São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

"Doença holandesa" ou amnésia?

Se os "keynesianos de quermesse" não confessarem amnésia, poderão alegar privação momentânea de sentidos

DIZEM QUE o Brasil não tem memória. Não sei se é verdade nem é esse o meu assunto, pois hoje quero discutir um outro caso de amnésia: a que afeta os economistas e líderes empresariais que, com grande fanfarra, anunciaram aos quatro ventos a morte iminente (e prematura) da indústria brasileira vitimada pela "doença holandesa".
Os suspeitos de sempre proclamavam há pouco que a taxa de câmbio abaixo de R$ 2,00 faria a indústria perder participação no PIB, além de inibir os investimentos privados (apesar do barateamento dos bens de capital), e que a taxa de juros não permitiria que o país retomasse o rumo do crescimento acelerado.
No entanto, lendo os jornais deste fim de semana, descobri surpreso que vários desses profetas, na esteira da divulgação dos bons resultados da produção industrial no ano passado, vêm agora a público celebrar o que diziam que não iria ocorrer e afirmar sorridentes que mais ainda está por vir. Refletindo um pouco sobre essas afirmações, vi que só me restam duas alternativas para explicar essa súbita conversão: ou os profetas padecem de amnésia ou acreditam que o digníssimo público sofra.
Os números mostram que, além de a expansão industrial ter sido bastante elevada em 2007 (6%, atingindo média de 5% anuais nos últimos quatro anos), foi também muito difundida (65 dos 76 segmentos industriais cresceram, desempenho muito similar ao de 2004, quando 67 segmentos cresceram), mostrando que o crescimento não ficou restrito a poucas indústrias, presumivelmente ligadas às commodities.
Ainda mais interessante, nenhum dos cinco segmentos que mais se expandiram (máquinas e equipamentos, veículos, computadores, material elétrico, outros equipamentos de transporte) mostra nenhuma relação mais profunda com o setor produtor de commodities. Pelo contrário, falamos de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de médio para alto. Em contraste, entre os segmentos com pior desempenho (fumo, madeira, calçados, diversos, eletrônicos), apenas o último se qualificaria como tal.
Não bastasse isso, a produção de bens de capital para fins industriais cresceu 17%, à qual se soma uma expansão de 32% da importação de bens de capital, mostrando que os empresários propriamente ditos preferiram ignorar os alertas de seus "líderes" -segundo quem "a interpretação de que a alta da produção de bens de capital é sinal de revigoramento da indústria é questionável" (Folha, 26/05/2007)- e investiram na modernização e na ampliação de suas fábricas.
Em linha com esse desenvolvimento, a criação de empregos industriais atingiu a marca de 395 mil novos postos (aumento de 60% sobre 2006), correspondentes a um em cada quatro novos empregos, desempenho certamente inconsistente com a tese da perda de participação da indústria na economia.
Em face dessa avalanche de evidências, deve ficar claro que o Brasil não padece de desindustrialização, ou "doença holandesa", ou qualquer outro nome que os "desenvolvimentistas" possam ter criado para batizar um fenômeno inexistente. E, em face deste artigo, espero, deve ficar claro também que o público também não tem motivos para sofrer de amnésia.
Mas, fica minha sugestão, caso nossos "keynesianos de quermesse" não queiram confessar amnésia, podem alegar privação momentânea de sentidos. No mínimo, ajudaria a explicar como conseguiram ignorar essa montanha de dados.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com


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