
ROUBINI - Normalmente, a eleição presidencial traz mais foco
para a economia. Não acho que
vai afetar tanto os mercados.
Democratas e republicanos dificilmente farão alguma mudança nos principais drivers da
economia. Há um consenso de
corte de impostos, mas os republicanos querem tornar permanentes a redução tributária de
2001. E os democratas disseram que não. Há um desacordo
entre estímulos temporários e
permanentes. São essas as diferenças entre os dois partidos
sobre como lidar com esse desastre financeiro. Democratas
serão mais cuidadosos em pensar o papel dos reguladores no
setor de hipotecas e serão mais
agressivos para discutir quanto
terão de dar para os mutuários
que podem perder suas casas.
FOLHA - A crise beneficia mais democratas ou os republicanos?
ROUBINI - A atual administração pegou duas recessões, a de
2001 e a de 2008. O candidato
republicano talvez tenha mais
dificuldade para responder a isso. Uma recessão machuca o
partido que está no poder, que é
o partido republicano. Então, a
fraqueza econômica, a insegurança dos trabalhadores e das
famílias, especialmente da classe média, devem jogar a favor
dos democratas. Mas isso não
muda a política econômica.
FOLHA - No ano passado, o Brasil
passou um tanto imune à crise, o
que ficou conhecido como "descolamento" do risco dos emergentes. O
"descolamento" valerá em 2008?
ROUBINI - Este ano será mais
difícil para todas as economias
emergentes, incluindo o Brasil.
O Brasil fez tantas reformas
macroeconômicas que não
acredito em risco de crise financeira, como houve em 1999
e em 2002. É verdade que os
países emergentes passaram
bem em 2007 pelas turbulências em parte por melhores políticas econômicas, em parte
por boa sorte. Com a recessão
nos EUA, teremos um "recolamento" [de risco] no lugar do
"descolamento" que tivemos.
FOLHA - O que é o recolamento?
ROUBINI - Se tivéssemos só uma
"soft landing" [desaceleração]
poderíamos ter ainda um descolamento. Mas uma recessão,
tem efeitos no sistema financeiro, nas Bolsas, na confiança
na economia. Não estou falando em recessão global, mas em
uma significante desaceleração
econômica. Em um mundo em
que a atividade econômica será
menor, os preços das commodities vão cair, e os produtores
de commodities ficarão em situação mais difícil, incluindo o
Brasil. Isso é o "recolamento".
FOLHA - Houve um excesso de otimismo no Brasil? Passaremos por
uma correção desse entusiasmo?
ROUBINI - Talvez comece [uma
correção]. Claro, não terá o
mesmo número de IPOs [ofertas iniciais de ações] e [fluxo]
de investidores. O mercado altista no Brasil vai esbarrar no
preço das commodities. No médio prazo, talvez continue a
mesma boa história. Até o próximo ano, os preços das commodities devem cair em média
20%, algumas mais e outras
menos -2008 terá menos capital para países como o Brasil.
Não espero crise, mas menos
entusiasmo e um ano difícil.
FOLHA - Neste cenário, o grau de
investimento pode ser atrasado?
ROUBINI - Não estou certo. Desde que não ocorram mudanças
fiscais e o país mantenha a solidez, talvez consiga. A conquista
do grau de investimento [selo
de bom pagador da dívida] depende mais de condições fiscais
e não de políticas ou do cenário
de mercado. Talvez a decisão
não seja atrasada.
FOLHA - Quais as lições que levaremos dessa crise?
ROUBINI - A principal lição é
que, apesar de as inovações financeiras serem positivas, precisamos de uma supervisão
apropriada dos mercados. De
outra forma, criam-se distorções e excessos. Os mercados
privados funcionam, mas precisam de instituições.
FOLHA - Teremos aperfeiçoamentos no papel das agências de risco,
reguladores e mercados?
ROUBINI - Espero que tenhamos discussões sobre o quanto
são confiáveis essas agências de
risco e os modelos dos bancos.
Teremos de discutir assuntos
como falta de transparência.
Há muito o que repensar.
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