São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pacote não tira EUA da recessão, diz Roubini

Para ex-conselheiro de Bill Clinton, entusiasmo no Brasil deve ser menor

Economista diz que preços das commodities deverão cair 20% até 2009 e que as economias emergentes não ficarão mais imunes à crise

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os EUA enfrentam um aperto sem precedentes no crédito, que funcionava como um complemento de renda do americano. A crise se traduz no dia-a-dia das pessoas com menos dinheiro no bolso, redução do consumo e medo de perder o emprego. Se alguém ainda tem alguma dúvida do que isso significa, o economista Nouriel Roubini, ex-conselheiro do governo Bill Clinton, afirma que o país já vive uma recessão, exatamente como aconteceu em 2001. Considerado um dos mais pessimistas entre os economistas da atualidade, Roubini diz que o pacote de redução de impostos do presidente Bush pouca diferença fará no combate à crise. Diz ainda que o Brasil e demais emergentes se mantiveram relativamente imunes às turbulências até agora "em parte por sorte", além de alguma "melhora na política econômica", e que o ano será mais difícil para todo o mundo. Leia trechos da entrevista.  

FOLHA - O senhor foi um dos primeiros a falar em "pouso forçado" nos EUA por conta da crise das hipotecas. Já pode afirmar que suas previsões viraram realidade?
NOURIEL ROUBINI
- Acredito que já estamos em recessão neste momento. Ela começou no quarto trimestre, talvez em dezembro, quando provavelmente tivemos um PIB negativo. A recessão no setor imobiliário é um desastre, que diminuiu o patrimônio das famílias. A crise de liquidez e o aperto no crédito chegaram. O mercado financeiro teve perdas maciças. E as perdas serão muito maiores do que as reportadas até agora. Temos o desemprego subindo e a criação de vagas parada. Há um abalo na confiança do consumidor. Estamos em recessão. Defino recessão como "hard landing" [pouso forçado ou freada brusca na economia]. Minha previsão se materializou.

FOLHA - O presidente Bush anunciou corte nos impostos. Será suficiente para conter a crise?
ROUBINI
- Não acho que vai fazer muita diferença. Em 2001, tivemos recessão apesar de um pacote agressivo de corte de impostos. Claro que esses pacotes combinados com estímulo na política monetária [corte de juros] fazem essas recessões durarem um pouco menos.

FOLHA - A eleição ajuda a recuperar a economia? Como democratas e republicanos lidam com a recessão?
ROUBINI
- Normalmente, a eleição presidencial traz mais foco para a economia. Não acho que vai afetar tanto os mercados. Democratas e republicanos dificilmente farão alguma mudança nos principais drivers da economia. Há um consenso de corte de impostos, mas os republicanos querem tornar permanentes a redução tributária de 2001. E os democratas disseram que não. Há um desacordo entre estímulos temporários e permanentes. São essas as diferenças entre os dois partidos sobre como lidar com esse desastre financeiro. Democratas serão mais cuidadosos em pensar o papel dos reguladores no setor de hipotecas e serão mais agressivos para discutir quanto terão de dar para os mutuários que podem perder suas casas.

FOLHA - A crise beneficia mais democratas ou os republicanos?
ROUBINI
- A atual administração pegou duas recessões, a de 2001 e a de 2008. O candidato republicano talvez tenha mais dificuldade para responder a isso. Uma recessão machuca o partido que está no poder, que é o partido republicano. Então, a fraqueza econômica, a insegurança dos trabalhadores e das famílias, especialmente da classe média, devem jogar a favor dos democratas. Mas isso não muda a política econômica.

FOLHA - No ano passado, o Brasil passou um tanto imune à crise, o que ficou conhecido como "descolamento" do risco dos emergentes. O "descolamento" valerá em 2008?
ROUBINI
- Este ano será mais difícil para todas as economias emergentes, incluindo o Brasil. O Brasil fez tantas reformas macroeconômicas que não acredito em risco de crise financeira, como houve em 1999 e em 2002. É verdade que os países emergentes passaram bem em 2007 pelas turbulências em parte por melhores políticas econômicas, em parte por boa sorte. Com a recessão nos EUA, teremos um "recolamento" [de risco] no lugar do "descolamento" que tivemos.

FOLHA - O que é o recolamento?
ROUBINI
- Se tivéssemos só uma "soft landing" [desaceleração] poderíamos ter ainda um descolamento. Mas uma recessão, tem efeitos no sistema financeiro, nas Bolsas, na confiança na economia. Não estou falando em recessão global, mas em uma significante desaceleração econômica. Em um mundo em que a atividade econômica será menor, os preços das commodities vão cair, e os produtores de commodities ficarão em situação mais difícil, incluindo o Brasil. Isso é o "recolamento".

FOLHA - Houve um excesso de otimismo no Brasil? Passaremos por uma correção desse entusiasmo?
ROUBINI
- Talvez comece [uma correção]. Claro, não terá o mesmo número de IPOs [ofertas iniciais de ações] e [fluxo] de investidores. O mercado altista no Brasil vai esbarrar no preço das commodities. No médio prazo, talvez continue a mesma boa história. Até o próximo ano, os preços das commodities devem cair em média 20%, algumas mais e outras menos -2008 terá menos capital para países como o Brasil. Não espero crise, mas menos entusiasmo e um ano difícil.

FOLHA - Neste cenário, o grau de investimento pode ser atrasado?
ROUBINI
- Não estou certo. Desde que não ocorram mudanças fiscais e o país mantenha a solidez, talvez consiga. A conquista do grau de investimento [selo de bom pagador da dívida] depende mais de condições fiscais e não de políticas ou do cenário de mercado. Talvez a decisão não seja atrasada.

FOLHA - Quais as lições que levaremos dessa crise?
ROUBINI
- A principal lição é que, apesar de as inovações financeiras serem positivas, precisamos de uma supervisão apropriada dos mercados. De outra forma, criam-se distorções e excessos. Os mercados privados funcionam, mas precisam de instituições.

FOLHA - Teremos aperfeiçoamentos no papel das agências de risco, reguladores e mercados?
ROUBINI
- Espero que tenhamos discussões sobre o quanto são confiáveis essas agências de risco e os modelos dos bancos. Teremos de discutir assuntos como falta de transparência. Há muito o que repensar.


Texto Anterior: Lula faz turnê por projetos de saneamento
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.