São Paulo, segunda, 20 de outubro de 1997.




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Blecaute à vista?


LUIZ PINGUELLI ROSA
A ocorrência de blecaute no Chile, país apresentado como modelo de privatização do setor elétrico, foi a manchete de primeira página do jornal "Mercurio", de Santiago, no dia 12/10. No Brasil, o presidente Fernando Henrique está sendo induzido a tomar uma decisão que poderá agravar o risco de blecaute pela perda da otimização do sistema elétrico e aumentar a tarifa para o consumidor.
A razão disso é a transição malfeita do sistema elétrico -hoje coordenado pela Eletrobrás e por colegiados técnicos- para o sistema competitivo, por meio da privatização das empresas elétricas públicas, sem um aparato institucional regulador, ainda por ser criado.
No Brasil, a geração hidrelétrica é feita com manejo planejado dos reservatórios, com armazenamento plurianual da água e operação do sistema interligado. A perda da otimização implicará a perda de cerca de 10 milhões de quilowatts da potência hoje disponível. Isso equivale, no mínimo, a US$ 10 bilhões em investimento.
O país retrocederá subitamente vários anos em termos de disponibilidade de eletricidade até que novos investimentos se concretizem. Mesmo com a importação de turbinas a gás, alguns anos serão necessários. Até lá, o risco de blecaute aumentará.
O BNDES tomou o papel da Eletrobrás, pondo de lado o estudo da Coopers and Lybrand inglesa, contratada pelo próprio governo para a privatização do setor elétrico.
Calcado na experiência de geração termelétrica dominante na Inglaterra, o estudo foi revisto pela Coopers para levar em conta a especificidade do Brasil, que usa basicamente a hidreletricidade.
Ele reconhece ser necessária uma política pública para o desenvolvimento da hidreletricidade, pois, como escrevi em artigos anteriores, o investidor privado tenderá à preferir a termeletricidade, por lhe dar retorno mais rápido do capital, mesmo sendo mais alto o custo da energia, devido ao custo do combustível repassado ao consumidor.
Para o BNDES, a prioridade é vender rapidamente as empresas estatais, para fazer caixa para o governo pagar suas dívidas. Entretanto, para a Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia, o uso do potencial hidrelétrico é fundamental para manter o preço futuro da energia elétrica não muito alto e garantir a estabilidade do suprimento. Hoje utiliza-se 25% desse potencial.
Portanto, seria um erro o Brasil abrir mão dessa vantagem comparativa na competição mundial, por produzir a mínimos custos. Há um claro conflito de posições no governo sobre esses aspectos.
Por outro lado, a geração termelétrica terá problemas. Considerando todos os projetos para uso do gás natural vindo da Bolívia, não há gás suficiente para a necessária expansão da oferta de energia elétrica, embora ela deva ter um papel complementar importante.
Isso leva ao uso de outros combustíveis mais poluentes, como o carvão. Tanto este como o gás natural emitem gases de efeito estufa, aumentando a temperatura da Terra, e poderão ser taxados internacionalmente pela Convenção de Mudança Climática da ONU.
Portanto, a Eletrobrás deveria assumir o papel, previsto no relatório da Coopers, de uma agência de desenvolvimento hidrelétrico. Propomos mais que isso: manter uma geradora hidrelétrica federal com usinas públicas amortizadas. A venda dessas usinas, aumentará artificialmente a tarifa e fará o consumidor pagar de novo o investimento que ele já pagou. Afinal, foram mantidas a geradora nuclear federal, por razões constitucionais, e a Itaipu binacional.
A venda de Furnas fragmentada aparece como uma ameaça para o Rio, tendo o governador do Estado e o prefeito carioca apoiado o Clube de Engenharia na crítica ao processo. Uma solução alternativa para privatização é a da Cemig. Minas Gerais adotou uma forma própria de privatizá-la, mantendo o controle da empresa, mas compartilhando-o com um grupo norte-americano.
A desverticalização na privatização, separando geração, transmissão, distribuição e comercialização, tem já contra-exemplos no próprio sistema inglês: empresas desverticalizadas tentam se fundir pela lógica econômica.
Em seminário promovido pelo Centro de Estudos Energéticos na UFRJ, foi mostrado que existe na América Latina uma reverticalização disfarçada, por meio do controle acionário de várias empresas por um mesmo grupo.
O último relatório do Banco Mundial diz ter havido um exagero na redução do papel do Estado na África e na América Latina, fazendo um "mea culpa" tardio. Tarde demais, em muitos casos.
No caso da Vale do Rio Doce, agora se reconhece que as reservas minerais vendidas eram muito maiores. Mostramos esse rebaixamento literalmente, confrontando relatórios da empresa. O governo ignorou as críticas, e o valor na privatização foi pouco maior que o de uma distribuidora de energia elétrica não muito grande da Bahia, a Coelba.
Ao ser criada a geradora nuclear com um único reator operando, dei parecer alertando que ele dificilmente funcionaria todo o tempo útil, como se pretendia, pois tem problemas técnicos no gerador de vapor e nas varetas de combustível. Estas, agora, estão causando uma de longa na parada de rotina do reator para troca de combustível.
Espero não ter de escrever novo artigo sobre blecaute no escuro, a luz de velas. Não é cômoda a posição de profeta do apocalipse.
Luiz Pinguelli Rosa, 55, físico, é professor-titular e diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).



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