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OPINIÃO ECONÔMICA
Não vamos ser o 'bobo da vez'
BENJAMIN STEINBRUCH
Participei, nesta sexta-feira,
de um seminário para discutir o
tema "Crise Mundial X Brasil",
promovido pela revista "Exame", buscando respostas para
"o que o país tem que fazer para
diminuir sua vulnerabilidade".
As discussões foram abertas
com oportuna conferência de
Gustavo Franco, presidente do
Banco Central, a que se seguiram os comentários do economista Paulo Guedes, do professor José Alexandre Scheinkman
(das universidades de Chicago e
Princeton), as minhas palavras
e as do jornalista Joelmir Beting, moderador da reunião.
Diante de um público representativo e numeroso, cheguei a
me preocupar pelo fato de ser,
ali, o único empresário que,
mesmo sem procuração específica, deveria enfocar o tema sob o
ângulo da produção. Procurei
ser simples e objetivo nas teses
que apresentei na certeza de
que elas representam o pensamento da imensa maioria das
forças da produção. Um pensamento que, como se conseguiu
ouvir do conferencista e dos demais debatedores, já se constitui
em base importante para o
"consenso nacional", que precisa ser conseguido para que o
Brasil possa, realmente, superar
as dificuldades que vieram com
a crise econômica mundial.
É bom lembrar que há até
poucos meses eram poucos os
que imaginavam que o Brasil
pudesse virar a "bola da vez". O
que era quase impossível aconteceu e ninguém pode negar que
o governo agiu com firmeza e
velocidade para enfrentar o
temporal. Tiveram a coragem
de tomar medidas duras para
defender a moeda e a estabilidade e, ao mesmo tempo, manter as guardas necessárias para
evitar o ressurgimento da inflação. De outra parte, louve-se a
preocupação em não esconder
os fatos e informar corretamente o público tanto no que se refere às características da crise que
afinal nos atingira quanto à necessidade de duras medidas e
sacrifícios que já afetaram ou
vão afetar a nossa economia.
Esses pontos foram analisados
por Gustavo Franco na sua conferência.
A verdade é que o governo, por
meio do presidente da República e dos principais nomes da
equipe econômica, buscou e
conseguiu solidariedade externa, evitando que a comunidade
internacional nos igualasse à
Rússia ou a alguns dos "tigres
asiáticos" que mais contribuíram para os dramas do presente. Ganhamos tempo. E o mundo acreditou nas nossas promessas de solução.
Vencemos o primeiro tempo
da partida, mas agora a bola está no nosso campo e é com ela
que devemos buscar a saída. Em
ações urgentes e enérgicas, temos que partir para um ajuste
fiscal imediato, de curto prazo,
que precederá a reforma tributária, definitiva, que não pode
tardar. A complementação da
reforma da Previdência e o início (pelo menos) das reformas
políticas também precisam
ocorrer nas próximas semanas.
Será importante que as lideranças parlamentares acabem com
as "ditaduras das minorias"
que emperram as votações no
Congresso. É necessário, também, que se abra uma luz no horizonte da nossa democracia
para se estabelecer, afinal, regras definidoras da fidelidade
partidária.
Tenho certeza de que se agirá
com a preocupação de evitar injustiças sociais e descompassos
regionais na distribuição dos
sacrifícios que virão. Esse caminho certamente será facilitado
pela adoção por parte das autoridades de uma política de austeridade como exigência e
exemplo para Estados e municípios e, mais ainda, para as empresas privadas, as entidades
representativas da sociedade e
os cidadãos e suas famílias.
A verdadeira saída, a única
saída para a crise, não vai nascer apenas dessas ações de curto
prazo. O caminho da redenção
da economia brasileira passa
pela geração de riquezas, pelo
engajamento de toda a sociedade em uma verdadeira "batalha
da produção", como afirmei no
seminário da semana passada.
Essa batalha passa, em primeiro lugar, pelo estímulo às
empresas e empresários de todos os tamanhos para que não
admitam nem aceitem o retrocesso. A microempresa e a pequena empresa, principalmente, precisam acreditar que vale
a pena inventar negócios, criar
novos consumidores, buscar novos recursos e assumir riscos
inerentes à criação de empregos
e à geração de impostos. Uma
nova parceria entre empregadores (de todos os portes) e empregados (de todas as qualificações) precisa ser estabelecida e
promovida nesse sentido.
Está claro que a prioridade da
produção é praticamente inviável enquanto não se reduzirem,
drasticamente, os juros internos, o que só ocorrerá se o ajuste
fiscal for realmente completo e
eficaz, e não apenas um paliativo.
Também não avançaremos
com segurança se não houver
estímulos às empresas e às pessoas para a passagem da economia informal para a economia
formal. Se não se conseguirem
vitórias expressivas no combate
à burocracia e aos corporativismos. Se não se modernizarem as
relações de trabalho. Se não
houver estímulos aos avanços
tecnológicos e às conquistas de
produtividade. Se não se combater o desperdício em todas as
frentes. Se não se conscientizar
a cidadania e, mais ainda, toda
a sociedade de que participem
da nova luta pelo desenvolvimento.
As forças ligadas à produção e
ao trabalho estão preocupadas
não apenas com as medidas de
curto prazo, mas com os caminhos de médio e longo prazo.
Esses vão ser fortemente balizados pela reforma tributária que
o Congresso Nacional terá que
votar logo no início da nova legislatura. Ela precisa ser, realmente, ampla e definitiva, redefinindo competências, premiando o investidor produtivo, punindo a ociosidade dos recursos
geradores de riqueza e limitando os campos do capital especulativo.
Não se chegará a um resultado
positivo nesse trabalho se o Brasil adotar o caminho do aumento de impostos para realizar, no
curto prazo, o ajuste fiscal. O
professor Scheinkman ressaltou,
no debate, que o ajuste fiscal,
obtido principalmente pelo
equilíbrio das contas públicas,
reforçará a credibilidade de
nossa economia, reduzirá nossa
necessidade de recursos externos e abrirá a trilha para uma
eficaz liberação do câmbio.
A batalha da produção de que
falamos quase se confunde, nos
dias de hoje, com a batalha da
exportação. Os caminhos da
globalização e da abertura que
percorremos no rumo da modernização do país mudaram
de figura diante dos fatos novos.
Temos que mudar, também, se
não pretendemos ser o "bobo da
vez".
Para isso é preciso valorizar a
produção brasileira a fim de
que se façam divisas e assim
manter empregos no país. E, de
outra parte, temos que dar importância ao mercado interno,
que deverá continuar aberto às
importações necessárias, mas
não pode ser um terreiro festivo
para a chegada de quinquilharias de fora ou para a entrada
de produtos cobertos por indisfarçáveis proteções que não podem ser enfrentadas pelos produtores ou pelos produtos brasileiros.
Finalmente, é importante que
em toda essa mexida econômica
a sociedade e o governo se conscientizem de que o capital privado brasileiro ainda é uma
planta tenra, que merece cuidados especiais.
Se globalizarmos a expressão
"capital nacional", veremos que
os chamados grandes grupos
brasileiros são pequenas organizações, que não podem, com
eficácia, enfrentar os desafios
do mundo globalizado. A prova
disso está nos desdobramentos
das privatizações que o governo
em boa hora vem promovendo e
que, nas suas etapas mais recentes, estão mostrando que não há
mais do que quatro ou cinco
grupos nacionais realmente em
condições de participar do processo.
Sabemos bem que uma privatização sem a presença expressiva de capital nacional pode se
transformar em uma desnacionalização que não reflete os objetivos oficiais nem teria o apoio
da sociedade.
Produzir é preciso, disse a Folha em editorial do dia 16 de outubro. Há que completar o chamamento do jornal com a firme
decisão de defender os produtos
brasileiros na indústria, na
agricultura e no comércio contra a concorrência predatória
das economias globais. Há que
estabelecer os processos de defesa sem a volta ao protecionismo
retrógrado que oferece vida fácil
aos incompetentes. Há que explorar, positivamente, os conceitos que decorrem da "globalização solidária" que Fernando
Henrique Cardoso propôs, semanas atrás, às lideranças
mundiais.
Vamos confiar. Vamos agir.
Não é mais a hora de prolongar
debates ou de adiar decisões que
o Brasil exige, para que não sejamos o "bobo da vez".
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional,
da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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