São Paulo, terça, 20 de outubro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Não vamos ser o 'bobo da vez'

BENJAMIN STEINBRUCH

Participei, nesta sexta-feira, de um seminário para discutir o tema "Crise Mundial X Brasil", promovido pela revista "Exame", buscando respostas para "o que o país tem que fazer para diminuir sua vulnerabilidade". As discussões foram abertas com oportuna conferência de Gustavo Franco, presidente do Banco Central, a que se seguiram os comentários do economista Paulo Guedes, do professor José Alexandre Scheinkman (das universidades de Chicago e Princeton), as minhas palavras e as do jornalista Joelmir Beting, moderador da reunião.
Diante de um público representativo e numeroso, cheguei a me preocupar pelo fato de ser, ali, o único empresário que, mesmo sem procuração específica, deveria enfocar o tema sob o ângulo da produção. Procurei ser simples e objetivo nas teses que apresentei na certeza de que elas representam o pensamento da imensa maioria das forças da produção. Um pensamento que, como se conseguiu ouvir do conferencista e dos demais debatedores, já se constitui em base importante para o "consenso nacional", que precisa ser conseguido para que o Brasil possa, realmente, superar as dificuldades que vieram com a crise econômica mundial.
É bom lembrar que há até poucos meses eram poucos os que imaginavam que o Brasil pudesse virar a "bola da vez". O que era quase impossível aconteceu e ninguém pode negar que o governo agiu com firmeza e velocidade para enfrentar o temporal. Tiveram a coragem de tomar medidas duras para defender a moeda e a estabilidade e, ao mesmo tempo, manter as guardas necessárias para evitar o ressurgimento da inflação. De outra parte, louve-se a preocupação em não esconder os fatos e informar corretamente o público tanto no que se refere às características da crise que afinal nos atingira quanto à necessidade de duras medidas e sacrifícios que já afetaram ou vão afetar a nossa economia. Esses pontos foram analisados por Gustavo Franco na sua conferência.
A verdade é que o governo, por meio do presidente da República e dos principais nomes da equipe econômica, buscou e conseguiu solidariedade externa, evitando que a comunidade internacional nos igualasse à Rússia ou a alguns dos "tigres asiáticos" que mais contribuíram para os dramas do presente. Ganhamos tempo. E o mundo acreditou nas nossas promessas de solução.
Vencemos o primeiro tempo da partida, mas agora a bola está no nosso campo e é com ela que devemos buscar a saída. Em ações urgentes e enérgicas, temos que partir para um ajuste fiscal imediato, de curto prazo, que precederá a reforma tributária, definitiva, que não pode tardar. A complementação da reforma da Previdência e o início (pelo menos) das reformas políticas também precisam ocorrer nas próximas semanas. Será importante que as lideranças parlamentares acabem com as "ditaduras das minorias" que emperram as votações no Congresso. É necessário, também, que se abra uma luz no horizonte da nossa democracia para se estabelecer, afinal, regras definidoras da fidelidade partidária.
Tenho certeza de que se agirá com a preocupação de evitar injustiças sociais e descompassos regionais na distribuição dos sacrifícios que virão. Esse caminho certamente será facilitado pela adoção por parte das autoridades de uma política de austeridade como exigência e exemplo para Estados e municípios e, mais ainda, para as empresas privadas, as entidades representativas da sociedade e os cidadãos e suas famílias.
A verdadeira saída, a única saída para a crise, não vai nascer apenas dessas ações de curto prazo. O caminho da redenção da economia brasileira passa pela geração de riquezas, pelo engajamento de toda a sociedade em uma verdadeira "batalha da produção", como afirmei no seminário da semana passada.
Essa batalha passa, em primeiro lugar, pelo estímulo às empresas e empresários de todos os tamanhos para que não admitam nem aceitem o retrocesso. A microempresa e a pequena empresa, principalmente, precisam acreditar que vale a pena inventar negócios, criar novos consumidores, buscar novos recursos e assumir riscos inerentes à criação de empregos e à geração de impostos. Uma nova parceria entre empregadores (de todos os portes) e empregados (de todas as qualificações) precisa ser estabelecida e promovida nesse sentido.
Está claro que a prioridade da produção é praticamente inviável enquanto não se reduzirem, drasticamente, os juros internos, o que só ocorrerá se o ajuste fiscal for realmente completo e eficaz, e não apenas um paliativo.
Também não avançaremos com segurança se não houver estímulos às empresas e às pessoas para a passagem da economia informal para a economia formal. Se não se conseguirem vitórias expressivas no combate à burocracia e aos corporativismos. Se não se modernizarem as relações de trabalho. Se não houver estímulos aos avanços tecnológicos e às conquistas de produtividade. Se não se combater o desperdício em todas as frentes. Se não se conscientizar a cidadania e, mais ainda, toda a sociedade de que participem da nova luta pelo desenvolvimento.
As forças ligadas à produção e ao trabalho estão preocupadas não apenas com as medidas de curto prazo, mas com os caminhos de médio e longo prazo. Esses vão ser fortemente balizados pela reforma tributária que o Congresso Nacional terá que votar logo no início da nova legislatura. Ela precisa ser, realmente, ampla e definitiva, redefinindo competências, premiando o investidor produtivo, punindo a ociosidade dos recursos geradores de riqueza e limitando os campos do capital especulativo.
Não se chegará a um resultado positivo nesse trabalho se o Brasil adotar o caminho do aumento de impostos para realizar, no curto prazo, o ajuste fiscal. O professor Scheinkman ressaltou, no debate, que o ajuste fiscal, obtido principalmente pelo equilíbrio das contas públicas, reforçará a credibilidade de nossa economia, reduzirá nossa necessidade de recursos externos e abrirá a trilha para uma eficaz liberação do câmbio.
A batalha da produção de que falamos quase se confunde, nos dias de hoje, com a batalha da exportação. Os caminhos da globalização e da abertura que percorremos no rumo da modernização do país mudaram de figura diante dos fatos novos. Temos que mudar, também, se não pretendemos ser o "bobo da vez".
Para isso é preciso valorizar a produção brasileira a fim de que se façam divisas e assim manter empregos no país. E, de outra parte, temos que dar importância ao mercado interno, que deverá continuar aberto às importações necessárias, mas não pode ser um terreiro festivo para a chegada de quinquilharias de fora ou para a entrada de produtos cobertos por indisfarçáveis proteções que não podem ser enfrentadas pelos produtores ou pelos produtos brasileiros.
Finalmente, é importante que em toda essa mexida econômica a sociedade e o governo se conscientizem de que o capital privado brasileiro ainda é uma planta tenra, que merece cuidados especiais.
Se globalizarmos a expressão "capital nacional", veremos que os chamados grandes grupos brasileiros são pequenas organizações, que não podem, com eficácia, enfrentar os desafios do mundo globalizado. A prova disso está nos desdobramentos das privatizações que o governo em boa hora vem promovendo e que, nas suas etapas mais recentes, estão mostrando que não há mais do que quatro ou cinco grupos nacionais realmente em condições de participar do processo.
Sabemos bem que uma privatização sem a presença expressiva de capital nacional pode se transformar em uma desnacionalização que não reflete os objetivos oficiais nem teria o apoio da sociedade.
Produzir é preciso, disse a Folha em editorial do dia 16 de outubro. Há que completar o chamamento do jornal com a firme decisão de defender os produtos brasileiros na indústria, na agricultura e no comércio contra a concorrência predatória das economias globais. Há que estabelecer os processos de defesa sem a volta ao protecionismo retrógrado que oferece vida fácil aos incompetentes. Há que explorar, positivamente, os conceitos que decorrem da "globalização solidária" que Fernando Henrique Cardoso propôs, semanas atrás, às lideranças mundiais.
Vamos confiar. Vamos agir. Não é mais a hora de prolongar debates ou de adiar decisões que o Brasil exige, para que não sejamos o "bobo da vez".


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional, da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br




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