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PAULO RABELLO DE CASTRO
O cidadão relaxado e gozado
Há pelo menos dez anos a carga tributária cresce como proporção do PIB. O relaxado contribuinte assume a conta
A RECOMENDAÇÃO da ministra
do Turismo, convidando os
brasileiros ao gozo e ao relaxamento diante do tormentoso desconforto das viagens aéreas, conduz
à indagação se não seria essa mais
uma vertente do programa de aceleração de constrangimentos (sigla
PAC). Não bastasse o medo nos céus
e o "suplicyo" (sic) nos aeroportos, o
tal "brasileiro" sofre maldades oficiais, a ponto de fazê-lo um refém da
gozação, um louco pela próxima piada, um viciado na gargalhada auto-expiatória.
Não fosse assim, como se justificaria o rosário de brincadeiras oficiais
de mau gosto, aceitas, dia-a-dia, sem
chiadeira, pelo gozado cidadão?
Enumero algumas, para não parecer
detrator de tão belos momentos por
que passa a República, os melhores
desde que Deodoro resolveu desalojar o senhor de barbas brancas do
Palácio de São Cristóvão e mandou-o à Europa... relaxar e gozar.
Dentre as brincadeiras permanentes, cito o sistema de representação política, que elege mensaleiros e
cascateiros em profusão, e cuja programada reforma -ora em curso-
quer agora estabelecer listas fechadas, onde apaniguados nelas inscritos não mais precisarão do voto careta para se eleger e, depois, gozar
nas delícias do cargo.
Das brincadeiras, as melhores
continuam sendo as que mexem
com o bolso do cidadão. Há pelo menos dez anos a carga tributária, ou
seja, o peso dos impostos e contribuições cresce um palmo percentual como proporção do PIB, todos
os anos, desde o pacote das "51 medidas" anunciado por FHC em 1997.
O relaxado contribuinte assume essa conta desde então, iludido com a
idéia de que sacrifício hoje o fará ter
a satisfação de enxergar o equilíbrio
das despesas públicas com a receita
fiscal. Doce e gozada ilusão: é que a
despesa pública crescerá sempre
tanto ou mais que a receita. Para gozação geral, quanto mais receita entra, mais despesa sai, de modo que
nunca haverá controle da despesa
sem antecedente corte dos impostos. Por brincadeira, entretanto, o
governo vem de pedir ao Congresso
brincalhão, que lhe prorrogue a
CPMF por mais quatro anos...
Das brincadeiras permanentes
para as recentes, é um pulo, ou melhor, o tempo de uma espera de vôo.
Quando o discreto e desesperado
contribuinte estiver lá, no aeroporto, resignado na espera de duas ou
três horas para embarcar no seu vôo,
deve procurar relaxar e concentrar-se nos seguintes fatos: desde quando
surgiu o "apagão aéreo"? Segundo
semestre de 2006. Que fato marcante o antecedeu e o provocou? Um
desastre aéreo? Não! Um desastre
da aviação brasileira, a decapitação
consentida da maior empresa comercial do setor, seguida da devolução de dezenas de aeronaves desta,
não repostas pelas demais aéreas, e
pior, com a perda da organização e
do capital humano com que se mantinha regular a oferta de vôos até então. A partir do encolhimento da Varig, a oferta de assentos despencava,
enquanto explodia a demanda. Resultado: o apagão.
Gozado mesmo será quando o
descansado contribuinte receber o
"contas a pagar" do citado desastre
da aviação nacional: terá que repor o
esvaído pecúlio dos aeronautas e aeroviários descartados -cujo fundo
de pensão acaba de morrer de morte
matada- e ainda, um dia, ter de cobrir as indenizações devidas e não
pagas aos gozados aeronautas os
quais, após voar décadas de brasileiros em total segurança, foram despachados à conchinchina, onde a vida rola com menos gozação. Se você,
como eu, não é relaxado nem gozado, talvez um tempo na conchinchina nos faça bem.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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