São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

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RISCOS

Após anunciar plano de proibir uso do mineral, considerado nocivo à saúde, Planalto recua; pressão de fabricantes divide ministérios

Governo adia decisão de banir amianto do país

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Lula já recua e adia a decisão de banir do país a extração e o uso do amianto, matéria-prima utilizada na produção de telhas e caixas d'água, que, comprovadamente, faz mal à saúde.
Há um ano, representantes do Ministério do Trabalho informaram à Folha que o fim do uso do mineral já era um decisão de governo e que uma comissão interministerial iria estabelecer prazos para o desenvolvimento de materiais alternativos. "É uma decisão de governo", disse Ruth Vilela, secretária de inspeção do Ministério do Trabalho, na época, referindo-se ao banimento do mineral.
Técnicos dos ministérios que participam da comissão afirmam que hoje o governo está indeciso. O banimento da extração e do uso do mineral pode não ocorrer com base no relatório técnico a ser apresentado. Dizem que a decisão será política, não técnica.
Criada em abril do ano passado, a comissão tinha 180 dias para concluir seu trabalho. Não conseguiu. O relatório da cadeia produtiva do setor deve estar finalizado, agora, até o dia 14 de abril.
Até que o mapeamento da extração e do uso do amianto seja concluído, as duas maiores fabricantes de telhas e caixas d'água do país -a Eternit, com capital 100% nacional, e a Brasilit, do grupo francês Saint-Gobain- estão em pé-de-guerra e provocam um racha nos ministérios de Lula.
A Eternit, dona da única mina de amianto do país, que fica localizada em Minaçu (GO), tenta convencer o governo, com documentos e visitas à mina e às suas fábricas, de que, hoje, a extração e o uso desse mineral são seguros.
Isto é, quem trabalha na mina ou nas suas fábricas, segundo a Eternit, não corre mais risco de ter doenças pulmonares e até câncer, como no passado, pois a empresa aprimorou as técnicas de manuseio e uso do mineral.
A Brasilit, que optou por substituir o mineral por um derivado de polipropileno, tenta convencer o governo de que, assim como ocorreu em 42 países, o Brasil deve banir o amianto porque esse mineral causa danos à saúde de quem utiliza e lida com os produtos que contêm a matéria-prima.
Técnicos dos ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, do Trabalho e da Previdência são favoráveis ao banimento, enquanto os do de Minas e Energia e do Desenvolvimento têm posição contrária. Casa Civil e Relações Exteriores ainda não se manifestaram, segundo a Folha apurou.
O lobby das duas indústrias para convencer o governo de suas posições é forte. Para a Eternit, o que está em jogo é um negócio que envolve 12 indústrias, movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano em toda a sua cadeia produtiva, cria 5.000 empregos diretos e 200 mil indiretos no país.
Para a Brasilit, que investiu R$ 100 milhões numa fábrica em Jacareí (SP) para produzir fio de polipropileno (substituto do amianto), o Brasil tem de seguir tendência mundial e banir o mineral.
Domingos Lino, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho e coordenador da comissão interministerial, informa que a comissão está colhendo informações e argumentos das indústrias e dos trabalhadores envolvidos no setor para subsidiar o governo (Casa Civil) na sua tomada de decisão. "Vai ser difícil chegarmos a um consenso", admite.

Genebra
A auditora fiscal do Ministério do Trabalho Fernanda Giannasi, uma das maiores defensoras do banimento do amianto, informa que o recuo do governo ficou evidente numa reunião de países em Genebra, no segundo semestre do ano passado, para discutir uma lista de produtos tóxicos que precisam de prévia aprovação para serem importados/exportados. Na hora de o Brasil votar, o representante brasileiro se absteve.
A auditora fiscal foi uma das principais responsáveis pela criação da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), em 1995. A associação conseguiu reunir trabalhadores e ex-trabalhadores nas indústrias de produtos de fibrocimento que usavam ou ainda usam o amianto. De 1.500 trabalhadores expostos ao mineral, 720 têm algum problema causado pelo amianto, segundo levantamento da Abrea.
Com base nesse levantamento, o Ministério Público de São Paulo move ação coletiva contra a Eternit, desde março de 2004, que prevê indenização para trabalhadores e ex-funcionários da empresa.
Em julho, a juíza Teresa Cristina Rodrigues dos Santos, da 18ª Vara Cível, julgou parcialmente procedente a ação e determinou que a Eternit pague uma indenização -que varia de acordo com o tipo de doença- aos trabalhadores comprovadamente doentes por conta da exposição ao mineral.
A empresa recorreu, e ainda não saiu nova decisão da Justiça. "O Ministério Público vai defender a indenização porque o amianto, comprovadamente, faz mal à saúde dos trabalhadores", afirma José Paulo França Piva, promotor de Justiça do Grupo de Saúde Pública do Ministério Público.
"A empresa reconhece 250 casos de disfunção respiratória. Cerca de 200 trabalhadores entraram em contato conosco e têm tratamento bancado pela companhia. A minoria que não nos procurou foi para a Abrea, que tem interesse econômico nesse negócio", afirma Élio A. Martins, presidente da diretoria da Eternit.

Alternativas
Para Vanderley John, professor associado do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), mais do que discutir a extinção do amianto, o governo deve dar condições para as empresas criarem matérias-primas alternativas.
"Discutir o banimento ou não é bobagem, é ação política. O governo tem de criar condições para ajudar o mercado a trocar o mineral por outros insumos. Na Europa, quando houve a decisão de muitos países de extinguir o uso do amianto, ninguém mais trabalhava com ele", afirma John.
Nos EUA, não há decisão política de banir o uso do mineral, mas seu uso é restrito. Enquanto no Brasil o limite é de duas fibras por centímetro cúbico, nos EUA é de 0,2 fibra por centímetro cúbico -isto é, lá é 20 vezes menor. "E lá a fiscalização é muito mais rigorosa. Aqui o amianto pode ser usado até em cosméticos", diz Giannasi.


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