São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Quem matou Jean Charles?


Executaram um inocente, que trabalhava para poupar e mandar dinheiro para a família no Brasil
 

À Luíza

HOJE EU pretendia continuar falando sobre a Rodada Doha e a cúpula do G8, mas de repente decidi mudar de assunto. Foi quando li a notícia de que a Procuradoria Geral do Reino Unido anunciara a sua conclusão de que "existe evidência insuficiente" para incriminar qualquer dos policiais envolvidos no assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes. Haverá apenas processo contra o Gabinete do Chefe da Polícia de Londres nos termos da "Lei de Saúde e Segurança no Trabalho" (sic!). Comentário do "Financial Times": "A impressão é que encontraram baratas na sopa da cantina dos funcionários da polícia". A Procuradoria fez questão de deixar claro que o chefe da Polícia de Londres, Sir Ian Blair, não será processado individualmente, mas sim a instituição empregadora dos "policiais envolvidos na morte do sr. de Menezes".
Decisão "inacreditável" e "vergonhosa", disseram com razão familiares da vítima. Em Londres, um brasileiro, a caminho do trabalho, foi assassinado com sete tiros na cabeça, disparados à queima-roupa. Policiais, treinados em Israel, que estavam trabalhando sob a política de "atirar para matar", pensaram que se tratava de um terrorista. Executaram um inocente, um brasileiro de origem humilde, que trabalhava para poupar e mandar dinheiro para a família no Brasil. Mas ninguém é responsabilizado. Ficam todos lindamente impunes. Ao final do processo, a Polícia de Londres poderá ser condenada a pagar uma multa. Até o momento, a reação do governo brasileiro foi fraca. O Itamaraty divulgou uma pequena nota à imprensa, de cinco frases, em que "lamenta" a decisão e informa que "continuará a buscar esclarecimentos adicionais" para chegar a uma avaliação final.
Onde está a indignação, o protesto veemente contra a barbaridade cometida? Sabemos que os nossos diplomatas nem sempre apóiam, como deveriam, os brasileiros que residem no exterior. Muitos deles, os proverbiais "diplomatas de punhos de renda", consideram esses brasileiros uma "dor de cabeça". Nos consulados do circuito Elizabeth Arden, os nossos representantes fogem do brasileiro expatriado como o diabo da cruz.
Será que na sua recente visita oficial a Londres o presidente do Brasil deu suficiente destaque à questão do assassinato de Jean Charles? Ou os nossos diplomatas avaliaram que insistir no tema poderia "macular" a viagem do presidente e aborrecer os seus anfitriões?
Esse tema dos brasileiros residentes no exterior, legal ou ilegalmente, adquiriu nas décadas recentes uma importância sem precedentes na nossa história. O Brasil sempre fora, desde 1500, uma colônia e depois uma nação que atraiu pessoas do resto do mundo em grande número. É claro que, no tempo da escravidão, os africanos vinham à força em navios negreiros. Mas, mesmo sem considerar os escravos, sempre fomos importadores líquidos de pessoas.
Desde a década de 1980, o fluxo se inverteu. A economia brasileira entrou em longa estagnação, da qual ainda não conseguimos sair. As oportunidades se estreitaram. O Brasil tornou-se menos atraente para estrangeiros, e os brasileiros intensificaram a procura por oportunidades no exterior, principalmente nos EUA, na Europa e no Japão. Cresceu então rapidamente o número de expatriados, em termos absolutos e até como proporção do total da população do Brasil.
Que escolhas o Brasil oferece aos brasileiros jovens como Jean Charles? Uma minoria de brasileiros especialmente dedicados ou talentosos pode até ter algum sucesso na vida. Mas a grande maioria, desprovidos de oportunidades de educação e trabalho, acabam forçados a vegetar na pobreza. Se quiserem escapar disso, sofrem basicamente duas tentações. Aderir ao PCC ou a outra organização criminosa e tentar subir rapidamente na vida. Ou a de emigrar, quase sempre ilegalmente, para países desenvolvidos, onde correm o risco de ser barrados, deportados, perseguidos e até mortos na fronteira. Quando conseguem entrar, ficam sujeitos a discriminações e são tratados como indivíduos de quarta ou quinta classe, mesmo nos casos, relativamente raros, em que conseguem legalizar a sua permanência. Se forem confundidos com terroristas, podem ser simplesmente fuzilados.
Quem matou Jean Charles?
Dedico este artigo à Luíza, minha filha do coração, que viaja hoje para residir em Londres por seis meses.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


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