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São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003

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LUÍS NASSIF

O caso Vilma

Pelos jornais , leio sobre a empresária Vilma, de Goiânia, que teria sequestrado duas crianças de maternidades. Toda noite, o "Jornal Nacional" fala sobre ela. Virou inimiga pública número um do país, com mais espaço na mídia do que a mitologia canhestra em torno de Fernandinho Beira Mar.
Inocente ou culpada? Lá sei eu. O que vejo é um vizinha, dessas sobre as quais a gente até pode ter queixas, tão indefesa e amedrontada quanto todas as vizinhas que passassem pelo que ela está passando. Aquela mulher trêmula, assustada, encontrada escondida debaixo de um sofá é o inimigo público número um do país. Cáspite!
De concreto, o que li até agora é que Vilma não é a mãe biológica das crianças, e que as registrou em seu nome. Cometeu um ato de falsidade ideológica.
Há duas hipóteses para essa atitude. A que foi encampada pela cobertura geral foi a conspiratória, a de que ela simulou a gravidez para enganar o marido, fazendo os filhos passarem por naturais. Não se divulgou a informação de que, há 15 ou 16 anos, a maioria absoluta das adoções era por baixo do pano, seja para fugir da burocracia infernal do setor, seja para poupar os filhos dos preconceitos sobre a adoção.
Encampar a primeira hipótese significaria acreditar que o marido de Vilma era um completo idiota -o que não parece perfil adequado a um empresário ao que consta bem-sucedido- e Vilma uma pessoa absolutamente imoral, sem nenhum sentimento de maternidade. Como não se pode exigir muita sutileza das coberturas, especialmente as que cabem em um ou dois minutos de televisão, fica-se sem saber o porquê de dona Vilma, sendo a pessoa falsa e dissimulada que a cobertura apresenta, recebe tantas atenções e é tratada como mãe, sim, por seus filhos. Dá para explicar?
O segundo ponto é se recebeu as crianças de terceiros -prática comuníssima anos atrás- ou se as roubou. O único indício de sequestro é o depoimento de uma mãe que a reconheceu 16 anos depois, mesmo tendo-a visto apenas de relance, uma vez somente, na maternidade.
Em brigas que envolvem crianças e adoção, todo juiz consciente procura, em primeiro lugar, preservar os filhos. É norma básica de justiça e de respeito. Em toda a cobertura do caso, o que menos importou foram as crianças. O que se viu foi um jogo fétido de instigar o sentimento de vingança contra Vilma, explorando a dor dos pais biológicos de forma sensacionalista, pouco importando os filhos.
Houve gestos nobres nesse escândalo, mas escondidos porque nessas coberturas não se consegue avançar além do fétido. Foi emocionante a posição do filho em defesa da mãe, digno, firme, maduro para seus 15 anos, denotando, no mínimo, uma bela formação que lhe foi proporcionada pela vilã número um do país. Como foi emocionante a posição do pai biológico em defesa do filho, procurando poupá-lo dessa campanha sangrenta e inescrupulosa.
Mas o que se pretendia eram apenas sentimentos menores, como o da vingança. E, quando se encontra um juiz suscetível ao clamor das ruas, disposto a ordenar a prisão preventiva de uma mãe -uma mãe, sim, que faz muita falta aos seus filhos-, diminui-se não apenas a mídia, mas também a Justiça.

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