São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mercado em formação de quadrilha


Bancão suíço volta a admitir que formara quadrilha e dá o que pensar sobre o "mercado realmente existente", o Merex


O MAIOR BANCO da Suíça, o UBS, tomou outro nocaute vexaminoso. Vai divulgar informações sobre acusados de fraudar o Imposto de Renda americano. Em fevereiro, o UBS admitira que oferecia e prestava serviços de fraude fiscal para clientes nos EUA e que fazia parte de uma quadrilha ("conspiracy"). Pagou multa de R$ 1,5 bilhão. Ainda assim, a Receita dos EUA (o IRS) processou o UBS a fim de obter dados de 52 mil clientes.
Pelo acordo divulgado ontem, o IRS aceita receber os dados de apenas 4.450 clientes do UBS acusados de crime fiscal. Mas os dossiês terão de ser previamente liberados pelo governo suíço, e os clientes envolvidos poderão recorrer da decisão. O acordo foi um modo de salvar o pescoço do UBS nos EUA (poderia ser expulso) e de preservar parte da reputação de segredo da banca suíça. Mas o episódio do UBS vai muito além do mero caso policial.
O exemplo do UBS é mais um fio solto da meada de outra fraude, esta intelectual, política e ideológica: a que costuma pintar tais episódios e mesmo crises financeiras inteiras como "desvios" de uma ordem quase ideal, "fundamentalmente boa". Não se trata de dizer que o sistema financeiro mundial é uma rede de quadrilhas de criminosos, claro.
Mas a finança é tanto empreendedorismo e inovação como uma mistura conspurcada de sigilo, opacidade, conivência oficial e legal com risco inaceitável, "captura" de autoridades, reguladores e políticos, quando não de corrupção mesmo, além de fraude sistemática (de balanços, de negociações, de mercados etc.).
Uma das frentes mais avançadas da finança, em inovação e volume de dinheiro, os hedge funds dependem da existência de sigilo e paraísos fiscais. A bolha que custou trilhões ao público pagante de impostos dependeu da fraude oficialmente aceita dos limites de risco e alavancagem, tolerância com irracionalidades e manipulação de mercados, "captura" de legisladores e reguladores, além de conivência interessada das agências de avaliação de risco, para ficar nos aspectos mais leves do rolo.
Como tantos outros intelectuais que acreditam demais no que acreditam (sic), economistas costumam propagandear a ideia de que "o sistema é bom, mas há desvios" e "incentivos errados". Com "incentivos corretos" tudo dá quase certo. Trata-se, claro, de uma tautologia, não de uma explicação: caso o mundo não fosse como ele é, o mundo deveria ser como eles (economistas e similares) querem e imaginam que seja.
Nisso, têm algo em comum com comunistas, que defendiam o socialismo dizendo que seus defeitos deviam-se ao fato de que "nem todas as condições ainda estavam dadas". Estavam na "direção certa da história", apesar de os homens insistirem em refazê-la em outra direção.
Os mercados só existem porque certas relações de poder assim o estabeleceram, formal ou informalmente; porque existe um Estado que lhe fornece base legal e seguros, quando não subsídios. Interessa a alguém que assim sejam; não fazem parte da ordem natural nem são desdobramento necessário da história.
Confundir os mercados da teoria com o mercado "realmente existente" e, por meio de propaganda ou ideologia, com base nisso querer pautar políticas é mania autoritária.

vinit@uol.com.br


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