São Paulo, sábado, 20 de maio de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Crime contra a economia

GESNER OLIVEIRA

É óbvio que o crime guarda relação com a desigualdade e a falta de acesso à educação. Mas não dá para esperar a justiça social para atacar seriamente o crime organizado. O foco da doença não está apenas em São Paulo ou no Rio de Janeiro. O Brasil está em guerra. Na cidade e no campo. Ou se derrota o crime ou o país será condenado ao Quarto Mundo, eliminando qualquer chance de melhores condições sociais no futuro.
Os ataques terroristas em São Paulo deram visibilidade mundial a um problema que vem se agravando de forma assustadora nas últimas décadas. Em classificação de 117 países elaborada pelo Fórum Econômico Mundial que avalia fatores que influenciam a competitividade, o Brasil está na 99ª posição em relação ao crime organizado e na 107ª posição em relação aos custos das empresas gerados pelo crime e pela violência.
Segundo o Banco Mundial, as empresas brasileiras incorrem em custos de segurança privada (equipamentos, alarme, trancas, entre outros) de 1,4% das vendas, quase o dobro da média dos países da OCDE. Além disso, as perdas advindas de roubos, vandalismo, incêndio e outros crimes representam 0,4% das vendas, mais do que o triplo de países emergentes como a China (0,12%) e o Chile (0,19%).
Estudo do Banco Mundial de Robert Ayres chama a atenção para quatro formas pelas quais o crime arrasa uma economia. Em primeiro lugar, as ondas de violência destroem o estoque de capital físico. Isso ocorre diretamente, como se viu nos ataques covardes do terror em São Paulo; ou lentamente, pela ação daninha do vandalismo cotidiano; ou indiretamente, pelo desestímulo que a insegurança representa para o investimento em infra-estrutura.
Em segundo lugar, a criminalidade inibe o desenvolvimento de capital humano. Pesquisa sobre o efeito da violência sugere efeitos cumulativos elevados sobre o desempenho escolar das crianças; além disso, as despesas com segurança tendem a crescer, comprimindo as escassas disponibilidades para as áreas de educação e saúde.
Em terceiro lugar, a prevalência do crime destrói aquilo que se convencionou chamar capital social. Esse último é entendido como um conjunto de regras e normas de convivência que permitem a ação coordenada das sociedades. O clima do "salve-se-quem-puder" aniquila a força da ação coletiva e solidária e multiplica gastos improdutivos por parte dos setores público e privado.
Em quarto lugar, o insucesso do Estado em suprir serviço tão básico quanto a segurança termina por subtrair legitimidade e relevância do próprio aparelho estatal. Acentua-se, dessa forma, a tendência a não cumprir as leis e especialmente a não pagar os impostos, aumentando ainda mais a já assustadora informalidade da economia brasileira de quase 40%. No Peru, essa taxa é superior a 50%!
Mas o problema é ainda mais grave do que assinalado por Ayres. O crime não apenas corrói o tecido social. A insegurança pública acentua a concentração e a desigualdade. Agrava, assim, os próprios fatores alimentadores do crime organizado, gerando um círculo vicioso de miséria e violência.
De um lado, as camadas desprivilegiadas são as principais prejudicadas. Rico tem guarda-costas e carro blindado. Pobre pega condução e anda por ruas mal iluminadas e onde a polícia não entra. De outro lado, o crime constitui mais um inibidor do empreendedorismo. Quantos pequenos e médios empreendedores não são obrigados a vender seus negócios por problemas de segurança? Isso ocorre com freqüência na cidade e no campo, concentrando os mercados e tornando a economia menos eficiente. Uma grande empresa faz seguro e monta um exército privado. O pequeno e o médio empreendedor não dispõem dos recursos necessários e muitas vezes são obrigados e arriscar sua própria vida e de seus familiares para se manter em atividade.
Se o crime organizado não for debelado, a sociedade brasileira estará condenada ao subdesenvolvimento. Não é possível crescer de forma sustentada sem restabelecer um mínimo de segurança. Mas a tarefa não é fácil. A violência tem causas múltiplas e complexas. Uma solução global requer abordagem multidisciplinar. Incentivos econômicos podem contribuir. Uma próxima coluna tratará da economia contra o crime.


Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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