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LUÍS NASSIF
O caso Vilma
Pelos jornais , leio sobre a
empresária Vilma, de Goiânia, que teria sequestrado duas
crianças de maternidades. Toda
noite, o "Jornal Nacional" fala
sobre ela. Virou inimiga pública
número um do país, com mais
espaço na mídia do que a mitologia canhestra em torno de Fernandinho Beira Mar.
Inocente ou culpada? Lá sei
eu. O que vejo é um vizinha, dessas sobre as quais a gente até pode ter queixas, tão indefesa e
amedrontada quanto todas as
vizinhas que passassem pelo que
ela está passando. Aquela mulher trêmula, assustada, encontrada escondida debaixo de um
sofá é o inimigo público número
um do país. Cáspite!
De concreto, o que li até agora
é que Vilma não é a mãe biológica das crianças, e que as registrou em seu nome. Cometeu um
ato de falsidade ideológica.
Há duas hipóteses para essa
atitude. A que foi encampada
pela cobertura geral foi a conspiratória, a de que ela simulou a
gravidez para enganar o marido, fazendo os filhos passarem
por naturais. Não se divulgou a
informação de que, há 15 ou 16
anos, a maioria absoluta das
adoções era por baixo do pano,
seja para fugir da burocracia infernal do setor, seja para poupar
os filhos dos preconceitos sobre a
adoção.
Encampar a primeira hipótese
significaria acreditar que o marido de Vilma era um completo
idiota -o que não parece perfil
adequado a um empresário ao
que consta bem-sucedido- e
Vilma uma pessoa absolutamente imoral, sem nenhum sentimento de maternidade. Como
não se pode exigir muita sutileza das coberturas, especialmente as que cabem em um ou dois
minutos de televisão, fica-se sem
saber o porquê de dona Vilma,
sendo a pessoa falsa e dissimulada que a cobertura apresenta,
recebe tantas atenções e é tratada como mãe, sim, por seus filhos. Dá para explicar?
O segundo ponto é se recebeu
as crianças de terceiros -prática comuníssima anos atrás-
ou se as roubou. O único indício
de sequestro é o depoimento de
uma mãe que a reconheceu 16
anos depois, mesmo tendo-a visto apenas de relance, uma vez
somente, na maternidade.
Em brigas que envolvem
crianças e adoção, todo juiz
consciente procura, em primeiro
lugar, preservar os filhos. É norma básica de justiça e de respeito. Em toda a cobertura do caso,
o que menos importou foram as
crianças. O que se viu foi um jogo fétido de instigar o sentimento de vingança contra Vilma,
explorando a dor dos pais biológicos de forma sensacionalista,
pouco importando os filhos.
Houve gestos nobres nesse escândalo, mas escondidos porque nessas coberturas não se
consegue avançar além do fétido. Foi emocionante a posição
do filho em defesa da mãe, digno, firme, maduro para seus 15
anos, denotando, no mínimo,
uma bela formação que lhe foi
proporcionada pela vilã número um do país. Como foi emocionante a posição do pai biológico
em defesa do filho, procurando
poupá-lo dessa campanha sangrenta e inescrupulosa.
Mas o que se pretendia eram
apenas sentimentos menores,
como o da vingança. E, quando
se encontra um juiz suscetível
ao clamor das ruas, disposto a
ordenar a prisão preventiva de
uma mãe -uma mãe, sim, que
faz muita falta aos seus filhos-,
diminui-se não apenas a mídia,
mas também a Justiça.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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