São Paulo, Terça-feira, 20 de Abril de 1999
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LUíS NASSIF

CPI, mídia e promotores

A CPI do sistema financeiro, mais a atuação de promotores, delegados e jornalistas, mostra, de maneira nítida, a diferença entre o procedimento policial e o jurisdicional. No jurisdicional, colhem-se provas e evidências que são submetidas ao juiz, que decide se elas têm relevância ou não. Depois, há uma sistema de recursos que faz com que sua decisão seja apreciada em outras instâncias.
No procedimento meramente policial ou jornalístico, não. O promotor, ou o delegado, ou o jornalista consegue uma prova e sempre vai considerar que é a prova definitiva: quem há de desmerecer sua própria cria? É por isso que a imprensa é invadida por essa avalanche de provas "absolutamente irrefutáveis"... na opinião de quem as colheu.
No caso Escola Base, o tal delegado passou uma semana engabelando a imprensa, alegando dispor de "provas irrefutáveis", que jamais foram apresentadas -e nem existiam. Se delegados e promotores têm provas irrefutáveis sobre o caso Marka, que as apresentem. O que não pode é esse desrespeito às normas de discrição e privacidade, vazando documentos que estão longe de se constituir em provas definitivas.
A priori, não estou afirmando que não houve dolo na operação. Amanhã pode aparecer uma prova que, de fato, comprove a culpa de Lopes. Até agora, de tudo o que foi levantado, não há uma evidência consistente -repito, nenhuma evidência consistente sequer- que permita comprovar que houve vazamento de informações de fontes de primeira linha, nessa operação Marka e FonteCindam, ou que Lopes agiu de má-fé na desastrada operação de ajuda aos bancos.
A irregularidade a ser investigada -no caso desses dois bancos-é a ajuda dada pelo BC, sem a exigência de garantias que resguardassem o dinheiro público. A ajuda foi para os bancos, para seus afiançadores e para o mercado como um todo -que teria que arcar com os prejuízos, caso o BC não entrasse com o dinheiro público.
O vazamento de informações é outro departamento, com as instituições que ganharam mudando sua posição dias antes da alteração do câmbio.

Contra-senso
Vamos pegar duas das principais acusações e submeter a um mero teste de dupla escolha.
Na véspera do estouro cambial, havia três instituições vendendo dólares no mercado -isto é, apostando na manutenção da banda cambial: o BC, por dever de ofício, o Marka e o FonteCindam.
Primeiro caso: como explicar que os tais irmãos Bragança, apontados como presumíveis intermediários de informações privilegiadas, obtidas de Lopes, terem como clientes as duas únicas instituições do mercado que não sabiam das mudanças cambiais? É possível, e até provável, que os irmãos tenham vendido um peixe de que não dispunham -de que eram intermediários de Lopes. Mas o que está em jogo é o seguinte: Lopes passava, de fato, informações confidenciais? E, se passava, por que não os avisou sobre a mais importante das informações: a mudança do câmbio?
1) Suposição da acusação: foram dias muito agitados, que atrapalharam as comunicações entre Lopes e seus "assessores", que não puderam ser avisados a tempo das mudanças (é uma suposição, não uma prova). Além disso, um dos irmãos (presumivelmente) desviou informações do Ibmec para o mercado. Logo, jamais Lopes poderia tê-los mantido como interlocutores.
2) Suposição da defesa: se o presidente do BC fosse beneficiário de US$ 500 mil mensais desses dois bancos -como se alegou-, não encontraria um minuto vago, na era do celular, para ligar para os seus "assessores" e comunicar a mudança cambial? E de que raios de informações confidenciais dispõe o Ibmec, que é um instituto que ministra cursos para executivos?
Se existem duas suposições, é justo considerar a primeira como prova definitiva e acabada e fechar completamente os olhos para a segunda?
Segundo caso: o tal bilhete do Cacciola, do Marka, a Lopes, implorando ajuda para pagar seus compromissos com o mercado:
1) Acusação: o bilhete prova que Cacciola se comunicava com Lopes.
2) Defesa: se o sujeito está quebrado e quer ajuda do BC, vai se comunicar com quem: com o bispo? Além disso, escreve bilhete quem não consegue falar ao vivo com o interlocutor. E nem que falasse ao vivo com o presidente do BC, em princípio não significa nada.
Terceiro caso: Cacciola ter dito a testemunhas que tinha informações confidenciais de altos escalões do BC.
1) Acusação: se disse, foi por que tinha.
2) Defesa: ou comprou peixe por lebre de quem disse que tinha e não tinha ou então disse que tinha para justificar a loucura de ter apostado 20 vezes seu patrimônio nessa aventura. No caso dos precatórios, o dono da assessoria de comunicação do banco Vetor queria "taxa de sucesso", alegando dispor de dois jornalistas com ""muita influência" sobre o Senado. Tinha dois jornalistas em início de carreira, cuja única função era meramente acompanhar os processos que interessavam a seus clientes.
Há uma irregularidade grave a ser investigada: a ajuda aos dois bancos sem nenhuma espécie de garantia. Um episódio concreto a ser levantado: saber se a tal remessa de dólares do Marka ao exterior foi feita com os dólares comprados do BC. Uma suspeita relevante a ser apurada: se houve "insider" nos bancos que ganharam com a mudança cambial. E um desafio muito mais importante que isso: impor definitivamente regras de transparência e controle ao BC.
Espera-se que a mera sede do escândalo pelo escândalo não coloque tudo a perder.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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