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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
"Doença holandesa" ou amnésia?
Se os "keynesianos de quermesse"
não confessarem amnésia,
poderão alegar privação
momentânea de sentidos
DIZEM QUE o Brasil não tem
memória. Não sei se é verdade nem é esse o meu assunto,
pois hoje quero discutir um outro
caso de amnésia: a que afeta os economistas e líderes empresariais que,
com grande fanfarra, anunciaram
aos quatro ventos a morte iminente
(e prematura) da indústria brasileira
vitimada pela "doença holandesa".
Os suspeitos de sempre proclamavam há pouco que a taxa de câmbio
abaixo de R$ 2,00 faria a indústria
perder participação no PIB, além de
inibir os investimentos privados
(apesar do barateamento dos bens
de capital), e que a taxa de juros não
permitiria que o país retomasse o rumo do crescimento acelerado.
No entanto, lendo os jornais deste
fim de semana, descobri surpreso
que vários desses profetas, na esteira
da divulgação dos bons resultados da
produção industrial no ano passado,
vêm agora a público celebrar o que
diziam que não iria ocorrer e afirmar
sorridentes que mais ainda está por
vir. Refletindo um pouco sobre essas
afirmações, vi que só me restam
duas alternativas para explicar essa
súbita conversão: ou os profetas padecem de amnésia ou acreditam que
o digníssimo público sofra.
Os números mostram que, além
de a expansão industrial ter sido bastante elevada em 2007 (6%, atingindo média de 5% anuais nos últimos
quatro anos), foi também muito difundida (65 dos 76 segmentos industriais cresceram, desempenho muito similar ao de 2004, quando 67
segmentos cresceram), mostrando
que o crescimento não ficou restrito
a poucas indústrias, presumivelmente ligadas às commodities.
Ainda mais interessante, nenhum
dos cinco segmentos que mais se expandiram (máquinas e equipamentos, veículos, computadores, material elétrico, outros equipamentos
de transporte) mostra nenhuma relação mais profunda com o setor
produtor de commodities. Pelo contrário, falamos de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de
médio para alto. Em contraste, entre
os segmentos com pior desempenho
(fumo, madeira, calçados, diversos,
eletrônicos), apenas o último se qualificaria como tal.
Não bastasse isso, a produção de
bens de capital para fins industriais
cresceu 17%, à qual se soma uma expansão de 32% da importação de
bens de capital, mostrando que os
empresários propriamente ditos
preferiram ignorar os alertas de seus
"líderes" -segundo quem "a interpretação de que a alta da produção
de bens de capital é sinal de revigoramento da indústria é questionável"
(Folha, 26/05/2007)- e investiram na modernização e na ampliação de suas fábricas.
Em linha com esse desenvolvimento, a criação de empregos industriais atingiu a marca de 395
mil novos postos (aumento de 60%
sobre 2006), correspondentes a
um em cada quatro novos empregos, desempenho certamente inconsistente com a tese da perda de
participação da indústria na economia.
Em face dessa avalanche de evidências, deve ficar claro que o Brasil não padece de desindustrialização, ou "doença holandesa", ou
qualquer outro nome que os "desenvolvimentistas" possam ter
criado para batizar um fenômeno
inexistente. E, em face deste artigo,
espero, deve ficar claro também
que o público também não tem
motivos para sofrer de amnésia.
Mas, fica minha sugestão, caso
nossos "keynesianos de quermesse" não queiram confessar amnésia, podem alegar privação momentânea de sentidos. No mínimo,
ajudaria a explicar como conseguiram ignorar essa montanha de dados.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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