São Paulo, segunda, 20 de outubro de 1997.




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EMPRESÁRIOS
Depoimento vai a cartório
Garnero quer esquecer o passado

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

O empresário Mario Garnero está de volta à vida pública e não quer mais falar do passado.
Ele afirma agora que tudo que tem a dizer sobre os anos que passou na condição de "criminoso do colarinho branco" após a liquidação extrajudicial do grupo Brasilinvest está no depoimento "O caso Brasilinvest".
O documento, registrado no 7º Cartório de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, no ano passado, é publicado com exclusividade pela Folha nesta página.
Seu grupo, o Brasilinvest, foi liquidado pelo decreto de 15 de março de 1985, do então ministro da Fazenda, Francisco Dornelles (atual ministro da Indústria e Comércio).
O Mario Garnero de 1997 não pensa em vingança. Sua volta é sua vingança.
Sentado em seu escritório numa cobertura na avenida Faria Lima, Mario Garnero diz que vê seu retorno à vida pública, marcado pela realização, no mês passado, da "Conferência de Mônaco", promovida pelo seu "Fórum das Américas", como a continuação de seu trabalho no Centro Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica), de São Paulo.
"Sinto-me como um presidente envelhecido do centro acadêmico", diz.
Foi a partir da presidência do Centro Acadêmico 22 de Agosto, que o jovem Mario lançou sua carreira pública, convidando os influentes e poderosos para "ciclos de integração nacional", debates que tiveram grande repercussão na conturbada vida política do Brasil da primeira metade dos anos 60.
Essa atividade lhe garantiu, já aos 23 anos de idade, o título de cidadão paulistano e a amizade de políticos e empresários influentes, tais como Juscelino Kubitschek.
Os "ciclos" do tempo de acadêmico deram margem à criação do "Fórum das Américas", em 1965, um meio para a realização de seminários sobre a integração econômica do continente americano, tema tão em moda hoje em dia.
Por meio do "Fórum das Américas", Garnero trouxe ao Brasil, em 1965, o então senador Robert Kennedy. E realizou eventos durante as reuniões anuais conjuntas do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Em 1983, o "Fórum", realizado em São Paulo, contou com a presença do então presidente dos EUA, Ronald Reagan.
A atuação internacional de Mario Garnero rendeu-lhe, em 1984, o título de "Homem do Ano", concedido pela "Brazilian-American Chamber of Commerce", de Nova York.
Um ano depois, porém, quando nascia o primeiro governo civil depois de 21 anos de regime militar e ele atingia o ápice de uma bem-sucedida carreira pública e privada, a lisura de seus negócios e sua honestidade pessoal foram questionadas.
O Brasilinvest foi liquidado sob acusação de falta de liquidez e de desvio de recursos para empresas fantasmas no exterior. Sua prisão preventiva foi pedida, mas nunca concretizada.
Se a Nova República foi o estopim de sua execração pública e de dez anos de batalhas jurídicas até a retirada das acusações contra ele e a recuperação das cartas-patentes de seus bancos -o Brasilinvest em 1990 e o Sulbrasileiro em 1991- o Brasil do Plano Real é a redenção de seu espírito de empreendedor.
Novamente no timão do "banque d'affaires" ou banco de negócios, em bom português, Mario Garnero não vê limites para os empreendimentos do Brasilinvest.
De malas prontas para fazer mais uma de suas incontáveis viagens anuais ao exterior, Garnero vai assinar nos próximos dias um contrato para sacramentar a entrada no país do maior grupo petrolífero do mundo, o Pennzoil, de Houston (Texas, EUA).
A recém-criada Pennzoil-Brasilinvest, uma parceria de US$ 10 milhões, meio a meio, vai vender os óleos lubrificantes Pennzoil para uso automotivo e industrial no país a partir de janeiro do ano que vem.
"Estamos concluindo um acordo com uma rede distribuidora nacional, que vai nos dar acesso a postos de gasolina e a cerca de 700 distribuidores na área de São Paulo e do sul do país."
Mario Garnero não revela o nome da rede distribuidora. Limita-se a dizer que o pessoal com quem está conversando "gosta muito de futebol".
Mario Garnero diz que, numa segunda etapa, a parceria vai fazer a mistura dos óleos no país, com investimentos que poderão chegar a US$ 25 milhões, por meio de um acordo com a Petrobrás.
Pronto para exercer buscar negócios para o país com a bandeira "Fórum das Américas", Mario Garnero circulou confiante ao lado dos convidados de honra da "Conferência de Mônaco".
Entre eles, os seus amigos pessoais, o príncipe Rainier, de Mônaco, o ex-presidente dos EUA, George Bush, e Helmut Schmidt, primeiro-ministro da Alemanha de 1974 a 1982.
Na ocasião (dias 29 e 30 de setembro passados), foi realizado o seminário "Investimentos no Brasil - Cooperação e Repercussão no Mercosul", que deixou de imediato um saldo de novos investimentos no país.
O grupo italiano Cirio, do empresário Sergio Cragnotti, anunciou investimentos de US$ 300 milhões.
E as indústrias de autopeças Sommer Allibert, da França, e MGI, da Suíça, anunciaram investimentos de US$ 100 milhões, cada uma, nos Estados do Paraná e de São Paulo, respectivamente.
Garnero tem parceiros internacionais em vários países, em setores que vão do petróleo à moda sofisticada, passando por shopping centers e fundos de investimento.
Pode parecer conflitante, reconhece, ter negócios em ramos tão diversos.
Mas, na prática, diz, não é bem assim: "Temos a gestão financeira e não a gestão técnica dos empreendimentos. A contribuição de nossos sócios é a gerência e a transferência de tecnologia".
O grupo, com escritórios em São Paulo e Porto Alegre, tem 280 funcionários.
Um dos primeiros defensores de uma maior integração econômica no continente americano, Mario Garnero acompanhou com interesse a recente visita do presidente Bill Clinton ao Brasil.
"O Brasil não pode ser a Inglaterra da União Européia, não podemos ser os 'eurocéticos' e deixar o poder das Américas cair nas mãos de concorrentes".
"O Brasil deve ser neste processo o que a França foi na integração da UE, ou seja, o porta-voz político da integração continental", diz.



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