UOL


São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A armadilha dos juros

Não adianta achar que o mercado vai se tranquilizar por muito tempo com essa alta das taxas de juros Selic, decretada ontem pelo Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central). Daqui a alguns dias as contas serão sobre o impacto na dívida interna, e o nervosismo estará de volta.
O tal do mercado reflete as expectativas do capital especulativo. Essas expectativas se transmitem para o capital produtivo na forma do risco-país, que baliza os cálculos das taxas de retorno dos investimentos no médio prazo. Não interessa nem a um capital nem a outro a volatilidade do câmbio.
Nos anos 90, o tal do mercado impôs a ideologia do câmbio fixo, do "currency board" e da dolarização. Exigiu política agressiva de juros de curto prazo e apreciação cambial, com frustração do crescimento. O capital especulativo entrou, se esbaldou, virou consumo e passivo público. O capital produtivo parou quando percebeu que o mercado interno não cresceria. Atendeu-se o dia-a-dia, abortou-se o crescimento e criou-se uma situação potencialmente explosiva de passivo interno e externo.
O "mercado" não insiste mais no controle de câmbio, a realidade o obrigou a aceitar o câmbio flutuante. Mas a garantia de tranquilidade passou a ser o Banco Central independente e a política de fixação dos juros de acordo com (1) as "metas inflacionárias" e (2) com o chamado "risco Brasil", que ajuda na formação das taxas de longo prazo da economia.
Venha-se para o mundo real, agora.
1) A economia brasileira é basicamente fechada. Tem-se um mercado cambial que (ainda) depende basicamente de fluxos financeiros. Qualquer aumento ou redução dos fluxos tem efeito imediato sobre o nível do câmbio e, consequentemente, sobre o nível de preços da economia. Um dos mais relevantes economistas brasileiros dos últimos 20 anos, Yoshiaki Nakano, tem escrito que a política de "metas inflacionárias" foi implantada no país antes de estarem asseguradas as condições necessárias para seu sucesso: uma situação externa menos vulnerável.
2) Conforme vem demonstrando competentemente o analista Paulo Tenani, do Citrigroup, o "risco Brasil" guarda pouquíssima correlação com os fundamentos da economia. De fator interno relevante para a sua fixação, tem-se a relação dívida/PIB (que é afetada negativamente pelos juros altos) e o superávit primário. O que pesa mesmo é a taxa de juros internacional, a percepção de risco em relação aos emergentes.
A cada choque interno ou externo (eleições, guerra, crise de governança corporativa, faniquitos de Bush Júnior), o dólar sobe, pressiona os preços internos, o risco Brasil aumenta e o BC aumenta os juros. O efeito imediato da elevação dos juros é derrubar mais ainda a atividade econômica (com resultados discutíveis sobre a formação de preços) e aumentar a proporção dívida/PIB. Simplesmente para aguardar o próximo choque interno ou externo. Ou se acha que depois do Iraque entraremos em uma paz suíça?
Por isso mesmo, em vez de buscar comprovações científicas de que alta da taxa real de juros derruba crescimento do PIB, fariam melhor nossos doutos economistas em buscar saídas para o impasse. Mais do que nunca, o país precisa de competência técnica e imaginação criadora da parte dos economistas.

E-mail - lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Vizinho em crise: BID libera US$ 750 mi para Argentina
Próximo Texto: Imóveis: Correção de 1990 pode favorecer bancos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.