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LUíS NASSIF
CPI, mídia e promotores
A CPI do sistema financeiro, mais
a atuação de promotores, delegados e jornalistas, mostra, de maneira nítida, a diferença entre o procedimento policial e o jurisdicional.
No jurisdicional, colhem-se provas
e evidências que são submetidas ao
juiz, que decide se elas têm relevância ou não. Depois, há uma sistema
de recursos que faz com que sua decisão seja apreciada em outras instâncias.
No procedimento meramente policial ou jornalístico, não. O promotor, ou o delegado, ou o jornalista
consegue uma prova e sempre vai
considerar que é a prova definitiva:
quem há de desmerecer sua própria
cria? É por isso que a imprensa é invadida por essa avalanche de provas "absolutamente irrefutáveis"...
na opinião de quem as colheu.
No caso Escola Base, o tal delegado passou uma semana engabelando a imprensa, alegando dispor de
"provas irrefutáveis", que jamais
foram apresentadas -e nem existiam. Se delegados e promotores
têm provas irrefutáveis sobre o caso
Marka, que as apresentem. O que
não pode é esse desrespeito às normas de discrição e privacidade, vazando documentos que estão longe
de se constituir em provas definitivas.
A priori, não estou afirmando
que não houve dolo na operação.
Amanhã pode aparecer uma prova
que, de fato, comprove a culpa de
Lopes. Até agora, de tudo o que foi
levantado, não há uma evidência
consistente -repito, nenhuma evidência consistente sequer- que
permita comprovar que houve vazamento de informações de fontes
de primeira linha, nessa operação
Marka e FonteCindam, ou que Lopes agiu de má-fé na desastrada
operação de ajuda aos bancos.
A irregularidade a ser investigada -no caso desses dois bancos-é
a ajuda dada pelo BC, sem a exigência de garantias que resguardassem o dinheiro público. A ajuda
foi para os bancos, para seus afiançadores e para o mercado como um
todo -que teria que arcar com os
prejuízos, caso o BC não entrasse
com o dinheiro público.
O vazamento de informações é
outro departamento, com as instituições que ganharam mudando
sua posição dias antes da alteração
do câmbio.
Contra-senso
Vamos pegar duas das principais acusações e submeter a um
mero teste de dupla escolha.
Na véspera do estouro cambial,
havia três instituições vendendo
dólares no mercado -isto é,
apostando na manutenção da
banda cambial: o BC, por dever de
ofício, o Marka e o FonteCindam.
Primeiro caso: como explicar
que os tais irmãos Bragança,
apontados como presumíveis intermediários de informações privilegiadas, obtidas de Lopes, terem como clientes as duas únicas
instituições do mercado que não
sabiam das mudanças cambiais?
É possível, e até provável, que os
irmãos tenham vendido um peixe
de que não dispunham -de que
eram intermediários de Lopes.
Mas o que está em jogo é o seguinte: Lopes passava, de fato, informações confidenciais? E, se passava, por que não os avisou sobre a
mais importante das informações: a mudança do câmbio?
1) Suposição da acusação: foram
dias muito agitados, que atrapalharam as comunicações entre
Lopes e seus "assessores", que não
puderam ser avisados a tempo
das mudanças (é uma suposição,
não uma prova). Além disso, um
dos irmãos (presumivelmente)
desviou informações do Ibmec para o mercado. Logo, jamais Lopes
poderia tê-los mantido como interlocutores.
2) Suposição da defesa: se o presidente do BC fosse beneficiário
de US$ 500 mil mensais desses
dois bancos -como se alegou-,
não encontraria um minuto vago,
na era do celular, para ligar para
os seus "assessores" e comunicar a
mudança cambial? E de que raios
de informações confidenciais dispõe o Ibmec, que é um instituto
que ministra cursos para executivos?
Se existem duas suposições, é
justo considerar a primeira como
prova definitiva e acabada e fechar completamente os olhos para
a segunda?
Segundo caso: o tal bilhete do
Cacciola, do Marka, a Lopes, implorando ajuda para pagar seus
compromissos com o mercado:
1) Acusação: o bilhete prova que
Cacciola se comunicava com Lopes.
2) Defesa: se o sujeito está quebrado e quer ajuda do BC, vai se
comunicar com quem: com o bispo? Além disso, escreve bilhete
quem não consegue falar ao vivo
com o interlocutor. E nem que falasse ao vivo com o presidente do
BC, em princípio não significa nada.
Terceiro caso: Cacciola ter dito a
testemunhas que tinha informações confidenciais de altos escalões do BC.
1) Acusação: se disse, foi por que
tinha.
2) Defesa: ou comprou peixe por
lebre de quem disse que tinha e
não tinha ou então disse que tinha para justificar a loucura de
ter apostado 20 vezes seu patrimônio nessa aventura. No caso
dos precatórios, o dono da assessoria de comunicação do banco
Vetor queria "taxa de sucesso",
alegando dispor de dois jornalistas com ""muita influência" sobre
o Senado. Tinha dois jornalistas
em início de carreira, cuja única
função era meramente acompanhar os processos que interessavam a seus clientes.
Há uma irregularidade grave a
ser investigada: a ajuda aos dois
bancos sem nenhuma espécie de
garantia. Um episódio concreto a
ser levantado: saber se a tal remessa de dólares do Marka ao exterior foi feita com os dólares
comprados do BC. Uma suspeita
relevante a ser apurada: se houve
"insider" nos bancos que ganharam com a mudança cambial. E
um desafio muito mais importante que isso: impor definitivamente
regras de transparência e controle
ao BC.
Espera-se que a mera sede do escândalo pelo escândalo não coloque tudo a perder.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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