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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Quem matou Jean Charles?
Executaram um inocente, que trabalhava para poupar e mandar dinheiro
para a família no Brasil
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À Luíza
HOJE EU pretendia continuar
falando sobre a Rodada Doha e a cúpula do G8, mas de
repente decidi mudar de assunto.
Foi quando li a notícia de que a Procuradoria Geral do Reino Unido
anunciara a sua conclusão de que
"existe evidência insuficiente" para
incriminar qualquer dos policiais
envolvidos no assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes. Haverá apenas processo contra o Gabinete do Chefe da Polícia de Londres
nos termos da "Lei de Saúde e Segurança no Trabalho" (sic!). Comentário do "Financial Times": "A impressão é que encontraram baratas na
sopa da cantina dos funcionários da
polícia". A Procuradoria fez questão
de deixar claro que o chefe da Polícia
de Londres, Sir Ian Blair, não será
processado individualmente, mas
sim a instituição empregadora dos
"policiais envolvidos na morte do sr.
de Menezes".
Decisão "inacreditável" e "vergonhosa", disseram com razão familiares da vítima. Em Londres, um brasileiro, a caminho do trabalho, foi assassinado com sete tiros na cabeça,
disparados à queima-roupa. Policiais, treinados em Israel, que estavam trabalhando sob a política de
"atirar para matar", pensaram que
se tratava de um terrorista. Executaram um inocente, um brasileiro de
origem humilde, que trabalhava para poupar e mandar dinheiro para a
família no Brasil. Mas ninguém é
responsabilizado. Ficam todos lindamente impunes. Ao final do processo, a Polícia de Londres poderá
ser condenada a pagar uma multa.
Até o momento, a reação do governo brasileiro foi fraca. O Itamaraty
divulgou uma pequena nota à imprensa, de cinco frases, em que "lamenta" a decisão e informa que
"continuará a buscar esclarecimentos adicionais" para chegar a uma
avaliação final.
Onde está a indignação, o protesto
veemente contra a barbaridade cometida? Sabemos que os nossos diplomatas nem sempre apóiam, como deveriam, os brasileiros que residem no exterior. Muitos deles, os
proverbiais "diplomatas de punhos
de renda", consideram esses brasileiros uma "dor de cabeça". Nos consulados do circuito Elizabeth Arden,
os nossos representantes fogem do
brasileiro expatriado como o diabo
da cruz.
Será que na sua recente visita oficial a Londres o presidente do Brasil
deu suficiente destaque à questão do
assassinato de Jean Charles? Ou os
nossos diplomatas avaliaram que insistir no tema poderia "macular" a
viagem do presidente e aborrecer os
seus anfitriões?
Esse tema dos brasileiros residentes no exterior, legal ou ilegalmente,
adquiriu nas décadas recentes uma
importância sem precedentes na
nossa história. O Brasil sempre fora,
desde 1500, uma colônia e depois
uma nação que atraiu pessoas do
resto do mundo em grande número.
É claro que, no tempo da escravidão,
os africanos vinham à força em navios negreiros. Mas, mesmo sem
considerar os escravos, sempre fomos importadores líquidos de pessoas.
Desde a década de 1980, o fluxo se
inverteu. A economia brasileira entrou em longa estagnação, da qual
ainda não conseguimos sair. As
oportunidades se estreitaram. O
Brasil tornou-se menos atraente para estrangeiros, e os brasileiros intensificaram a procura por oportunidades no exterior, principalmente
nos EUA, na Europa e no Japão.
Cresceu então rapidamente o número de expatriados, em termos absolutos e até como proporção do total da população do Brasil.
Que escolhas o Brasil oferece aos
brasileiros jovens como Jean Charles? Uma minoria de brasileiros especialmente dedicados ou talentosos pode até ter algum sucesso na vida. Mas a grande maioria, desprovidos de oportunidades de educação e
trabalho, acabam forçados a vegetar
na pobreza. Se quiserem escapar
disso, sofrem basicamente duas tentações. Aderir ao PCC ou a outra organização criminosa e tentar subir
rapidamente na vida. Ou a de emigrar, quase sempre ilegalmente, para países desenvolvidos, onde correm o risco de ser barrados, deportados, perseguidos e até mortos na
fronteira. Quando conseguem entrar, ficam sujeitos a discriminações
e são tratados como indivíduos de
quarta ou quinta classe, mesmo nos
casos, relativamente raros, em que
conseguem legalizar a sua permanência. Se forem confundidos com
terroristas, podem ser simplesmente fuzilados.
Quem matou Jean Charles?
Dedico este artigo à Luíza, minha
filha do coração, que viaja hoje para
residir em Londres por seis meses.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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