São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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VIZINHO EM CRISE

Desvalorização afetaria governo; empresas e bancos têm mais ativos que passivos em moeda dos EUA

Rico argentino foge da dívida em dólar

France Presse
Pregão da Bolsa de Comércio de Buenos Aires, que, por causa da desconfiança de investidores, terminou o dia com baixa de 4,59%


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

É pura lenda a afirmação muito disseminada de que, se a Argentina for obrigada a desvalorizar a sua moeda, todo o país quebra, porque todos estão endividados em dólar. Na verdade, os ricos (grandes empresas e bancos) já fugiram do peso argentino e têm hoje mais ativos do que dívidas em dólares.
Quem realmente quebraria, no caso de desvalorização, seria o setor público (o governo), este sim com um passivo em dólares muito superior aos ativos.
O setor privado não-bancário, ao contrário, tinha, em janeiro passado, ativos no valor de US$ 48,414 bilhões, e passivos de apenas US$ 40,423 bilhões, ou seja, US$ 8 bilhões a menos.
Há sete anos, as dívidas em dólares superavam os ativos (US$ 21,9 bilhões, contra ativos de US$ 17,4 bilhões). Mas, de lá para cá, "o setor privado foi trocando de posição e o setor público foi absorvendo a dívida dolarizada", diz o economista Luciano Coutinho.
É claro que nem todo o setor privado está protegido contra uma desvalorização. Só os bancos e as grandes empresas, especialmente exportadoras, que podem obter rendimentos em dólares.
O pequeno empresário e as pessoas físicas, com acesso mais restrito ao dólar, devem ter ainda um passivo importante na moeda norte-americana, o que tornaria traumática uma desvalorização, mesmo que o trauma não atingisse a todos.
O problema maior seriam as contas públicas. Se o peso argentino sofresse uma desvalorização, o governo, que tem mais passivo que ativos em moeda dos Estados Unidos, ficaria com uma relação ainda maior dívida/PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de uma dada economia).
Logo, o temor de que a Argentina deixe de pagar suas dívidas, que é o grande fantasma a gerar a turbulência dos últimos meses, continuaria presente.
Para afastar o risco, o país teria que contar com forte ingresso de capitais externos, uma hipótese bastante remota ainda mais nas presentes circunstâncias. A Argentina não pode contar com o vigor da economia brasileira para içá-la da crise, porque o racionamento energético vai gerar dificuldades pelo menos até o início de 2002. Não pode contar com o crescimento da economia mundial, que está desacelerando em todos os grandes atores (Estados Unidos, Europa e Japão).
A desvalorização certamente estimularia exportações, mas o crescimento econômico, que é o nó do problema em um país que está há 36 meses em recessão, seria pouco afetado. Não são as exportações, mas o consumo interno, o fator principal para a atividade econômica, gerador de quase três quartos dela.
Para Coutinho (Unicamp), como para a grande maioria dos economistas, a questão prévia a uma eventual desvalorização é saber se o mais recente pacote lançado pelo ministro Domingo Cavallo é suficiente para tirar a Argentina do torpor econômico.
O economista acha "muito improvável" ocorrer essa hipótese. Entre outras razões, porque o crédito para bens de consumo é em grande parte dolarizado e poucos argentinos estarão dispostos a endividar-se mais em dólares quando há sinais de que o modelo cambial pode naufragar. Além disso, o déficit fiscal é tão formidável que não dá espaço para o estímulo pelo lado do gasto público.
O que fazer? Responde Luciano Coutinho: "Eu já estaria pensando em um Plano B, por exemplo em como socializar a dívida, para o caso de ter que desvalorizar".


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