São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O cidadão relaxado e gozado

Há pelo menos dez anos a carga tributária cresce como proporção do PIB. O relaxado contribuinte assume a conta

A RECOMENDAÇÃO da ministra do Turismo, convidando os brasileiros ao gozo e ao relaxamento diante do tormentoso desconforto das viagens aéreas, conduz à indagação se não seria essa mais uma vertente do programa de aceleração de constrangimentos (sigla PAC). Não bastasse o medo nos céus e o "suplicyo" (sic) nos aeroportos, o tal "brasileiro" sofre maldades oficiais, a ponto de fazê-lo um refém da gozação, um louco pela próxima piada, um viciado na gargalhada auto-expiatória. Não fosse assim, como se justificaria o rosário de brincadeiras oficiais de mau gosto, aceitas, dia-a-dia, sem chiadeira, pelo gozado cidadão?
Enumero algumas, para não parecer detrator de tão belos momentos por que passa a República, os melhores desde que Deodoro resolveu desalojar o senhor de barbas brancas do Palácio de São Cristóvão e mandou-o à Europa... relaxar e gozar.
Dentre as brincadeiras permanentes, cito o sistema de representação política, que elege mensaleiros e cascateiros em profusão, e cuja programada reforma -ora em curso- quer agora estabelecer listas fechadas, onde apaniguados nelas inscritos não mais precisarão do voto careta para se eleger e, depois, gozar nas delícias do cargo.
Das brincadeiras, as melhores continuam sendo as que mexem com o bolso do cidadão. Há pelo menos dez anos a carga tributária, ou seja, o peso dos impostos e contribuições cresce um palmo percentual como proporção do PIB, todos os anos, desde o pacote das "51 medidas" anunciado por FHC em 1997.
O relaxado contribuinte assume essa conta desde então, iludido com a idéia de que sacrifício hoje o fará ter a satisfação de enxergar o equilíbrio das despesas públicas com a receita fiscal. Doce e gozada ilusão: é que a despesa pública crescerá sempre tanto ou mais que a receita. Para gozação geral, quanto mais receita entra, mais despesa sai, de modo que nunca haverá controle da despesa sem antecedente corte dos impostos. Por brincadeira, entretanto, o governo vem de pedir ao Congresso brincalhão, que lhe prorrogue a CPMF por mais quatro anos...
Das brincadeiras permanentes para as recentes, é um pulo, ou melhor, o tempo de uma espera de vôo.
Quando o discreto e desesperado contribuinte estiver lá, no aeroporto, resignado na espera de duas ou três horas para embarcar no seu vôo, deve procurar relaxar e concentrar-se nos seguintes fatos: desde quando surgiu o "apagão aéreo"? Segundo semestre de 2006. Que fato marcante o antecedeu e o provocou? Um desastre aéreo? Não! Um desastre da aviação brasileira, a decapitação consentida da maior empresa comercial do setor, seguida da devolução de dezenas de aeronaves desta, não repostas pelas demais aéreas, e pior, com a perda da organização e do capital humano com que se mantinha regular a oferta de vôos até então. A partir do encolhimento da Varig, a oferta de assentos despencava, enquanto explodia a demanda. Resultado: o apagão.
Gozado mesmo será quando o descansado contribuinte receber o "contas a pagar" do citado desastre da aviação nacional: terá que repor o esvaído pecúlio dos aeronautas e aeroviários descartados -cujo fundo de pensão acaba de morrer de morte matada- e ainda, um dia, ter de cobrir as indenizações devidas e não pagas aos gozados aeronautas os quais, após voar décadas de brasileiros em total segurança, foram despachados à conchinchina, onde a vida rola com menos gozação. Se você, como eu, não é relaxado nem gozado, talvez um tempo na conchinchina nos faça bem.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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