São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001
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VIZINHO EM CRISE Desvalorização afetaria governo; empresas e bancos têm mais ativos que passivos em moeda dos EUA Rico argentino foge da dívida em dólar
CLÓVIS ROSSI COLUNISTA DA FOLHA É pura lenda a afirmação muito disseminada de que, se a Argentina for obrigada a desvalorizar a sua moeda, todo o país quebra, porque todos estão endividados em dólar. Na verdade, os ricos (grandes empresas e bancos) já fugiram do peso argentino e têm hoje mais ativos do que dívidas em dólares. Quem realmente quebraria, no caso de desvalorização, seria o setor público (o governo), este sim com um passivo em dólares muito superior aos ativos. O setor privado não-bancário, ao contrário, tinha, em janeiro passado, ativos no valor de US$ 48,414 bilhões, e passivos de apenas US$ 40,423 bilhões, ou seja, US$ 8 bilhões a menos. Há sete anos, as dívidas em dólares superavam os ativos (US$ 21,9 bilhões, contra ativos de US$ 17,4 bilhões). Mas, de lá para cá, "o setor privado foi trocando de posição e o setor público foi absorvendo a dívida dolarizada", diz o economista Luciano Coutinho. É claro que nem todo o setor privado está protegido contra uma desvalorização. Só os bancos e as grandes empresas, especialmente exportadoras, que podem obter rendimentos em dólares. O pequeno empresário e as pessoas físicas, com acesso mais restrito ao dólar, devem ter ainda um passivo importante na moeda norte-americana, o que tornaria traumática uma desvalorização, mesmo que o trauma não atingisse a todos. O problema maior seriam as contas públicas. Se o peso argentino sofresse uma desvalorização, o governo, que tem mais passivo que ativos em moeda dos Estados Unidos, ficaria com uma relação ainda maior dívida/PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de uma dada economia). Logo, o temor de que a Argentina deixe de pagar suas dívidas, que é o grande fantasma a gerar a turbulência dos últimos meses, continuaria presente. Para afastar o risco, o país teria que contar com forte ingresso de capitais externos, uma hipótese bastante remota ainda mais nas presentes circunstâncias. A Argentina não pode contar com o vigor da economia brasileira para içá-la da crise, porque o racionamento energético vai gerar dificuldades pelo menos até o início de 2002. Não pode contar com o crescimento da economia mundial, que está desacelerando em todos os grandes atores (Estados Unidos, Europa e Japão). A desvalorização certamente estimularia exportações, mas o crescimento econômico, que é o nó do problema em um país que está há 36 meses em recessão, seria pouco afetado. Não são as exportações, mas o consumo interno, o fator principal para a atividade econômica, gerador de quase três quartos dela. Para Coutinho (Unicamp), como para a grande maioria dos economistas, a questão prévia a uma eventual desvalorização é saber se o mais recente pacote lançado pelo ministro Domingo Cavallo é suficiente para tirar a Argentina do torpor econômico. O economista acha "muito improvável" ocorrer essa hipótese. Entre outras razões, porque o crédito para bens de consumo é em grande parte dolarizado e poucos argentinos estarão dispostos a endividar-se mais em dólares quando há sinais de que o modelo cambial pode naufragar. Além disso, o déficit fiscal é tão formidável que não dá espaço para o estímulo pelo lado do gasto público. O que fazer? Responde Luciano Coutinho: "Eu já estaria pensando em um Plano B, por exemplo em como socializar a dívida, para o caso de ter que desvalorizar". Texto Anterior: Cavallo elogia discrição de FHC e Malan Próximo Texto: Só 33% dos depósitos em bancos são em peso Índice |
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