São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O bom investimento público

BENJAMIN STEINBRUCH

John maynard Keynes, morto em 1946, é uma das mais famosas personalidades britânicas, que combateu teorias ortodoxas econômicas dominantes nos anos da Grande Depressão e desempenhou papel decisivo para a própria sobrevivência do capitalismo naquele momento.
Há algumas semanas, a revista americana "BusinessWeek" publicou um compacto perfil de Keynes, colocando-o entre os "grandes inovadores" do século 20. O artigo lembra que, durante a depressão econômica dos anos 1930, embora houvesse milhões de desempregados nos países industrializados, a ortodoxia econômica sustentava que os governos não deveriam fazer nada, apenas cuidar para preservar as forças de mercado, que por si só resolveriam a crise. Mais do que isso, os governos deveriam apertar os cintos e cortar ferozmente os gastos públicos.
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos daquela época, Andrew W. Mellon, expressando o sentimento geral das elites, disse em 1930 que a depressão seria útil para expurgar a corrupção do sistema, reduzir o alto custo de vida e obrigar o povo a trabalhar mais arduamente. Isso ajustaria os valores morais da sociedade e, finalmente, as pessoas empreendedoras seriam as vitoriosas.
Havia então uma crença quase teológica no controle de gastos e no equilíbrio orçamentário dos governos. Keynes se insurgiu contra isso e mostrou que o investimento público poderia instigar o investimento privado para tirar a economia da depressão, criar empregos, aumentar o consumo e restaurar a confiança nos negócios. Sua receita foi amplamente aplicada pelos países capitalistas no pós-guerra, quando o pleno emprego passou a ser objetivo explícito e a economia viveu uma época de grande prosperidade.
Entender Keynes não é privilégio de economistas, embora ele fosse um matemático. As idéias são simples na sua essência e muito úteis para ajudar a explicar por que a economia brasileira vive longos anos de letargia. O setor público perdeu grande parte de sua capacidade de investir. Nos anos 70, investia até 10% do PIB por ano e agora investe menos de 5%. Essa redução não teve como contrapartida o aumento do investimento privado. Assim, o investimento total hoje não passa de 18% do PIB, nível insuficiente para recolocar a economia em crescimento contínuo.
A falta de investimentos públicos, por causa das restrições orçamentárias, representa um empecilho à retomada do crescimento da economia e do emprego. A crença quase cega no equilíbrio orçamentário, que Keynes combateu, manifesta-se agora novamente com grande vigor, a ponto de o governo produzir superávits de mais de 4% do PIB. Na semana passada, anunciou-se que o aperto fiscal continuará até 2007, com superávits anuais seguidos de 4,25% do PIB.
Ninguém é a favor da irresponsabilidade fiscal. Equilíbrios orçamentários e até pequenos superávits são saudáveis para reduzir os níveis de endividamento público. Mas a experiência mostra que o início da recuperação de qualquer economia depende do empurrão do "bom investimento público", que é o indutor do investimento privado. Um parêntese: "bom investimento público" é aquele feito a preços do setor privado. É uma triste tradição no Brasil o fato de os investimentos públicos custarem o dobro ou até o triplo dos privados, o que os torna estimuladores de ineficiências e desonestidades.
Na área da infra-estrutura, o país precisa de pelo menos R$ 60 bilhões em bons investimentos anuais para resolver as carências mais urgentes em estradas, ferrovias, portos, energia e outros setores. O governo espera que as parcerias público-privadas possam ajudar a aliviar o encargo que os orçamentos públicos não suportam. Mas muita coisa nessa área, principalmente em regiões mais distantes dos grandes centros, só pode ser feita pela mão do governo.
O sadismo econômico pré-keynesiano, que pregava a necessidade de fazer a economia sofrer para purgar os pecados de governos gastadores, não leva a crescimento nenhum. Só produz estagnação, desemprego e desânimo entre os empreendedores do setor privado.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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