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RISCOS
Após anunciar plano de proibir uso do mineral, considerado nocivo à saúde, Planalto recua; pressão de fabricantes divide ministérios
Governo adia decisão de banir amianto do país
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo Lula já recua e adia a
decisão de banir do país a extração e o uso do amianto, matéria-prima utilizada na produção de
telhas e caixas d'água, que, comprovadamente, faz mal à saúde.
Há um ano, representantes do
Ministério do Trabalho informaram à Folha que o fim do uso do
mineral já era um decisão de governo e que uma comissão interministerial iria estabelecer prazos
para o desenvolvimento de materiais alternativos. "É uma decisão
de governo", disse Ruth Vilela, secretária de inspeção do Ministério
do Trabalho, na época, referindo-se ao banimento do mineral.
Técnicos dos ministérios que
participam da comissão afirmam
que hoje o governo está indeciso.
O banimento da extração e do uso
do mineral pode não ocorrer com
base no relatório técnico a ser
apresentado. Dizem que a decisão
será política, não técnica.
Criada em abril do ano passado,
a comissão tinha 180 dias para
concluir seu trabalho. Não conseguiu. O relatório da cadeia produtiva do setor deve estar finalizado,
agora, até o dia 14 de abril.
Até que o mapeamento da extração e do uso do amianto seja
concluído, as duas maiores fabricantes de telhas e caixas d'água do
país -a Eternit, com capital
100% nacional, e a Brasilit, do grupo francês Saint-Gobain- estão
em pé-de-guerra e provocam um
racha nos ministérios de Lula.
A Eternit, dona da única mina
de amianto do país, que fica localizada em Minaçu (GO), tenta
convencer o governo, com documentos e visitas à mina e às suas
fábricas, de que, hoje, a extração e
o uso desse mineral são seguros.
Isto é, quem trabalha na mina
ou nas suas fábricas, segundo a
Eternit, não corre mais risco de ter
doenças pulmonares e até câncer,
como no passado, pois a empresa
aprimorou as técnicas de manuseio e uso do mineral.
A Brasilit, que optou por substituir o mineral por um derivado de
polipropileno, tenta convencer o
governo de que, assim como
ocorreu em 42 países, o Brasil deve banir o amianto porque esse
mineral causa danos à saúde de
quem utiliza e lida com os produtos que contêm a matéria-prima.
Técnicos dos ministérios do
Meio Ambiente, da Saúde, do
Trabalho e da Previdência são favoráveis ao banimento, enquanto
os do de Minas e Energia e do Desenvolvimento têm posição contrária. Casa Civil e Relações Exteriores ainda não se manifestaram,
segundo a Folha apurou.
O lobby das duas indústrias para convencer o governo de suas
posições é forte. Para a Eternit, o
que está em jogo é um negócio
que envolve 12 indústrias, movimenta cerca de R$ 2 bilhões por
ano em toda a sua cadeia produtiva, cria 5.000 empregos diretos e
200 mil indiretos no país.
Para a Brasilit, que investiu R$
100 milhões numa fábrica em Jacareí (SP) para produzir fio de polipropileno (substituto do amianto), o Brasil tem de seguir tendência mundial e banir o mineral.
Domingos Lino, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho
e coordenador da comissão interministerial, informa que a comissão está colhendo informações e
argumentos das indústrias e dos
trabalhadores envolvidos no setor
para subsidiar o governo (Casa
Civil) na sua tomada de decisão.
"Vai ser difícil chegarmos a um
consenso", admite.
Genebra
A auditora fiscal do Ministério
do Trabalho Fernanda Giannasi,
uma das maiores defensoras do
banimento do amianto, informa
que o recuo do governo ficou evidente numa reunião de países em
Genebra, no segundo semestre do
ano passado, para discutir uma
lista de produtos tóxicos que precisam de prévia aprovação para
serem importados/exportados.
Na hora de o Brasil votar, o representante brasileiro se absteve.
A auditora fiscal foi uma das
principais responsáveis pela criação da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto),
em 1995. A associação conseguiu
reunir trabalhadores e ex-trabalhadores nas indústrias de produtos de fibrocimento que usavam
ou ainda usam o amianto. De
1.500 trabalhadores expostos ao
mineral, 720 têm algum problema
causado pelo amianto, segundo
levantamento da Abrea.
Com base nesse levantamento,
o Ministério Público de São Paulo
move ação coletiva contra a Eternit, desde março de 2004, que prevê indenização para trabalhadores e ex-funcionários da empresa.
Em julho, a juíza Teresa Cristina
Rodrigues dos Santos, da 18ª Vara
Cível, julgou parcialmente procedente a ação e determinou que a
Eternit pague uma indenização
-que varia de acordo com o tipo
de doença- aos trabalhadores
comprovadamente doentes por
conta da exposição ao mineral.
A empresa recorreu, e ainda não
saiu nova decisão da Justiça. "O
Ministério Público vai defender a
indenização porque o amianto,
comprovadamente, faz mal à saúde dos trabalhadores", afirma José Paulo França Piva, promotor
de Justiça do Grupo de Saúde Pública do Ministério Público.
"A empresa reconhece 250 casos de disfunção respiratória.
Cerca de 200 trabalhadores entraram em contato conosco e têm
tratamento bancado pela companhia. A minoria que não nos procurou foi para a Abrea, que tem
interesse econômico nesse negócio", afirma Élio A. Martins, presidente da diretoria da Eternit.
Alternativas
Para Vanderley John, professor
associado do Departamento de
Engenharia de Construção Civil
da Escola Politécnica da USP
(Universidade de São Paulo),
mais do que discutir a extinção do
amianto, o governo deve dar condições para as empresas criarem
matérias-primas alternativas.
"Discutir o banimento ou não é
bobagem, é ação política. O governo tem de criar condições para
ajudar o mercado a trocar o mineral por outros insumos. Na Europa, quando houve a decisão de
muitos países de extinguir o uso
do amianto, ninguém mais trabalhava com ele", afirma John.
Nos EUA, não há decisão política de banir o uso do mineral, mas
seu uso é restrito. Enquanto no
Brasil o limite é de duas fibras por
centímetro cúbico, nos EUA é de
0,2 fibra por centímetro cúbico
-isto é, lá é 20 vezes menor. "E lá
a fiscalização é muito mais rigorosa. Aqui o amianto pode ser usado
até em cosméticos", diz Giannasi.
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