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São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2003

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ECONOMIA GLOBAL

Após derrotar a inflação, principais economias se deparam com novo vilão, a queda generalizada de preços

Efeitos da deflação preocupam FMI e Fed

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de décadas de pavor e de combate ferrenho à inflação alta, o mundo teme hoje um mal diametralmente oposto, embora tão ou mais maléfico: a deflação.
Essa preocupação se reflete em recentes relatórios de importantes bancos e instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Federal Reserve (o banco central norte-americano). O termo deflação é usado por economistas como sinônimo de queda generalizada de preços que tende a persistir no longo prazo.
Embora tecnicamente somente o Japão atravesse uma verdadeira deflação hoje, seus riscos começam a ser vislumbrados no recuo dos índices inflacionários de diversos países.
Relatório publicado pelo FMI na semana passada chama a atenção para o fato de que a porcentagem de nações desenvolvidas e de grandes países emergentes que têm experimentado queda constante em seus índices de preços ao consumidor passou de 1% a 3% na primeira metade da década de 90 para cerca de 10% a 15% nos últimos três anos.
O trabalho é assinado por Manmohan S. Kumar, consultor do Fundo que coordenou um grupo de trabalho entre vários departamentos da instituição para pesquisar o tema.
Em boa medida, essa situação de queda de preços mundo afora representa uma vitória dos bancos centrais. Afinal, na década de 70, derrubar inflações galopantes era prioridade.
Preços baixos e estáveis são um sinônimo de caminho aberto para o crescimento. Isso porque facilitam o planejamento das empresas, estimulando o investimento produtivo. Por outro lado a renda real dos consumidores tende a subir, incentivando o consumo.

Piso zero
Então a queda continuada e generalizada dos preços deveria ser motivo para comemoração? Não, nem sempre.
De fato, a deflação nem sempre é um indicador econômico ruim. Se provocada por uma rápida expansão de produtividade, a deflação pode conviver com o crescimento econômico. A história se complica quando os preços caem de forma contínua e generalizada por causa de uma forte contração do consumo.
O fantasma deflacionário que hoje ronda principalmente as economias desenvolvidas é uma combinação das duas situações.
A renda de consumidores e de investidores sofreu um forte baque com o estouro da bolha no mercado de ações que levou a grandes perdas de riqueza. Para piorar, o mundo desenvolvido vive um momento de enorme excesso de capacidade produtiva instalada. Em outras palavras, as empresas investiram muito e agora não têm como produzir tudo o que podem porque não há demanda suficiente.
Em reação, bancos centrais têm lançado mão do mais convencional instrumento de política monetária: o corte dos juros. O problema é que há o piso zero para a queda dos juros nominais. Se a taxa atinge esse nível e a deflação persiste, os juros reais (diferença entre juros nominais e a inflação) só podem ser positivos.
O mal resultante disso é o que o rendimento das empresas segue em queda porque a demanda continua deprimida, mas suas dívidas experimentam um crescimento relativo. Consequência: empresas têm de partir para cortes de custos, como demissões, o que tende a gerar mais deflação.
Analistas e autoridades não apostam que a economia americana esteja caminhando para a deflação. Em discurso feito na semana passada, Roger Ferguson, vice-presidente do Fed, tentou provar que a economia dos EUA está longe da realidade japonesa em meados da década passada, quando o país asiático mergulhou na espiral deflacionária.
Em larga medida, ele parece ter razão. É que os bancos dos EUA são mais sólidos do que os japoneses, e a economia norte-americana é mais dinâmica e produtiva.
A Alemanha parece correr mais riscos deflacionários do que os EUA. Além de o sistema financeiro alemão estar em pior situação, os consumidores são ainda mais endividados e o país não pode cortar os juros, já que essa decisão cabe ao Banco Central Europeu.
Mas isso não significa que o recente coro de preocupações com a deflação peque pelo exagero. Muito pelo contrário.
Em primeiro lugar, as consequências de uma deflação na Alemanha seriam muito ruins para o resto da Europa. Além disso, prever uma deflação nem sempre é fácil. Como mostra um estudo do próprio Fed sobre o Japão, publicado em 2002, pouco antes do início da espiral deflacionária as pesquisas de mercado e do governo previam a continuidade de taxas moderadas de inflação.
Segundo Kumar, embora os riscos de uma deflação global sejam baixos hoje, quando se trata desse mal até as mínimas chances de sua ocorrência pedem ação rápida. Por isso, é provável que os juros voltem a cair nos EUA.


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