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OPINIÃO ECONÔMICA
A moratória de 1987
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Toda nação passa por situações-limite, por momentos em
que ela é chamada a tomar e
sustentar decisões arriscadas. O
Brasil é um país capaz de enfrentar desafios desse tipo? Eis
aí uma questão difícil e dolorosa, que não pretendo voltar a
discutir hoje.
Mas em fevereiro de 1987 estávamos diante de uma dessas situações-limite. E a moratória
unilateral, decretada há exatamente dez anos, era na ocasião
a única resposta consistente
com a defesa da independência
do país.
Transcorrida uma década,
não tenho razões para modificar a avaliação desse episódio,
que apresentei em livro publicado pouco tempo depois (``Da
Crise Internacional à Moratória Brasileira'', editora Paz e
Terra, 1988).
Tendo sido um dos responsáveis por essa decisão controvertida, falta-me naturalmente
isenção para comentá-la. Por
outro lado, e pela mesma razão,
tenho do assunto um conhecimento um pouco maior do que
o da grande maioria dos que se
dispõem a comentá-lo, valendo-se não raro de atitudes levianas e subalternas.
Para avaliar a moratória é
fundamental ter em conta as
circunstâncias da época. O Plano Cruzado, lançado um ano
antes, levara a uma forte expansão da demanda interna e a
uma apreciação real da taxa de
câmbio. Era uma conjuntura
até certo ponto parecida com a
da fase inicial do Plano Real,
entre meados de 1994 e início de
1995, embora a valorização
cambial do cruzado tenha sido
bem menos intensa do que a do
real.
Mas a diferença fundamental
era outra. O programa liderado
por Dilson Funaro não tinha a
possibilidade de financiar desequilíbrios de balanço de pagamentos com capitais externos.
Desde 1982, os mercados financeiros internacionais estavam fechados para o Brasil. A
intransigência dos credores,
que sempre insistiam em impor
acordos draconianos, obrigava
países como o Brasil a realizar
enormes transferências de recursos reais ao exterior, com
grave prejuízo para a estabilidade e possibilidades de desenvolvimento de suas economias.
Nesse contexto, o Plano Cruzado teve como consequência
uma queda substancial do nível
de reservas internacionais do
Brasil. O risco que corríamos
era o de nos vermos novamente
na situação de 1982-83: sem reservas e obrigados a aceitar
passivamente as imposições dos
credores.
A suspensão de pagamentos
teve, assim, dois objetivos. O
primeiro era estancar a perda
de reservas e, na sequência, permitir a sua recuperação gradual. Esse objetivo foi logo alcançado, já em 1987.
O segundo objetivo, mais ambicioso, era pressionar os credores a aceitar uma mudança nos
termos da negociação da dívida. Para alcançá-lo, a moratória fora decretada unilateralmente e por prazo indeterminado. A retomada de pagamentos
ficara expressamente condicionada a avanços no processo de
negociação.
Como seria de se esperar, a
reação nos meios financeiros
internacionais foi de desagrado
e preocupação. Mas em muitos
círculos no exterior, inclusive
no meio bancário, prevaleceu a
percepção de que o passo dado
pelo Brasil modificaria inevitavelmente os rumos da crise internacional da dívida.
Paul Krugman, um dos mais
conhecidos economistas norte-americanos da nova geração,
em livro publicado em 1988 com
Maurice Obstfeld, referiu-se nos
seguintes termos à moratória
brasileira: ``Em fevereiro de
1987, o Brasil atordoou o mundo ao suspender unilateralmente os pagamentos de juros sobre
a sua dívida com bancos comerciais por um período indefinido. No momento em que escrevemos, as consequências últimas da ação do Brasil ainda
não estão claras. Outro devedores importantes não seguiram o
exemplo do Brasil. Contudo, alguns credores bancários (liderados pelo Citicorp em maio de
1987) decidiram aumentar de
forma acentuada as suas provisões contra créditos duvidosos.
Essas ações envolveram grandes
perdas contábeis e a admissão
tácita pelos bancos de que eles
não esperam o repagamento integral.''
Essa admissão tácita abriria
caminho, ainda que não imediatamente, para modificar os
acordos de reestruturação das
dívidas. O equacionamento do
problema, que aconteceria nos
anos 90, só não foi mais rápido
e mais favorável ao Brasil porque faltou aos governos brasileiros capacidade e determinação de aproveitar plenamente
as oportunidades de negociação
propiciadas pela suspensão de
pagamentos.
Durante a desastrosa gestão
de Mailson da Nóbrega, no Ministério da Fazenda, o Brasil
rendeu-se às exigências dos
bancos credores. Em 1988, os
pagamentos chegaram a nada
menos que US$ 20,3 bilhões entre juros e amortizações, com o
único benefício visível de melhorar a reputação pessoal dos
responsáveis por esse feito nos
círculos financeiros internacionais.
Os acordos assinados na ocasião não duraram mais que alguns meses. Já em 1989, ainda
na gestão Mailson, o Brasil voltava, envergonhado e desmoralizado, à suspensão de pagamentos.
Vale a pena recordar isso tudo? Há pelo menos uma razão
importante para fazê-lo. Não se
deve perder de vista que as sementes da moratória de 1987 e
da longa crise da dívida externa que a antecedeu foram plantadas nos anos 70, época em
que o Brasil se iludia com a
farta disponibilidade de capitais externos.
Agora que o Brasil foi lançado
em mais um ciclo de endividamento, agora que se deposita
novamente grande confiança
na possibilidade de depender
intensamente de dinheiro estrangeiro, convém não esquecer
o sofrimento e as agruras que
experimentamos, nos anos 80,
como consequência de excessos
e imprudências cometidos no
período de liquidez internacional abundante da década de 70.
Convém, também, não estigmatizar irrefletidamente decisões que, embora drásticas, foram necessárias em sua época e
podem voltar a sê-lo, se e quando os excessos e imprudências
de hoje desembocarem em nova
crise de endividamento.
Paulo Nogueira Batista Jr., 41, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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